quarta-feira, 5 de abril de 2017

Factos e Fintas


Rui Tavares respondeu hoje ao meu artigo de resposta a um seu artigo anterior. Responde também a Carlos Carvalhas, que vale bem a pena ler. Na sua resposta, Rui Tavares responde apenas a uma das três questões que coloquei e também responde a alguma inferências que ele próprio faz sobre o que eu escrevi.

Começando pelas coisas que eu disse (todos os sublinhados são meus):

1. Na resposta ao primeiro ponto da minha resposta, Rui Tavares escreveu:
“Gusmão alega também que o cenário que eu descrevi — estar fora do mercado da UE em caso de saída do euro — “configuraria um embargo comercial”. Eu não escrevi tal absurdo. O que configuraria é uma grande desvantagem comparativa para o nosso país no acesso aos nossos maiores clientes, e não só nas tarifas.”
No artigo original, Rui Tavares escreveu:
“No caso de quererem sair da UE, as grandes vantagens do novo escudo e da sua desvalorização desvanecem-se ao não podermos exportar para os mercados que são os nossos maiores clientes no mercado único da UE
Isto é um embargo. Se foi um excesso retórico, mais vale reconhecer e seguimos em frente. Sobre as outras coisas que o Rui Tavares escreve agora, respondo abaixo.

2. Sobre o meu segundo ponto e a possibilidade, avançada por Rui Tavares, de ser “determinado pelos tribunais internacionais que a nova moeda não é transacionável”, Rui Tavares não escreveu nada. Considero o argumento abandonado, o que é bom para o debate.

3. Sobre o meu terceiro ponto, escrevi: “Até hoje nunca li nenhuma proposta concreta sobre como convencer os governos da Alemanha e das restantes economias superavitárias a prescindir dos privilégios exorbitantes que o desenho institucional da UE lhes confere. E também nunca ouvi uma posição clara sobre o que deverá fazer o nosso país, se for confrontado com um ultimato como o que foi feito à Grécia, obrigada a escolher entre um programa de austeridade punitiva e a expulsão.” Rui Tavares também não escreveu nada. Isto é que já não é tão positivo, porque mostra que, das duas uma, Rui Tavares não tem um plano para tornar possível uma reforma da Zona Euro e da União Europeia, ou tem, mas não o quer submeter ao mesmo escrutínio que exige (e bem) às propostas alternativas. Mas admito que este tema tenha ficado para um artigo posterior, pelo que repito a interpelação.

Sobre as outras questões que Rui Tavares refere:

1. “José Guilherme Gusmão, dirigente do BE, acaba implicitamente admitindo que Portugal sairia da UE ao usar como comparação a Noruega”.
Eu defendo que Portugal deve sair do Euro, mantendo-se na UE. Também defendo que o país deve estar preparado para qualquer cenário. O argumento de Rui Tavares é o de que qualquer pessoa que denuncie um cenário obviamente falso sobre as consequências de uma saída da UE, está a defender a saída da UE encapotadamente. Rui Tavares refere também, em resposta a Carlos Carvalhas, que os tratados não prevêem a saída do Euro (também não a proíbem, que é o que basta). Mas não refere que os Tratado não prevêem nenhum mecanismo de expulsão da União Europeia. Ou seja, a conclusão de que para sair do Euro seríamos obrigados a sair da UE não tem fundamento legal no direito comunitário, e muito menos no nacional.
Vale ainda a pena verificar que todos os argumentos subsequentes do artigo de Rui Tavares dizem respeito às consequências imaginadas de uma saída da União Europeia e não de uma saída do Euro. Ou seja, quando Rui Tavares diz que “Como Gusmão bem sabe, sempre fui a favor de fazer este debate”, estará certamente a referir-se ao debate sobre a saída da União Europeia, porque sobre a saída do Euro não escreveu quase nada.

2. Digo “quase” porque há no artigo uma referência lateral à “vantagem temporária de desvalorizar a moeda”, a única incursão de Rui Tavares no debate que foi suscitado. Acontece que a pertença ao Euro tem para Portugal um efeito permanente (e não temporário) de sobrevalorização artificial da nossa moeda. É por essa razão que, desde o início do processo de convergência nominal até hoje, o nosso endividamento externo aumentou de 12,9% para 109,4% do PIB. Sair do Euro elimina de forma permanente essa sobreavaliação e, portanto, não, não é uma vantagem temporária.

