sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Leituras


«A estratégia do governo é clara, sobreviver até ao final de Junho de 2014 para poder proclamar a "libertação" de Portugal. Pouco importa que a austeridade continue a ser imposta ao nosso país ou que nos venhamos a encontrar no final do primeiro semestre de 2014 pior do que estávamos no início do programa de assistência financeira em Junho de 2011. (...) Ninguém acredita nas projecções macroeconómicas, nem no cumprimento das metas orçamentais estabelecidas. (...) É por isso que o governo amplifica alguns sinais positivos e abafa os negativos. (...) Os últimos dados do Eurostat sobre o comércio a retalho na União Europeia mostram-nos que a queda em Portugal foi a segunda maior em termos homólogos (-2,2%) e a maior em cadeia (-6,2%). (...) Também no que ao investimento estrangeiro em Portugal diz respeito as notícias não são nada animadoras. Aliás, pela primeira vez desde o início da série (1995) o investimento estrangeiro líquido será negativo. (...) Estes dados recomendariam prudência e cautela ao governo mas isso pouco importa quando o objectivo é apenas sobreviver politicamente no presente.»

Pedro Nuno Santos, Sinais

«Uma profunda mudança estrutural da economia portuguesa? Devem estar bêbados. O exemplo da Irlanda? O volume das exportações irlandesas cresceu 7,5% - é verdade - nos anos do programa. Teve um superavit nos últimos 4 anos, verdade. Mas, o PIB caiu 8,5%. Eis o sucesso. (...) Não tivessem os celtas imposto a resolução das promissórias a seu contento (transformando-as em dívida de muito longo prazo) e hoje estariam a penar a mendigar um "cautelar" e a levar com mais "condicionalidades" do Óllio de Rhena e do rapaz holandês dos óculos. Não tivessem mantido o truque do IRC e a capacidade reexportadora e de emissão de facturas teria ido ao ar. Foi isso que perceberam os investidores internacionais na dívida (pedem 3,5% para transaccionar os títulos a 10 anos). Sim, sim, foi mesmo por causa das "reformas" da austeridade. Acreditem na Virgem.»

Jorge Nascimento Rodrigues (via facebook)

«Durão Barroso garante que não ameaçou ninguém, limitou-se a informar o TC das "implicações de determinadas decisões" e a dizer que, se as medidas constantes do Orçamento de Estado para 2014 forem chumbadas, terão de ser substituidas por outras, "provavelmente mais gravosas". Como é evidente, não estamos perante uma ameaça, mas apenas perante uma advertência de um Durão Barroso, que (...) nos oferece, generosamente, uma reinterpretação (...) da Constituição da República Portuguesa: a validade das leis em Portugal não depende da sua conformidade com a Constituição, mas da sua conformidade com as conveniências da Troika e do governo português em funções.. (...) A Comissão Europeia de Durão Barroso não se comporta como a guardiã de Tratados que respeitam a igualdade entre Estados e que tem como um dos seus pressupostos constitutivos a existência de um Estado de Direito Democrático em cada um dos seus Estados Membros. Faz, sim, o seu exacto oposto agindo contra (...) o espírito dos tratados e contribuí[n]do para criar uma comunidade de desiguais que é incompatível com qualquer ideia (aceitável) de Europa.»

João Galamba, Esta Europa contra nós

«Como a reestruturação da dívida grega em 2012 mostrou, uma dívida é sustentável até o lado credor decidir quando ela deixa de o ser: só quando o Norte da Europa estimou que um 'haircut' da dívida produzia estragos inferiores aos que um 'default' inicial provocaria no seu setor financeiro é que aceitou perdas para os seus bancos. No limite, uma dívida será "sustentável" enquanto o credor puder manipular o timing da solução e o devedor aceitar impôr ao seu povo os sacrifícios que julgar necessários para a pagar. Talvez seja uma questão de tempo até que a pergunta "como reestruturar a dívida?" mobilize todos os partidos. Resta saber qual o nível da devastação socioeconómica até lá (...) e como avaliar as consequências: seria aceitável trocar uma redução da dívida por uma perda punitiva de soberania? Talvez fique então à vista o trilema com que Portugal pode vir a confrontar-se: entre desenvolvimento económico, níveis mínimos de autonomia democrática e pertença à zona euro, poderemos ter dois destes elementos, mas não os três. Resta saber de qual abdicamos.»

Hugo Mendes, Elefante na sala

1 comentário:

Alvaro disse...

Galamba escreveu:

"A Comissão Europeia de Durão Barroso não se comporta como a guardiã de Tratados que respeitam a igualdade entre Estados e que tem como um dos seus pressupostos constitutivos a existência de um Estado de Direito Democrático em cada um dos seus Estados Membros."

O problema quer da Comissão, quer da Troika quer de grande parte dos políticos portugueses é simples, a Constituição e restante jurisprudência portuguesa sofre de contradições internas que levam a que é possível seguir logicamente raciocínios que conduzem a conclusões opostas.

E essas contradições têm origem em que os Tratados de Maastricht, Amesterdão, Nice e Lisboa que instituíram e aprofundaram a moeda única e outras cedências de soberania deveriam ter sido sujeitos à apreciação do Tribunal Constitucional pois são manifestamente inconstitucionais na medida em que mantêm obrigações ao Estado Português mas retirando os instrumentos necessários para as fazer cumprir.

A assinarem-se aqueles Tratados deveria ter-se previamente alterado a Constituição limitando os poderes democráticos do povo português e sujeitando estes poderes a instâncias supranacionais. Por exemplo, a Constituição deveria estipular que o Orçamento do Estado tem de ser aprovado pelo Parlamento e pela Comissão Europeia tendo esta última poder de veto sobre as decisões do Parlamento.

Isto não foi feito e ignoraram-se muitos dos avisos contra os perigos da moeda única desde Cadilhe e Ferreira do Amaral até Álvaro Cunhal.

É que se isto tivesse sido feito, a Constituição alterada e, já agora, sujeita a referendo, tinha-se que o povo português tinha consciência e tinha aprovado que já não iria viver num regime democrático e as discussões actuais não tinham razão de ser.

Mas, na época quem é que teria tido a coragem de dizer e apoiar que a adesão à moeda única era o fim da democracia como a entendemos?