sábado, 29 de abril de 2017

As duas Le Pen


Convido-vos a rever o discurso de Marine Le Pen no comício de Nice, realizado anteontem. Marine é verdadeiramente uma força da natureza: reaccionária, mas genuína, vibrante, intensa e poderosa. Uma presença e não um sabonete.

Talvez vos aconteça o mesmo que a mim: concordar em muita coisa que ela afirma nomeadamente quanto à União Europeia esclerosada, à globalização selvagem, à moeda única doentia, à degradação do tecido económico nacional em prol de uma elite de privilegiados.

Mas o mais interessente ainda é observar que esses são, precisamente, os temas a que a assistência do comício da Frente Nacional menos reage. Vejam o discurso até ao fim e estejam atentos aos aplausos.

Verificarão que a assistência explode quando Le Pen fala do fecho das fronteiras devido à vulnerabilidade do país, da necessidade de mais segurança, do ataque ao terrorismo islâmico (que se contenham as "agressões dos islamitas"), de uma maior intervenção externa da França em defesa dos seus interesses (pelo "fim da posição esquecida da França"), um novo papel quando se observa já um reposicionamento da Rússia (grandes aplausos), por uma Europa de "países livres", por uma causa ("a Pátria", "o amor à Pátria"), contra a "traição que querem impor ao nosso povo". "A mudança é possivel!", "Utilizem o voto!" E a assistência rompe em uníssono: "Vamos ganhar!"

Muito comedida ou mesmo silenciosa é a assistência quanto ao euro e a um necessário debate sobre a moeda única, quanto à globalização que tudo destrói, quanto à tributação das empresas que se deslocalizam, em defesa da paz e contra o belicismo, por uma negociação que proceda à "mutação do funcionamento da UE" (contra uma UE "cega", "cinzenta", "renovar a UE", por "uma Europa dos povos", pela soberania nacional). Neste ponto, Marine sentiu necessidade de falar mais alto para puxar os aplausos que não vinham. O mesmo aconteceu quando Marine afirmou algo que poderia suscitar aplausos: "Saber dizer não", "não tenham medo da liberdade (fez-se um silêncio...), a "liberdade da revolução"...

Ou seja, Marine Le Pen afirma muita coisa, mas possivelmente ela será muito menos do que afirma. E o que o seu "povo" quer é claramente mais das velhas ideias que sempre estiveram na sua raiz. Marine pode atrair muita gente, mas teme-se que, caso ganhe, na prática a sua teoria seja outra.

8 comentários:

Jaime Santos disse...

De um lado está uma reacionária de Extrema-Direita, xenófoba, revisionista e rodeada de colaboradores negacionistas e chefe de um partido racista e anti-semita. Do outro lado está alguém que não é nada disto. A escolha parece-me fácil e não me venham com o discurso anti-europeu e que Le Pen pode ser eleita dentro de cinco anos se Macron aceder agora à presidência. Como dizia hoje alguém, este argumento é semelhante ao de quem, porque teme a chuva, se atira à água. Francamente, não há pachorra! Se Le Pen for eleita dentro de 8 dias por falta de comparência de uma parte, qualquer ela que seja, do eleitorado dito republicano, os responsáveis e os que os defendem perderão qualquer moral que lhes sobra para nos virem pregar sobre o atual estado de coisas. Merecerão ser metidos no mesmo saco dos estalinistas que justificaram a partilha da Polónia por Hitler e Estaline com a conversa de que se tratou de uma tática deste último pela falta de apoios ocidentais. E nesse sentido, o silêncio do Sr. Mélenchon é absolutamente ensurdecedor...

Anónimo disse...

Marine Le Pen e´ isso mesmo, já Françoise Hollande faz a mesma coisa, socialista de gema a fazer política económica e social neoliberal. E´ a vida!
E´ como ca´ em Portugal, dizemo-nos contra o Euro e U.E. e na volta apoiamos um governo – A Geringonça – que e´ o “Ai Jesus” dessa mesma moeda e união.
Ela, tal qual o outro, fazem parte da mesma família, uma mais arrogante que o outro, mas da mesma família.
Ao que restar deste mísero espectáculo, o povo francês dará em tempo o respectivo tratamento. Tenho a certeza! de Adelino Silva

Anónimo disse...