3. Sobre o acesso aos mercados de países que estejam fora de zonas de comércio livre, penso que o planeta é suficientemente eloquente. Há inúmeras economias que participam em trocas comerciais sem pertencerem a zonas de comércio livre. Quando Rui Tavares se opõe ao TTIP não está a defender que Portugal termine todas as suas relações comerciais com os EUA. Aliás, defender a ideia de que a alternativa às regras do mercado único Europeu é a autarcia (ou sequer uma desvantagem no plano internacional) só é possível fazendo tábua rasa de umas quantas décadas de reflexão da esquerda marxista e keynesiana sobre comércio internacional.

6 comentários:

Anónimo disse...

Esta coisa da saída da U.E. e do Euro esta´ a mexer com cérebros predestinados ao devaneio, como também às massas proletárias, habituadas que estavam ao adormecimento provocado. Ainda bem! Todavia, e mais uma vez, a força retrograda onde o Rui Tavares esta´ integrado, se recorre do medo e do embuste.
O bom disto tudo e´ que vão constatando que a mentira já não cola, já foi chão que deu uvas…
As vozes do progresso, ainda que atemorizadas, começaram a ter audição e isso não se enquadra bem nos “Centros de Inteligência” Europeístas.
De aí lembrar que embora em sofrimento os Gregos deram uma boa ajuda para a mudança. de Adelino Silva

Anónimo disse...

A desagregação também terá efeitos nos países superavitários, não se pode desenhar cenários estáticos quando estes são dinâmicos. É mais que evidente que países subjugados são lugares onde não existe democracia, nenhum povo pode achar desejável um sistema que ultrapassa as pessoas, a conivência generalizada com tudo isto é acima de tudo uma demonstração de subdesenvolvimento.

Anónimo disse...

"Rui Tavares refere também, em resposta a Carlos Carvalhas, que os tratados não prevêem a saída do Euro (também não a proíbem, que é o que basta)." ahahahahahahahahahahahahah, perdão, pere aí.

"Senhor bancário, desculpe, eu sei que o contrato diz que tenho pagar as minhas prestações ao banco no dia 30 de cada mês, mas o contrato não proíbe que eu as pague em batatas, pois não? Então prontus, tome lá este saco e fique satisfeito"

Caramba, a sério? Não proíbe, logo é admissível? Um economista escreve isto? Não havia Introdução ao Direito no ISEG no seu tempo? Estamos a brincar? Por Deus.

Se defende a saída do euro sem a saída do UE, defende uma alteração legislativa do quadro legal que possibilite essa hipótese, neste caso o Tratado da UE e o Tratado sobre o Funcionamento da UE. Essa alteração consiste numa emenda aos Tratados. Ponto final. Caso contrário, não estamos a ser sérios (ou estamos a pretender que este processo não seja sério). Não invente, francamente.

Jose disse...

Era tão mais simples dizer à UE:
Falta-nos o que se requer para uma política de reformas e desvalorização interna; deixem-nos voltar ao escudo para lá chegarmos pela desvalorização cambial.

Anónimo disse...

Herr Jose mais uma vez exorbita.

Agora quer dizer à UE concretamente o quê?

Que as pulitikas de reformas dos seus amigos que nos desgovernaram foram sobretudo pulitikas de empobrecimento do país?

Que os vende-patrias actuais eram os mesmos que outrora gritavam que Angola é nossa?

Exemplificado por esta encenação apatetada de pedidos à UE feitos daquela msneira servil e rastejante de lsmbe-botas sem princípios nem dignidade?

Filipe Martins disse...

Sou apoiante do Livre, portanto do Verdes, logo da Esquerda. Convém sabermos discutir sem fazer questão de ganhar a discussão a toda a força. Pode-se gostar ou não do Rui Tavares, mas é uma pessoa cordata.
Convém que se mantenha o nível, sem entrar na colagem de cartazes, como alguns autores fazem neste blog. Os Verdes não são «socialistas»; são Esquerda.