quarta-feira, 12 de abril de 2017

Dois pesadelos e dois sonhos


Primeiro pesadelo francês. Três candidatos dominantes de direita, duas faces da mesma moeda europeia, concebida para destruir as esquerdas: variantes de euro-liberalismo (Macron e Fillon), por um lado, e protofascismo (Le Pen), por outro.

Segundo pesadelo francês. A destruição da social-democracia, quer pela enésima confirmação da sua conversão à austeridade e ao euro-liberalismo do ex-banqueiro Macron, quer pela sua conversão à perversa americanização da política – primárias e federalismo –, quer pela sua conversão a ideias sem qualquer futuro popular, como é o caso de uma variante do Rendimento Básico Incondicional. Não é com fugas em frente destas que se rompe com o pesado legado de Hollande, como Hamon atesta.

Primeiro sonho francês. A dinâmica de um líder carismático, Jean-Luc Mélenchon, que já conta com quase 20% nas sondagens, sendo hoje o candidato com mais opiniões positivas, disputando o voto dos excluídos da mundialização, com um programa soberanista, assente num plano B, que terá de ser o A, de ruptura com os tratados europeus que proíbem políticas de esquerda. Não foi em cantigas de primárias, nem em subordinações estratégicas a um P sem o S e sem o F, nem em modas intelectuais sem passado e sem futuro. Fidelidade, antes, a toda uma rica tradição, a de 1789, 1848, 1871, 1936, 1945, 1968, 1995, 2005... a da França Insubmissa, a que sempre fez tremer de medo as elites do poder.

Segundo sonho francês. Uma pergunta: pode a esquerda vencer? Hoje, os quatro candidatos principais, os três de direita e o da esquerda, podem chegar à segunda volta. Pensemos, puro optimismo da vontade, numa combinação impensável: Mélenchon versus Le Pen. Populismo diádico versus populismo triádico. Nacionalismo cívico, democrático e inclusivo versus nacionalismo étnico e exclusivista. Os descendentes da Frente Popular versus os descendentes dos que combateram o nacionalismo argelino. Seria uma escolha muito esclarecedora. E Mélenchon ganharia, segundo as sondagens. Não passariam.

15 comentários:

Anónimo disse...

João Rodrigues, gostei imenso de navegar nas águas claras do seu texto. Sobra-me uma dúvida, contudo: JLMelanchón não corre o risco sério (por falta de uma linha ideológica clara e verdadeiramente radical - isto é, que desça fundo e chegue à raíz - que lhe permita uma definição apriorística do critério de escolha perante opções dilemáticas) de se converter num novo Tsipras , prestando o pior dos serviços aqueles que nele venham a confiar? É que, tal como disse um dos revolucionários burgueses precisamente no contexto da Revolução Francesa, quem deixa revoluções a meio arrisca-se a ser engolido por elas.

Anónimo disse...

«Fidelidade, antes, a toda uma rica tradição, a de 1789, 1848, 1936, 1945, 1968, 1995, 2005... A da França Insubmissa, a que sempre fez tremer de medo as elites do poder».
Por isso mesmo a imprevisibilidade, mesmo com a França prisioneira desta engrenagem amordaçante intitulada de “União Europeia”, digo eu.
Ultimamente, e como sofro do síndroma/trauma da guerra colonial, os sonhos em mim tornaram-se pesadelos medonhos, tendo como pano de fundo a Tomada da Bastilha e a Comuna de Paris e o Maio de 68 a´ mistura com imaginárias máquinas de guerra me afligem, noite apos noite, daí passar uma ou duas horas diárias de madrugada a “descansar”, mas cogitando sobre a tentativa «centro-direita» de adormecer um povo, uma nação libertária como a França.
Quero aqui afirmar que os acordes da Marselhesa me arrepiam, me fazem sentir algo desejável. de Adelino Silva

R.B. NorTør disse...

Ao contrário de Tsipras, Melanchón estaria ao volante de um dos motores económicos e ideológicos do projecto Europeu. E acho que Melanchón tem uma linha ideológica bem definida e, se disputar a segunda volta e a ganhar, para conseguir as cedências necessárias ao seu plano A.

Anónimo disse...

Muito bom texto de João Rodrigues. Duma enorme clareza. E assumindo o sonho partilhado

( embora as dúvidas do anónimo das 9 e 49 sejam pertinentes)

Anónimo disse...

O ser humano, mesmo que político, não deixa de ser volúvel, está-nos na “massa da albarda”. Mas Jean-Luc Mélenchon nunca poderá ser um Tsipras qualquer, ate´ porque a “massa da albarda” também comporta o medo, receio de ameaças a´ própria vida e etc. e tal. Hoje e como sempre não podemos ter dúvidas sobre a formação das sociedades humanas. E a situação politica, social, económica e militar da França e dos franceses e´ totalmente diferente. E o porque esta duvida não se poe a Mary Le Pen? Lhes pergunto… Continuamos a não ter a certeza política da terra que pisamos…continuamos vulneráveis ao passado fosse la o que ele fosse. Não queremos largar a boia nem pela lei de nada, e a esta configuração politica, chama-se antidemocracia! de Adelino Silva

Anónimo disse...

Não compreendo as críticas às primárias! Sejamos claros, aqueles que desejam revitalizar a Democracia aceitam todos os instrumentos dessa revitalização. A Democracia está em crise, e existem duas correntes que desejam resolver este problema, uma é uma espécie de Aristocracia, ou Tecnocracia ou Burocracia (até a de Bruxelas) e a outra aposta num aprofundar da própria Democracia. É preciso aceitar que muitas pessoas defendem a Democracia de uma forma não instrumental, que tem mais que ver com os valores do processo e não com os resultados do sistema! Bem sei que em Portugal a utopia da Democracia não é aquela que move a maioria das elites, apesar de toda a propaganda em contrário...

