Um estudo recente da chefe de missão do BCE para Portugal, Isabel Vansteenkiste, sugere que «o relativamente elevado salário mínimo, em combinação com o nível elevado de proteção ao emprego, podem limitar o regresso da taxa de desemprego a níveis pré-crise». De caminho, estima que as «reformas estruturais» dos últimos anos tenham permitido atenuar «o aumento da taxa de desemprego em cerca de três pontos percentuais». Ou seja, na ausência dessas reformas «a taxa de desemprego podia ter sido significativamente maior, ultrapassando os 20%». Mais: a economista do BCE considera que se o salário mínimo não tivesse aumentado em 2014 (o estudo não abrange ainda os anos de 2016 e 2017), o desemprego no início de 2015 teria ficado três pontos percentuais abaixo do valor registado (11% em vez de 14%).
O recado é muito claro: não subam o salário mínimo (até porque é «relativamente elevado») e não se atrevam a tomar medidas de proteção do emprego e dignificação do trabalho. O futuro do país depende do empobrecimento competitivo e de uma ainda maior desregulação laboral. Está tudo no modelo sofisticado a que recorreu Isabel Vansteenkiste, com fórmulas e contas complexas que a economista explica e exibe no relatório. A realidade, essa marota, é que teima em não lhe obedecer.
De facto, a evolução recente do mercado de trabalho reduz a pó a credibilidade do modelo e dos seus pressupostos. Em termos homólogos, nunca a criação de emprego foi tão expressiva como no último ano, com mais 126 mil postos de trabalho face a 2016, um aumento muito acima do registado em 2014 e 2015 (e nestes anos em tendência de queda, aliás). E é preciso recuar a fevereiro de 2009 para encontrar uma situação em que a criação de emprego supera a descida do desemprego (+3,8 mil, nesse ano) e até 2007 para que esse saldo, positivo, tenha dois dígitos (+10,7 mil). Mesmo assim, contudo, sem se atingir o valor registado em fevereiro de 2017, com um nível de criação de emprego superior à redução do desemprego na ordem dos 15 mil postos de trabalho.
Mas a realidade, que desmente a relação entre subida do salário mínimo e aumento do desemprego, não é o único problema das folhas de cálculo de Isabel Vansteenkiste. Nos pressupostos do modelo, desde logo, é extraordinário que se considere que a uma subida de cerca de 5% do salário mínimo em 2016 e 2017 possa atribuir-se, como se faz relativamente ao aumento de 2014, um impacto desfavorável de três pontos percentuais na taxa de desemprego. Sobretudo quando se sabe, porque se sabe, que o peso dos salários nos custos de produção é, em média, de apenas 20% (e isto para já nem falar do impacto da melhoria dos rendimentos na recuperação da economia).
Por outro lado, não se percebe como é possível continuar a sugerir o reforço da desregulação laboral e da contenção salarial perante a evidência dos limites demográficos da economia do «empobrecimento competitivo», designadamente ao nível do seu impacto no disparar da emigração, como sucedeu nos últimos anos. Aliás, como se pode pretender analisar as dinâmicas recentes do mercado de trabalho em Portugal ignorando, para lá da emigração, as formas ocultas de desemprego? Só mesmo não querendo sair do mundo fechado de uma folha de Excel, como um condutor que se recusa a olhar para a estrada, guiando-se exclusivamente pelo que lhe diz um GPS (ainda por cima manhoso).
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7 comentários:
Estes ditames travestidos de ciência são a demonstração da farsa que é esta Europa, o que está em causa em manter baixo ou baixar o custo unitário do trabalho, alguém acredita na preocupação destas instituições na vida de cada cidadão? O que se pretende é continuar a transferir custos para os de baixo e rendimentos para os de cima. Quando a "ciência económica" determina que se deve perpetuar a desigualdade, a injustiça e a desonestidade, tem de haver uma resposta à altura e essa é obviamente a revolução.
Toda esta farsa apelidada de ciência económica é projectada para servir determinados objectivos ilegítimos, imorais e corporativos obscuros, tal como as sondagens que se fazem, enganando os que não dominam a estatística e como seus resultados podem ser enviesados deturpando fenómenos da sociedade. Estou completamente de acordo com o Anónimo referiu, porque o resultado está à vista. Não foram eles os tais que já reconheceram terem falhado mais que uma vez, a começar pelo Sr GaspaR? Deixem de brincar com este povo amargurado, chega...
Confiaria nos resultados dessa senhora e dos outros, que bem conhecemos, depois de me demonstrar que sabia gerir uma casa de família honestamente.
Mas a emigração é uma forma, como qualquer outra, de cmbater o desemprego!
Vejamos: se se desce o salário mínimo, então as pessoas emigram; como consequência, o desemprego desce. Portanto, descer o salário mínimo faz de facto descer o desemprego!
O Nuno Serra pode não gostar da emigração por outros quaisquer motivos, mas o facto é que as pessoas que emigraram encontraram emprego e, portanto, contribuíram para fazer descer o desemprego.
O Nuno Serra não gosta das "formas ocultas de desemprego", e tem toda a razão em não gostar. Mas então deveria achar bem quando muitas das vítimas dessas "formas ocultas de desemprego", como por exemplo os trabalhadores precários, resolvem emigrar. O que eles estão de facto a fazer é contribuir para eliminar essas péssimas "formas ocultas de desemprego".
A emigração, caro Nuno Serra, não é parte do problema, ela é parte da solução.
Já não sei quem dizia, caro Luís Lavoura, que o problema dos países é terem pessoas. Sem elas, seria tudo uma maravilha. As «formas ocultas de desemprego» não são nem um fatalismo nem uma coisa que sempre existiu. São fundamentalmente, como a própria emigração, o resultado de políticas, de escolhas. Hoje como no passado. No início do século XXI como nos anos sessenta do século XX.
Uma resposta à altura a Luís Lavoura. Que, coitado, anda também muito distraído e muito ignorante sobre o que é uma Europa das Nações.
Não é por nada que a apologia da emigração foi berrada daquela forma grotesca pelo Coelho e seus bons rapazes. Escolha política reveladora de todo um programa ideológico e "umanista".
Caro Luís Lavoura, para evitar interpretações fáceis se incluiu no gráfico o desemprego e o emprego em valores absolutos. Assim o seu argumento é falso porque a emigração não gera emprego.
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