"A alternativa deixada aos eleitores, nos Estados Unidos como em França, nada tem a ver com os reais interesses e direitos das pessoas, apenas coloca uma baia entre duas roupagens para a mesma anarquia neoliberal: o nacionalismo de inspiração fascista, tirando proveito da degradação das condições sociais e de vida da maioria da população, assumindo frontalmente as suas orientações xenófobas e racistas; ou o neoliberalismo sem fronteiras, no caso francês ancorado no autoritário sistema económico, financeiro e monetário na União Europeia e teleguiado pela NATO.

Não é difícil estabelecer um paralelo entre os duelos Trump-Clinton, Le Pen-Macron, e mesmo Beppe Grilo-Renzi, como exemplos crus do esvaziamento da democracia representativa e da emergência de uma nova variante da alternativa bipolar; agora, o pensamento único neoliberal oscila cada vez mais entre o nacionalismo em ascensão e o sistema dirigente internacional sem fronteiras, que até aqui tem assentado numa bipolaridade entre a direita conservadora e os sociais-democratas da «terceira via», ao estilo de Tony Blair, François Hollande e Martin Schulz.

O caso francês é mais uma demonstração de como o pensamento único que sustenta a política de governo do capitalismo internacional, uma vez chegado ao estado de anarquia de mercado, está em transição para se instalar na extrema-direita; dispensa assim o recurso a formas mesmo adulteradas de social-democracia, pelo que os Partidos Socialistas vão implodindo em ritmo de dominó.

Não se estranhe que este fenómeno que ataca os partidos da social-democracia seja identificado como implosão. Retomando o caso francês, há muito que o ex-primeiro ministro Manuel Valls, conhecido pelas suas actuações xenófobas e anti refugiados idênticas às de Marine Le Pen, vem defendendo a transformação do Partido Socialista numa outra entidade e com outro nome.

Muito mais claro ainda foi o presidente cessante François Hollande, que em 2015 falava assim do Partido Socialista que o elegeu: «É preciso um acto de liquidação. É preciso um hara-kiri. É preciso liquidar o PS para criar o Partido do Progresso».

Se bem o pensou, melhor o fez, dir-se-á ao observar a situação do PS nas presentes eleições. Depois de preparado o terreno através da artimanha das primárias partidárias, uma ficção de democracia para descaracterizar e subverter a democracia, o processo culminou numa aberração que liquida, de facto, o Partido Socialista: foi escolhido um candidato que não chegou aos dez por cento, enquanto os barões do partido, entre eles o presidente Hollande e o ex-primeiro ministro Manuel Valls, fizeram campanha pelo candidato de outro partido que mal viu a luz do dia: Emmanuel Macron.

Aí está En Marche, criado em laboratório com sotaque norte-americano para fazer eleger um presidente de aviário, numa campanha onde o debate de ideias e de programas foi suprimido, substituído pelo duelo entre retratos de Photoshop animado pelo marketing de detergentes, num ambiente de medo suscitado pela combinação do terrorismo com o estado de excepção."

Anónimo disse...

"A tarefa será entregue a Emmanuel Macron, o candidato anti-sistema apresentado pelo próprio sistema, o eleito de Hollande, Valls, Juppé, Juncker, Merkel, Schulz, Sarkozy, Fabius, Fillon, Strauss-Khan, Lagarde, Schauble, Hillary Clinton, Obama, da NATO, da União Europeia, de Israel. Macron, o candidato da Fundação Rockfeller, dos banqueiros Rotschild, promovido de jovem dirigente da French-American Foundation para o staff de Sarkozy no Eliseu, e depois para ministro da Economia de Valls e Hollande, após o tradicional tirocínio conspirativo no conclave de 2014 do Grupo de Bilderberg.

Como ministro da Economia, Emmanuel Macron fez aprovar um novo pacote laboral persecutório e austeritário, através das condições autoritárias proporcionadas pelo estado de excepção que dura há mais de um ano e meio e sob o qual – que não se perca tal aberração de vista – se realizam as eleições presidenciais. Esse pacote laboral reproduz as exigências da comunidade dos grandes patrões franceses, os senhores do CAC 40 da Bolsa de Paris, os quais frequentaram os jantares da campanha de Macron na companhia dos dirigentes dos grupos de comunicação que possuem os principais jornais, rádios e televisões do país.

Nenhuma destas personalidades e entidades manifestou, em caso algum, inquietação com a xenofobia e o racismo praticados pelo governo de que Macron foi membro, sob a cobertura do estado de excepção, a pretexto do terrorismo e da crise dos refugiados. Condições e situações que, tudo o indica, prosseguirão com a «revolução em marcha» de Macron.