A.R.A disse...

A França é o freguês que se segue numa Europa elitista que sempre pensou como o Sr.Dusselcoiso mas que nunca o disse. Após a crise, caíram as mascaras e o hino da amizade deu lugar ao som dos martelos pneumáticos com que os "parceiros" ricos a desmembrar os seus "parceiros" pobres esquecendo que quem os fez mais ricos foram exactamente os mesmos que lhes compram as "coisas" por decreto ou por cotas, tal como diz o contrato para se ter cartão de sócio da UE.

O busilis da questão europeia é que os dividendos dos resgates não foram para os países que financiaram de modo agiota, não, foram para paraísos fiscais embrulhados em papeis panamianos ou algo do género e o povo, pá, como é que fica o povo, pá! Pois é "mes amis, sans l'árgent vous avez pas les sardines, les plages e tout le joy de vivre au detriment des Portugais" e assim sendo a Europa já não vale nada e venham os fascistas ou então os neoliberais, que são também eles uma subespécie de fascistas de mercado, para meter ordem na casa.

Como é que que cantava o outro "Oh tempo volta pra trás e dá-me tudo o que eu perdi" ... pois é, mes amis, eles ainda acham que perdem e perderam dinheiro connosco e sendo assim a nacional "democracia" é um estimulo para os sombrios tempos que se avizinham.

Proletarios de todo o mundo, Uni-vos!

R.B. NorTør disse...

Mas de que forma é que as primárias são uma revitalização democrática?

O que se nota em todas as experiências de primárias é que por regra só multiplicam o circo mediático.

Podem ser usadas, como as Francesas, para filtrar um pouco os candidatos? Podem, mas de que forma é isso um aprofundar democrático? Levar as pessoas a votar em quem não se revêem em nome de um mal menor é sinónimo de mais Democracia?

Anónimo disse...

Eu estava para fazer alguns comentários aos comentários, mas era logo acusado de um "radical de esquerda", ou um comunista convicto", e ainda eram capaz de me chamar "terrorista", sim porque os terroristas são sempre o povo!!! E nunca os governos... e mais não digo, porque posso ser multado ou preso...

Jose disse...

Já só nos faltava a doutrina dos sans coullote adicionada à doutrina dos coitadinhos!

Anónimo disse...

Esta “democracia” encontra-se nua, impotente, totalmente vazia diante do capital financeiro que a atemoriza. A não ser ao povo, “Ela” não tem mais ninguém a quem se agarrar.
Pelos critérios sociais progressistas, “Ela” fracassou completamente. A sua própria natureza, fonte de vida de sociedades saudaveis, esperança de povos e naçoes se esvaiu na bruma impiadosa desta falsa cobertura (U.E.) que nos quiseram impingir.
Ao ouvir hoje os “representantes” do povo no semicirculo de S. Bento, nao pude suster uma lagrima fugidia que se me aflorou…de tristeza – “Os fala barato” chamam a este pandemonio de “ casa da democracia”. penso que e´mais que tempo para mudar de Agulha. de adelino Silva

Anónimo disse...

Ah! esse ódio que os viúvos da Revolução Francesa dispensam aos Sans culotte e que tem persistido ao longo dos séculos

Como se sabe Sans-culotte foi a denominação dada pelos aristocratas aos artesãos, trabalhadores e até pequenos proprietários participantes da Revolução Francesa, principalmente em Paris.

O rancor de classe duma aristocracia de trazer por casa, decadente e impotente, ainda tão inquieto e pestilento.

Patente também na pretensa superioridade de ranço ao se qualificarem os demais como "coitadinhos"

Que tipo de conversas terão entre si estes frequentadores dos bordéis tributários?

Anónimo disse...

Já Platão chamava de circo à Democracia...

Anónimo disse...

O que nos espera é Macron. Em entrevista à RTP afirmou que é contra a mutualizaçao da dívida passada mas a favor da da divida futura.ou seja, para os países mais fracos que já tiverem de se endividar não há nada mas para os mais poderosos que estão a aumentar a divida publica, para esses haverá. Isto porque os países do Sul não fizeram as reformas estruturais.
Ora bem. Reformas estruturais é um eufemismo para a imposição de medidas uma redução de ordenados permanente de mais de 30%( vejam-se os escritos do guru alemão Hans Werner-Sinn). Actualmente em Portugal já é praticamente possível despedir façilmente qualquer trabalhador alegando-se problemas económicos na empresa, alterações tecnológicas... O que falta fazer é que essas pessoas deixem de receber indemnizações aceitáveis ou até indemnizações tour court. Enfim reformas estruturais são a transformação dos colaboradores da empresa em objetos descartaveis sempre que a administração da empresa o entenda. A melhor alegoria para as reformas estruturais que nos esperam é o acidente com a united air lines. Esse é o futuro pretendido pela ideologia dominante e seus epígonos neo ou ordo liberais em que se integram os macrons do nosso descontentamento.

Jaime Santos disse...

Cuidado com o que se deseja, João Rodrigues. Desejar que Mélenchon defronte Fillon ou Macron na segunda volta não é o mesmo que desejar que ele se bata contra Marine Le Pen, mau grado ter aparentemente mais intenções de voto que ela por agora. Sabemos bem que as sondagens já se enganaram antes. Pode deitar-se com o seu sonho a 6 de Maio e verificar que ele se transformou no pior dos pesadelos ao serão de dia 7...