sexta-feira, 11 de maio de 2012
As escolhas da Grécia
Os gregos votaram contra a austeridade que lhes foi imposta. Mas, ao que tudo indica, não votaram pela saída da zona euro. Será possível satisfazer a vontade dos gregos? É, se admitirmos que há uma alternativa à saída e à submissão, a desobediência. Albert Hirschman pode ser uma inspiração. Mas não me parece que, após novas eleições, as esquerdas da Grécia tenham inteligência e maturidade política para, com base nesta alternativa, constituir um governo de coligação.
No entanto, é esse o caminho defendido pelo economista Jacques Généreux, do Parti de Gauche, nesta entrevista de que traduzo um excerto:
Regards.fr : É preciso sair agora do euro?
Jacques Généreux : Tudo o que digo não parece possível no quadro europeu e um número importante de pessoas sérias defende a saída do euro. Há outras vias para além do nacionalismo, frequentemente neo-fascista, ou da abdicação frente ao neoliberalismo. Nós desejamos manter-nos no quadro europeu a partir do qual vieram contributos importantes em termos de ambiente, de segurança, de desenvolvimento económico, de progresso social, de bens públicos. Somos internacionalistas e portanto pelo reforço da cooperação entre os povos. Há uma via para fazer mudar as coisas na União Europeia: a subversão a partir de dentro. Permanecemos dentro e desobedecemos de maneira muito educada e diplomática: prevenimos os outros governos que, em conformidade com o mandato do povo francês, nós não vamos respeitar um certo número de tratados e de directivas europeias. Arriscamo-nos a medidas de retaliação? Não, existem muitas condições para entrar na União Europeia mas nenhuma para dela ser excluído. Se um único país decide retomar em parte o controlo do seu banco central, se proíbe alguns produtos financeiros, e se retoma o controlo parcial dos movimentos de capitais, em síntese, se decide proteger-se da especulação, isso muda tudo para a França e para a Europa. Os países vizinhos verão que, sem sair do euro, sem drama, podemos proceder de outra forma para resolver a crise. Os gregos, os portugueses, os irlandeses deixarão de aceitar a austeridade e despedirão os actuais governos. A partir desse momento teremos uma revolução através do voto que desembocará numa verdadeira renegociação dos tratados europeus e das directivas.
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5 comentários:
Caro Jorge Bateira,
sinto-me reconfortado pela leitura do excerto da entrevista citada. Com efeito, na minha perspectiva, é urgente que a luta contra a troika e a ofensiva neoliberal contra as liberdades e direitos fundamentais tenha presente a necessidade de construir uma alternativa. Ou seja, como escrevi noutro lugar, tentando contribuir para o mesmo debate:
'As declarações do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, proclamando que a UE estão em condições de resistir a uma saída da Grécia da zona euro, revelam, na realidade, o temor que o ministro partilha com os seus pares e capatazes perante a perspectiva de uma rebelião grega que aposta em afirmar-se e alargar-se como parada política maior a nível europeu. O que prova, uma vez mais, que a "ruptura da Grécia dacom a zona euro" poderá ser, neste momento, como escrevi há dias, a alternativa que, perante a insubmissão popular, mais convém ao establishment neoliberal da UE, e que aquilo que mais incomoda os seus interesses e ameaça a sua hegemonia "não é que a Grécia possa abandonar a zona euro, regressar ao dracma, proclamar tão formal e solenemente como em vão, a reconquista da 'independência nacional' e da 'soberania plena'; é, sim, o número crescente daqueles que, na Grécia, querem a UE e o euro, ao mesmo tempo que exigem tanto a renegociação da dívida e das condições impostas ao país pela troika como a transformação das regras do jogo do establishment da União, e, na realidade, a redefinição das normas de funcionamento que lhe servem de constituição'.
(Cf. http://viasfacto.blogspot.pt/2012/05/licao-de-grego-2.html)
Abraço
msp
Caro Jorge
A sugestão do Hirschman é interessante, mas receio que aponte para a conclusão oposta à defendida pelo Généreux. É verdade que, se a “UE” tivesse uma arquitectura institucional virada para a incorporação do protesto sob forma de debate político reportando-se ao “interesse geral” europeu, à vontade de cada um dos povos europeus e, mais do que isso, do próprio “povo europeu”… bom, nesse caso o caminho normal seria o do protesto, não o da secessão.
Mas isso, pura e simplesmente, não é verdade. Aliás, o espírito do próprio “projecto europeu”, pelo menos desde Mastricht, aponta no sentido exactamente oposto: trata-se de esvaziar a soberania popular na instância em que ela é exercida, o estado-nação, para o que serve precisamente a campanha denegrindo o “nacionalismo” e o “soberanismo” (como se não fossem ambos condições necessárias da própria democracia), pretensamente em nome dum “internacionalismo” na verdade profundamente equivocado, porque não há “inter-nacionalismo” sem haver nacionalismo, porque o pretenso internacionalismo anti-nacionalista é, de facto, mera ideologia imperial, neste caso “ideologia europeia”.
