No mesmo dia em que o «Prós e Contras» sugeria, implicitamente, que a discussão do desenvolvimento económico do país deixou de fazer sentido (apresentando a emigração e o empreendedorismo como saídas gloriosas para a crise), José Gil assumia, em dia de aniversário do jornal, as funções de director do Público.
Através de uma «sondagem imaginária», o filósofo propõe que, de algum modo, o verdadeiro país se encontra na resposta a um conjunto de perguntas que os sistemas estatísticos não fazem ou que dificilmente se consegue apurar através de informação disponível. Ou, ainda, na resposta a outras questões que é, simplesmente, impossível obter.
Parte dessas perguntas (por exemplo, «quantos portugueses não vão emigrar em 2012 por não terem coragem para o fazer?», «quantos políticos têm negócios em offshores?», «quantos pobres existem que não entram nos 1,8 milhões oficiais?») deveriam ter resposta, sobretudo nos dias que correm, de deliberado processo de empobrecimento social e regressão civilizacional. Outras (como a que pergunta se «gosta mais do que faz (de si) ou da imagem que os outros lhe reenviam de si?», ou «quantos deputados usaram informação secreta em benefício próprio?»), valem pela intenção, mas são, obviamente, irrespondíveis.
É verdade que o exercício de José Gil não se esgota nas questões sem resposta, incluindo outras que mobilizam dados coligidos pelo INE ou disponíveis noutras fontes. Mas o tom de fundo que baliza a ideia é o de que existe um Portugal desconhecido, submerso num mundo de informação. E que é no desconhecimento desse país (a ideia de «vazio das não-notícias», de «vazio do conhecimento que condiciona as políticas» – para citar o filósofo – ou a própria imagem escolhida para capa do jornal, reproduzida aqui ao lado) que assenta, de certo modo, o bloqueio e a incapacidade de mudança.(*)
E bastaria contudo a José Gil folhear a edição do jornal que dirigiu por um dia. Encontrar nas páginas 12 e 13 um esclarecedor artigo de João d’Espiney sobre o modo como as «parcerias privadas na saúde violaram a “boa gestão pública”». Avançar para a secção de Economia e ler o artigo de Ana Rita Faria, com informação muito relevante para situar o nosso país face à Irlanda e à Grécia, no fatídico barco da troika em que as três nações navegam. Ou chegar às páginas 48 e 50, para se informar sobre o crime patrimonial em curso, nos estranhos contornos da venda da Tobis. E terminar na última página, onde o artigo de Rui Tavares mostra, precisamente, que o modo como apresentamos as coisas diz muito sobre o que queremos (ou não) dizer acerca delas.
Não é preciso, de facto, andar à procura de um país subterrâneo, como se fosse nele que estivessem as respostas de que necessitamos. Elas encontram-se, bem visíveis, à superfície. A invocação, nos moldes escolhidos por José Gil, do «vazio» e do «desconhecimento», apenas resulta num perigoso abrir de portas à resignação, por mais que esse apelo se confunda com um grito de alerta. É, somente, uma outra forma de submersão, idêntica à que decorre de propor a emigração (que significa, nas actuais circunstâncias, renunciar a um país) e o empreendedorismo (que não é senão iludir um país), como panaceias mágicas para superar a crise.
(*) Não deixem de ler este post do André Barata sobre o ângulo que José Gil escolheu para dirigir o Público por um dia. Uma opção que sugere estarmos perante um avanço no seu pensamento: do «medo de existir» para uma certa ideia de «não existência».
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