1. Pelo segundo ano consecutivo, o Ministério da Educação disponibilizou - a par dos resultados dos exames que permitem elaborar rankings de escolas - indicadores de caracterização do contexto socioeconómico dos alunos (profissões e habilitações escolares dos pais e recurso à Acção Social Escolar). E também pelo segundo ano consecutivo, o Ministério da Educação recusou-se a disponibilizar estes mesmos dados para os estabelecimentos do ensino privado. De facto, nem sequer no caso dos colégios e escolas particulares que beneficiam de apoio estatal o acesso a estes elementos de caracterização de contexto foi assegurado pelo ministro Nuno Crato.
2. Como se explica esta duplicidade de critérios e a sonegação deliberada de informação? O que temem Nuno Crato e os interesses que o ministro representa? Se é por mérito próprio - e não pela selectividade social que resulta da liberdade de poderem escolher os seus alunos - que os colégios e as escolas privadas tendem a obter melhores resultados nos rankings, porque razão se fecham a sete-chaves os dados de caracterização socioeconómica de quem os frequenta? A resposta a estas questões torna-se por demais evidente: no dia em que for divulgada informação sobre as origens sociais dos alunos dos colégios e escolas particulares, sobretudo das que obtém melhor posicionamento nos rankings, desfaz-se o mito da supremacia intrínseca do ensino privado. Isto é, no dia em que se tornar possível aceder a estes dados, os idiotas úteis ao serviço do uso fraudulento dos rankings serão obrigados a abdicar da ligeireza com que hoje os analisam e enaltecem. Aliás, enquanto não lhes fosse dado acesso à mesma informação de que hoje já dispõem para as escolas públicas, os órgãos de comunicação social que se dedicam anualmente a estabelecer as ordenações de escolas deveriam recusar-se a incluir os privados nesse exercício.
3. Mas esta duplicidade de critérios na gestão da informação revela também, com particular eloquência, os termos em está a ser concretizado o reforço inaudito do «Estado paralelo» a que Pedro Adão e Silva se referiu recentemente, a propósito do guião de Paulo Portas. A criação de novos mercados, que parasitam o Orçamento de Estado através da contratualização de serviços públicos com privados, padece deliberadamente de um mal que não é sequer novo: a mais que escassa «transparência e ausência de regulação e escrutínio». De facto, para os ideólogos do «ir ao pote», os privados são bons quando se trata de os considerar como parte integrante dos sistemas de política social pública. Mas ficam dispensados, na hora da prestação de contas, do rigor e do escrutínio, das mesmas obrigações a que se submetem os organismos públicos. Até um dia, em que talvez venhamos finalmente a perceber onde estavam as verdadeiras gorduras do Estado e o quanto elas nos custaram em ineficiência, em desigualdade e no desvio, para bolsos privados, do dinheiro de todos nós.
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12 comentários:
Bom dia.
Caro Nuno, o acesso a esses documentos poderá ser requerido formalmente e, caso a resposta (a havê-la) seja engativa, poderá solicitar a intervenção da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, de acordo com a Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto.
Já agora, obrigado pelo serviço público que os Ladrões prestam à comunidade de todos aqueles que se querem manter informados; desde logo aqueles que sendo jurists, como eu, tem dificuldades para entender mis profundamente o fenómeno económico :)
Cumprimentos
Vasco
O problema é que os dados de contexto socioeconomico, no privado, pura e simplesmente não são recolhidos... uma mudança legislativa que obrigue à disponibilização dessa informação seria fundamental...
Eu perguntaria, com que direito é que o Estado pode obrigar uma escola privada (que não seja financiada pelo Estado) a divulgar publicamente o estatuto social de quem a frequenta? Que obrigação tem a escola privada de recolher fidedignamente esses dados e de os transmitir fidedignamente ao Estado, se sabe que eles vão ser divulgados aos quatro ventos?
Eu acho muito bem que o Estado divulgue esses dados socioeconómicos para as escolas privadas que têm contratos de associação. Para as outras, não tem tal direito (sem autorização da escola).
Luís, porquê? Se os dados do ensino público são escrutinados, porque razão não haveríamos nós de ter dados de contexto socioeconomico das escolas privadas? Anonimato? Confidencialidade? Tudo isso é possível de manter, apenas é desejado um retrato social dos estabelecimentos privados... até que nem precisariam de ser dados individuais, mas sim globais da escola...