Por ora observamos a camada governante francesa repudiar o nacionalismo, a gestão do capitalismo neoliberal, o racismo e a xenofobia de Marine Le Pen enquanto apoia o neoliberalismo selvagem, o racismo e a xenofobia de Emmanuel Macron, afinal uma prática de fascismo em versão maquilhada num sistema esvaziado de democracia, gerido por um presidente produzido e formatado em laboratório.

Eis a escolha deixada aos franceses, tal como a apresentada aos norte-americanos; e que ameaça tornar-se a panaceia da época para valer ao estado de crise do capitalismo".

José Goulão

Anónimo disse...

Os berros de Jaime Santos têm algo de incomodativo.

São berros apenas. E ilidem o essencial.. A pergunta coloca-se. Hamon ( o PS francês e os seus comparsas) preferiram ir a votos e assim permitir a ida de Madame le Pen à segunda volta.
Preferiram a extrema-direita? Preferiram uma reacionária de Extrema-Direita, xenófoba, revisionista e rodeada de colaboradores negacionistas e chefe de um partido racista e anti-semita.
A escolha parece fácil assim ao Jaime Santos depois de terem criado condições para colocarem lá le Pen. Pelo que não venha JS com o discurso pró-europeu, pró-merkel, pró-chantagem dum Macron que se for eleito conduzirá Le Pen a eleição dentro de cinco anos. Francamente, não há pachorra!

Anónimo disse...

Parece que alguém, ontem ou noutro dia qualquer, tanto faz, fazia uma comparação com os tementes da chuva que se atiram à água.

Cada qual faz as leituras que quiser sobre os ditos que se propalam. Esta imagem da chuva e da água é apesar de tudo útil para muito claramente dizer que se há tipos que nos querem atirar à água, temos todo o direito de o negar. Mesmo que nos queiram impingir a treta que não passa de chuva, o direito à recusa de se ser levado pela enxurrada existe.

Pede-se todavia ao caro Jaime Santos que abandone essas posições um pouco histéricas mas sobretudo revisionistas sobre o passado. As leituras também variam de acordo com o que se pretende. Em vez de falar abusivamente neste caso concreto sobre hitler e os seus pactos, poderia ir à história e encontrar algo muito mais semelhante com os dias de hoje. Em França precisamente. E ver o que alguns diziam do regime de Vichy e de Petain, defendendo a solução dos traidores, porque esta era melhor do que o nazismo puro.

Como se sabe, foi o que se viu. E Vichy comportou-se para como os franceses duma forma ainda pior do que os ocupantes alemães. Encheram-lhes os vagões com patriotas, judeus, resistentes e comunistas. E foi o que se viu.

Anónimo disse...

E serenamente repetir aqui a parte final dum excelente texto de Manuel Loff, aqui já postado no LdB:

"Mais de sete milhões de franceses votaram Mélenchon, o dobro de há cinco anos. Os seus 20% reconstituem o antigo espaço eleitoral que o PCF mobilizava até há 35 anos, um bloco popular que venceu a extrema-direita e Macron nos bairros populares da região parisiense, em Marselha, em Toulouse, em Lille, no coração que ainda bate da França trabalhadora que Hollande e Sarkozy quiseram fazer parar e que, ao contrário de Macron, é limpidamente anti-racista e antifascista. Muitos deles, "la mort dans l'âme", votarão Macron contra Le Pen. Que muitos deles não estejam disponíveis para um banqueiro que lhes propõe pior que Hollande é um puro ato de autodeterminação democrática".

Agora cabe aos franceses decidir. E aos democratas prepararem a resistência a todo o custo, porque a besta negra está de volta. Tenha o nickname que tiver.


Anónimo disse...

A esquerda e a sua pretensa superioridade moral só têm trazido desastres aos povos da Europa (UE).
Le Pen por muito que custe a muita gente está mais próxima do extinto PCF, aliás em quase tudo, se não em tudo Le Pen é uma das ultimas hipoteses para as povos e nações da Europa contra os falsos liberalismos do falsa direita e centro que nos trouxeram Holande, Vals, Sarkozy e agora nos querem vender Macron e depois quiça Sçulz.
A esquerda europeia tem de arrepiar caminho e fazer como em Portugal, dar o braço a torcer e perceber definitivamente que já se foi longe demais em tudo.

PS - A França vive em estado de emergência há mais de um ano, imposto por um governo de esquerda (?), os franceses estão a colher os frutos que as suas oligarquias semearam...
PS 2 - Corbin vai perder por muitos por se "recusar" a aceitar a realidade de que a UE nunca serviu os interesses dos povos europeus...