Uma coisa é todavia verdade: os efeitos de pertença à UEM são uma coisa na Grécia ou em Portugal, uma outra substancialmente diversa na França. Quanto é que o Mélenchon reclamava para salário mínimo dos franceses, ainda te lembras? Mil e muito… uma completa irrealidade pelos nosso padrões, claro, e aliás uma ilustração pateticamente involuntária de como a tal de “Europa” é de facto fundamentalmente uma não-entidade, pelo menos para aquilo em que poderia constituir uma vantagem. Pode perfeitamente ocorrer que seja importante do nosso ponto de vista sair da Eurolândia, mas isso não se aplique aos franceses. Longe de mim pretender convertê-los nessa matéria… ou vice-versa, claro.
Entre nós, porém, a França tem sempre um grande impacto no imaginário? Sem dúvida, mas neste caso ficarmos hipnotizados pelos franceses é mais uma forma de nos vermos superlativamente gregos… Ah, o caso grego é sem dúvida complexo, mas entre outras coisas ele permite destacar a componente de “aprendizagem colectiva” nos processos sociais. O Syriza que experimente pôr em prática o que defende: desobedecer à austeridade sem sair do Euro, e um dia destes tem cruamente, e à bruta, o problema de não haver dinheiro em caixa para pagar os ordenados no fim do mês: simple as that. Mas talvez o pessoal tenha de dar a volta por aí, sim, tal o peso dos preconceitos filo-europeístas.
Quanto a estas matérias, registemo-lo, nem a Grécia nem Portugal são a Argentina, claro. Aliás, segundo alguns nem mesmo a Argentina é a Argentina (cf. o Mark Weisbrot aqui, sff, a propósito dos crentes no fetichismo da soja: http://www.counterpunch.org/2012/05/08/argentina-and-the-magic-soybean/ )
Igualmente importante é o que diz o Stathis Kouvelakis quanto à Grécia, sobretudo a propósito do grau de integração/dependência das elites gregas relativamente à “EU”. Aqui:
http://www.newleftreview.org/?view=2924
“The example of Argentina is much discussed in Greece at present, with Fernando Solanas’s 2004 documentary Memoria del saqueo enjoying enormous popularity. There is certainly a political void in Greece into which a Kirchner figure could step, perhaps from the margins of the political system—especially if the left continues to be paralysed. And while it lacks the commodity-export base that fuelled Argentina’s economic revival, Greece possesses other advantages: a highly educated population, relatively good infrastructure, a strong tourist sector, its overall level of wealth. There are crucial differences, however, that make it very difficult to see this scenario being realized. Firstly, the extent to which the Greek ruling class is integrated, both politically and economically, into the European project. Secondly, the Greek debt crisis is an organic part of a wider crisis of the eurozone: events in Athens trigger immediate reactions from governments and stock markets elsewhere, to a far greater extent than did those in Buenos Aires.”
Caro João,
Como deves saber, no Parti de Gauche não há ilusões sobre a atitude da Alemanha e de outros países face às exigências de uma desobediência. Repara que se trata de nacionalizar a banca e de retirar o Banco de França do sistema europeu de bancos financiando o défice por emissão de euros em França.
Ou seja, esta proposta é parte de uma estratégia para obrigar os países falcões do ordoliberalismo a criar a sua moeda única enquanto a França, com quem a acompanhasse, transformariam o actual euro numa «moeda comum» para comércio externo a que ficariam ligadas as moedas nacionais, como descreve o Jacques Sapir.
Do ponto de vista político, esta formulação táctica facilita a tarefa de uma nova esquerda em Portugal, sobretudo tendo em conta a iliteracia dominante nesta matéria e o medo que gente de vários quadrantes políticos tem incutido na população.
Um abraço.
JB
Há uma coisa que a desobediência civil, preconizada por Jacques Généreux, não consegue resolver, caso a Grécia e Portugal continuem com a moeda única: a sua desvalorização. Só com uma moeda nacional adaptada ao nível das respetivas taxas de produtividade é que se consegue aumentar as exportações e diminuir as importações. E esta é uma necessidade estratégica para, rapidamente, ultrapassar a crise. É certo que se fica mais pobre, pois o valor real dos salários diminui, mas mais pobre se ficará se as duras políticas de austeridade, que estão a destruir a economia, persistirem.
Caro Alexandre,
Esclareço que a desobediência é o primeiro passo de um processo que rapidamente levará a um de dois caminhos: existe adesão de mais países e então há conversão do euro em moeda comum, com introdução de moedas nacionais no curto prazo; ou o país fica isolado e então tem de sair do euro rapidamente. Em ambos os casos haverá desvalorização.
Cumprimentos.
JB
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