Que medos trazem? Invasão do estado na esfera privada? É uma não questão, porque se queremos rankings, se queremos avaliar o nosso sistema educativo no seu todo, é imperativo que esses dados sejam recolhidos, porque uma análise manca porque não temos dados de uma fonte importante, então os estudos sobre educação em Portugal hão-de sempre pecar por analisarem apenas e somente o público...
Para começar pedia apenas dois indicadores, habilitações dos pais e condição perante o trabalho...
Concordo com o que o Luís Lavoura disse. No entanto mediante a nao divulgaçao desses dados essas escolas nao deveriam constar de nenhuma listagem, para a qual esses dados fossem relevantes. E neste caso é!
O Daniel Oliveira no seu blog do Expresso apresenta uma forma interessante de se verificar o impacto do contexto da escola nas médias escolhidas.
Diz ele a dada altura qu:
Dou sempre um bom exemplo, que ajuda a compreender algumas coisas: o colégio São João de Brito fica em primeiro, ou muito próximo disso, em quase todos os rankings anuais. Mas este não é o único colégio da Companhia de Jesus. Outros dois, com o mesmo proprietário, têm o mesmo projeto educativo, a mesma exigência e os mesmos métodos pedagógicos: o Instituto Nun'Álvares, em Santo Tirso, e o Colégio da Imaculada Conceição, em Cernache, Coimbra. Os dois têm uma diferença em relação ao São João de Brito: têm contratos de associação e recebem, gratuitamente (pago pelo Estado) os mesmos alunos que qualquer escola sem possibilidade de seleção receberia.
O Instituto Nun'Álvares está 505º, 300º, 549º e 126º do ranking nacional, conforme os anos em causa. Se contarmos apenas com as escolas de Santo Tirso, o Instituto é, no 4º ano, o 5º classificado (o 1º é a famosa e alternativa Escola Básica da Ponte, que, em termos pedagógicos, representa tudo o que Crato abomina); no 6º está em 4º, no 9º está em 7º e só no 11º/12º é que é o primeiro de quatro escolas. O Colégio da Imaculada Conceição, em Coimbra, está em 193º, 191º e 166º do ranking nacional, conforme o ano em causa. Se ficarmos só pelo concelho de Coimbra, está, no 6º ano, em 13º, atrás de seis escolas públicas, no 9º, também em 13º, atrás de oito escolas públicas, e no 11º/12º, em 9º, atrás de seis escolas públicas. (Para confirmar em http://expresso.sapo.pt/antespelocontrario?mid1=ex.menus/23&m2=503)
Quer dizer, a verificar-se isto, até nem é preciso ter acesso a documentos, a simples listagem de médias faz o trabalho.
Anónimo,
não se trata de proteger (a privacidade d)os alunos, trata-se de proteger a escola, a qual não tem interesse em ser vista como uma escola elitista e, portanto, não quer que tais dados sejam divulgados.
E a escola tem todo o direito de não querer tal coisa.
Uma escola privada é, ao fim e ao cabo, como qualquer empresa privada. Tem o direito de manter a sua imagem e de não estar a fornecer ao Estado o perfil sociológico dos seus clientes, ou de não permitir que o Estado divulgue isso.
Luís, uma escola não é uma empresa, tão simples como isso. Se a vê como tal, tenho pena mas está errado...
A educação é uma instituição basilar na sociedade, e demasiado importante para que tenha o tratamento que lhe está a querer dar.
Portanto, se queremos indices de comparibilidade/eficácia/enficiência/whatever (exactamente para se poder avaliar), há que ter os dados do todo e não de uma parte.
E recordo Luís, veja os estudos internacionais do PISA, TALIS, TIMMS, entre outros... existem lá centenas de indicadores sociais recolhidos também em privados...
É isto que me irrita nestes liberais de merda. Tudo para eles é um negócio. Se o preço das mães estivesse em alta, o Luís lavoura já tinha vendido a dele.
Face ao comentário de que se trata de proteger a escola, deixo de poder concordar com o Luís.
Enquanto a ideia era proteger quem a frequenta, com maior ou menor esforço da sua parte, entao conseguia compreender. A partir do momento em que se passa a falar apenas de um lavar de face nao consigo concordar.
Uma escola que nao quer ser elitista, no sentido depreciativo do termo, tem bom remédio, nao o seja. O que nao pode fazer é querer camuflar a coisa e comparar-se com quem nao tem a liberdade de poder escolher os seus alunos.
Os rankings do Público tinham uma coluna interessante que referia "média esperada com base no contexto social" (ou algo parecido). Nenhuma escola privada, repito nenhuma, nem as que sao pagas pelo dinheiro de todos nós, tinha um valor neste campo.
