quinta-feira, 10 de maio de 2012

A realidade é que falha, não a teoria


De acordo com um estudo recente do Observatório das Desigualdades, é cada vez maior a percentagem de desempregados que não beneficia de nenhum tipo de subsídio de desemprego. De facto, em apenas dois anos, o número de desempregados com acesso a esta prestação diminuiu de 64% para 54%, o que significa que quase metade não dispõe hoje de qualquer apoio. No mesmo período, o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção foi reduzido cerca de 20% (430 mil para 340 mil), em resultado das restrições sucessivas que foram sendo introduzidas nesta prestação. Tudo isto enquanto o desemprego galopou para níveis históricos (de 10,6% em Março de 2010 para os 14,0% registados em Dezembro de 2011) e se apertou vigorosamente a tripla tenaz da austeridade (aumento de impostos, corte nos salários e contracção do Estado social).

O objectivo político desta estratégia é claro: constituir um volumoso exército de mão-de-obra completamente desprotegida, capaz de pressionar eficazmente o mercado de trabalho e assim comprimir os salários, aumentando por essa via os níveis de produtividade e competitividade da economia portuguesa. É este o modelo em que Vítor Gaspar e Santos Pereira religiosamente acreditam e é com ele que o governo espera relançar a economia e ultrapassar a crise. Não lhes ocorre, evidentemente, que a procura e o consumo interno são factores cruciais e que deles depende, de forma decisiva, a sobrevivência de um tecido empresarial que é composto essencialmente por pequenas e médias empresas e que se vai esboroando às mãos da via austeritária, gerando um desemprego cada vez maior e a consequente perda de receitas fiscais e aumento de despesas (que comprometem, em última instância, o próprio cumprimento do memorando assinado com a troika).(*)

Mas a estratégia de empobrecimento subjacente a esta doutrina constitui, além do mais, um fracasso anunciado: não só Portugal tem já dos mais baixos salários da União Europeia como não seremos, duradouramente, capazes de competir com as economias emergentes (nem com a compressão salarial a que estão a ser igualmente sujeitos países mais próximos). Nada que trave, porém, as convicções dos ministros da Economia e Finanças, que nos garantiram – respectivamente – que 2012 «marcaria o fim da crise», depois do famoso «ponto de viragem», que deveria ter ocorrido há cerca de quatro meses atrás.

(*) A surpresa de Vítor Gaspar e do Secretário de Estado do Orçamento, Luís Morais Sarmento, perante o «inesperado» comportamento do desemprego, só se explica pela incapacidade que revelam em questionar a doutrina que os cega. Tal como também só desse modo é possível entender que continuem a insistir na tecla da «rigidez» do mercado de trabalho, por mais pressionada que esta já tenha sido.

5 comentários:

José M. Sousa disse...

Dezembro de 2011

Nuno Serra disse...

Obrigado pelo reparo, José M. Sousa. Já corrigi a data.

Amílcar Moreira disse...

Pena é que o autor do post nem a teoria saiba... Segundo Nuno Serra "O objectivo (...) é claro: constituir um volumoso exército de mão-de-obra completamente desprotegida, capaz de pressionar eficazmente o mercado de trabalho e assim comprimir os salários, aumentando por essa via os níveis de produtividade e competitividade da economia portuguesa". A compressão dos salários baixa o custo do trabalho, com efeitos sobre a competitividade, mas não sobre a produtividade... a haver um efeito na produtividade é o se conseguissemos produzir o mesmo com menos pessoas empregadas...

Nuno Serra disse...

Caro Amílcar Moreira,
Tem razão num aspecto: a compressão dos salários, por si só, não produz efeitos directos na produtividade (como o post pode de facto sugerir).
Mas não menospreze a pressão do desemprego na flexibilização das condições de trabalho (como o aumento de horas semanais por trabalhador ou formas de flexibilização de horário que permitem aumentar a produção com o mesmo contigente de mão-de-obra).
Dou-lhe um exemplo talvez pouco usual nesta discussão: olhe para as escolas e veja os efeitos da drástica redução do número de professores (face a um contigente idêntico de alunos) e a pressão a que os mesmos são sujeitos para aceitar um número mais elevado de turmas, com mais alunos, e para acumular actividades complementares (com a ameaça de perderem os lugares, se a sua situação contratual o permitir).
Isto para não falar da prodigiosa medida de supressão de pontes e feriados, essa linha de intervenção estrutural, que vai intervir decisivamente na produtividade, não é?

Anónimo disse...

Só resolvemos o problema da produtividade neste país, quando passarmos a produzir bens com alto acrescentado ou tecnologicamente relevantes e que tenham mercado com um volume de negócios global. Só que para isso, as políticas de depressão salarial não vão levar a nada(só aumentam ligeiramente a capacidade produtiva de uma industria débil) e tampouco as políticas de governos anteriores demasiado focados em betão e negócios de ocasião para os amigalhaços(i.e. energias e PPPs). Tem que se investir a sério e duramente em tecnologias de pontaq( e não estou a falar de passar de 1% do PIB, estou a falar a uma escala bem mais elevada e bem mais abragente do que os planozinhos para o Conhecimento etc)
Quanto à questão de redução de feriados e o seu impacto estrutural, se não fosse moralista e fosse apenas incompetência governativa, até se tolerava. Como vem com uma carga moral e ideológica às cavalitas, só me apetece dizer que se trata de uma linha cheia de idiotice suja.