domingo, 24 de novembro de 2013

Duas décadas de propinas no ensino superior



«Faz esta semana 20 anos que alguns de nós levaram a maior carga de pancada das suas vidas. E isto porque defendiam o preceito de que o financiamento da educação deve ser assumido pelo Estado em todos os graus de ensino. O mandante da carga policial, de nome Dias Loureiro, umas semanas antes tinha dado uma entrevista ao Expresso em que defendia o lento mas firme desmantelamento do Estado Social, e as propinas e o ensino superior iriam ser apenas a primeira etapa. Sabe-se hoje o que esse senhor realmente queria e, mais do que isso, sabe-se também o que andou a fazer nos empregos por onde passou. E o Estado, todos nós, a pagar a factura de "ter vivido acima das nossas possibilidades". É importante relembrar hoje esse episódio (...) porque se deve partilhar que o que defendíamos e dizíamos há vinte anos continua actual e manifesta-se hoje em trágicas consequências. A cada dia que passa mais estudantes são obrigados a interromper ou a nem sequer iniciar os seus estudos superiores dado ao estrangulamento que as propinas provocam. (...) A cada dia que passa uma geração perde os seus sonhos, o seu futuro. A cada dia que passa o país empobrece.»

Nuno Bio, «Propinas - Há 22 anos a estragar a sociedade»

A geração de estudantes do ensino superior público do início dos anos noventa soube intuir, com grande clareza, que o que estava verdadeiramente em causa nessa altura, com a introdução das propinas, ia muito para lá do então propalado "contributo dos estudantes para o reforço da acção social e melhoria da qualidade do ensino". De facto, a desconfiança dos alunos perante a salvaguarda oficial de que as respectivas receitas jamais serviriam para substituir as transferências do Orçamento de Estado viria a confirmar-se plenamente, nos termos de um hábil processo de «inconstitucionalidade progressiva». Do que se tratava era apenas de dar o primeiro golpe, o golpe essencial e decisivo para se poder levar a cabo o plano de desinvestimento e mercantilização do ensino superior, cuidadosamente preparado e sistematicamente aprofundado, de cada vez que a direita regressou ao poder.

Hoje percebemos que o ensino superior possa ter sido encarado como um dos mais promissores laboratórios de experimentação das estratégias neoliberais de erosão e desmantelamento do Estado Social. Em duas décadas, a fronteira supostamente intransponível foi de facto, sem que quase se tenha dado por isso, manifestamente violada: o Estado já deixou de garantir que nenhum aluno ficasse impedido de frequentar o ensino superior por razões de carência económica e o preceito público da igualdade de oportunidades, "no acesso aos mais elevados níveis de instrução", já não passa hoje de uma miragem: Portugal tem, actualmente, valores de propinas que se encontram entre os mais elevados da Europa.

Nada disto teria sido possível sem uma ardilosa narrativa, engendrada para convencer, passo a passo, a opinião pública quanto à justeza das medidas que iam sendo adoptadas. Começa-se por apresentar a introdução das propinas com o já referido "contributo dos estudantes para a melhoria do ensino e reforço da acção social" e prossegue-se, entre outros, com o argumento da "dinamização das instituições de ensino superior" através do "estímulo à obtenção de receitas próprias" (desencadeado, para esse efeito, pela redução progressiva das transferências do OE). E em tempos de desbragado «ir ao pote», não deveremos esperar que as coisas fiquem por aqui. As agendas estão em cima da mesa e os interesses manifestam-se nos «oráculos do costume»: ou não fossem a Fundação Pingo Doce e o excelso Dr. António Barreto a patrocinar, neste âmbito, uma das maiores e mais oportunistas fraudes científicas da nossa história recente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ao ver este video não pude deixar de comparar a combatividade destes estudantes com uma manif recente, também de estudantes,em que frente à AR há um estudante que sobe as escadas, é agarrado pela polícia e cá em baixo os outros limitam-se a assobiar. Muito deprimente. Tão novinhos e já tão velhos.