Quanto às escola públicas, entre as que tiveram médias positivas (133º lugar do ranking geral apenas do secundário, se alguém quiser fazer o mesmo exercício para os outros anos, faça o favor) todas tiveram resultados acima do que o Público publicou como sendo "o valor esperado". Repito, todas, algumas conseguindo superar este valor em 3 pontos.
Nao é intelectualmente honesto colocar estas escolas ao lado de quem se recusa, por motivos cosméticos, a fornecer dados que permitam avaliar este termo de comparaçao. Eu nao sei se uma escola é boa ou má pelos resultados que tem, sei-o quando comparo com os resultados que se espera que tenha. Uma escola que consegue que os seus alunos tenha um desempenho superior em 3 valores ao esperado é uma boa escola esteja em primeiro, ou esteja em último de uma listagem.
Se a linguagem que se percebe é a do dinheiro, o que se chama em economês a um gestor que consegue resultados 33% acima do esperado? Um falhado? Um esbanjador?
As escolas privadas não são as responsáveis pela publicação e publicitação que se faz dos rankings, nem pelo uso comparativo que deles é feito.
O facto de o Estado decidir, por sua alta recreação, elaborar rankings e publicá-los, não pode servir de justificativo para ir exigir às escolas privadas que divulguem informação que não lhes interessa divulgar.
O Estado não tem o direito de se pôr a divulgar o estatuto socioeconómico de quem frequenta uma qualquer escola, tal como não tem o direito de divulgar isso em relação a quem come num determinado restaurante, aos clientes de um determiando dentista, ou a quem usa uma determinada rede de telemóveis, ou seja o que fôr.
O Estado pode fazer os rankings que quiser à sua vontade, mas não pode ir exigir a empresas privadas que divulguem que tipo de pessoas as utiliza.
Seria interessante fazer-se um estudo que até podia ser por amostragem entre, por exemplo, as cem ou duzentas escolas com melhor classificação que classificasse as médias dos alunos pelos seguintes parâmetros, alunos no privado e no público cujos pais tenham ambos:
-pelo menos licenciatura;
-no máximo o 9º ano de escolaridade;
-outros.
Uma estatística destas seria muito importante para se fazer uma análise mais correcta dos rankings.
O curioso é que ninguém a faz ou parece querer fazê-lo.
Caro Luís Lavoura, alguns esclarecimentos:
- O Estado não elabora rankings de escolas. Apenas disponibiliza as bases com a informação que os permite elaborar a órgãos da comunicação social;
- A informação que é disponibilizada respeita a resultados de exames e, pelo segundo ano consecutivo, dados de contexto relativos às escolas públicas (sendo esta informação deliberadamente omissa no que diz respeito às escolas privadas, e mesmo nos casos de escolas que recebem financiamento p+ublico);
- Os dados de contexto dizem respeito às escolas, não aos alunos. Isto é, resumem-se a médias de valores obtidas por escola, pelo que não vale a pena continuar a tentar colocar a discussão no plano da divulgação de dados pessoais - coisa que aliás seria tão grave nas escolas públicas como privadas (e muito me espanta que a sua indignação apenas recaia sobre os privados);
- A questão essencial é mesmo a da «falta de interesse» das escolas privadas em que se conheça melhor o perfil dos alunos que as frequentam, pelas razões mais que óbvias. Para além da inaceitável duplicidade de critérios, ao pactuar com este «desinteresse», o Ministro está a fazer uma coisa muito simples: ajudar a manter o oportuno mito da supremacia das escolas privadas, como se os melhores resultados que estas tendencialmente obtém em exames resultasse do seu desempenho e não da faculdade de poderem seleccionar os seus alunos. Isto é, ao recusar a disponibilização de dados de contexto das escolas privadas, Nuno Crato opta por pactuar com uma fraude com consequências ao nível das percepções que as famílias e a sociedade em geral têm da escola pública e do sistema privado de ensino.
Recoloco pois a interrogação de fundo do post e que já foi aqui sublinhada também por outros leitores: se são assim tão melhores que as públicas, porque temem as escolas privadas que se conheça o perfil dos alunos que as frequentam?
A resposta parece-me clara: para impedir que - ao ser possível fazer análises como a que o leitor Álvaro aqui propõe - não caia por terra o mito da sua supremacia, e que precisam - como de pão para a boca - se mantenha na opinião pública.
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