sexta-feira, 2 de março de 2012

Temos que sair do Euro?



Jacques Sapir é um dos mais interessantes economistas heteredoxos da actualidade. Já aqui fizemos referência ao seu “Demondialisation”, onde recupera a ideia de um proteccionismo selectivo que permita um crescimento global equilibrado sem os extraordinários desequilíbrios macroeconómicos de que beneficiam apenas alguns países com enormes excedentes externos (China, Alemanha) e países deficitários com poder sobre os mercados financeiros internacionais (caso dos EUA). Isto, claro, apoiado por um Estado Estratego, progressista, que controle os fluxos financeiros e o sistema de crédito e promova uma estratégia de (re)industrialização.

Dado o seu realista cepticismo em relação à liberalização comercial e financeira, onde as assimetrias de poder entre Estados se avolumam, não surpreende que Sapir se tenha agora debruçado sobre a arquitectura monetária europeia e a sua necessária desconstrução. Sapir escreve para um público francês, num país moderadamente afectado pela actual crise. Um debate totalmente ausente em Portugal, onde a questão deveria colocar-se com outra premência.

O autor revisita criticamente as origens intelectuais do projecto da união monetária (sobretudo a teoria das zonas monetárias óptimas de Robert Mundel), as suas implicações políticas (um federalismo impossível no curto ou médio prazo) e confronta as promessas do euro com os seus 13 anos de vida. Conhecemos já esta parte da história: divergência entre as diferentes economias europeias, crescimento anémico comparado com o resto do mundo, falsa protecção contra a instabilidade financeira, como agora se vê nos países da periferia e, sobretudo, desemprego galopante. E, no entanto, observamos hoje um endurecimento das políticas que constrangem o crescimento, bem simbolizado no novo tratado europeu que ilegaliza a política orçamental.

A discussão sobre as alternativas ao nosso dispor é feito de forma bem clarividente. Jacques Sapir não ignora as soluções (neste blogue referidas como sendo “por cima”) para actual crise que passariam necessariamente por um orçamento europeu reforçado e redistributivo, pelo financiamento directodo BCE aos Estados ou pela emissão de euro-obrigações. No entanto, esperar que haja um acordo entre 27 Estados em situações económicas e políticas objectivamente muito diferentes no sentido de uma refundação da construção europeia é uma ilusão face à urgência de respostas para os países no centro da actual tempestade. A resposta alternativa é portanto a saída da moeda única. Uma saída certamente com custos, mas que para este economista deve ser analisada em contraponto ao nosso futuro neste ciclo vicioso de austeridade e recessão. Esta saída teria necessariamente de ser bem articulada com uma nova política económica, virada para a redistribuição do rendimento e para a reindustrialização das economias europeias, com mecanismos de coordenação monetária que substituam a actual cooperação monetária de que só alguns beneficiam.

Jacques Sapir é um economista próximo da Front de Gauche (coligação de esquerda que tem como seu candidato o ex-senador socialista Jean-Luc Melenchon). Não surpreende portanto que a posição desta frente eleitoral, não defendendo a saída imediata do euro como bandeira política, coloca vários cenários que vão desde a refundação europeia à desagregação do euro em caso de recusa da primeira por parte dos outros países, pensando em configurações intermédias como a de uma moeda única solidária só com alguns países. Esta vontade de debater e conseguir propostas sofisticadas, alternativas e populares devem servir de motivação para quem, como nós, convive com o desalento todos os dias.

Fica abaixo uma entrevista com o autor que vale a pena. Infelizmente, em francês e sem legendas.

4 comentários:

Tripalio disse...

oui, obviamente que teremos de sair do euro. São já demasiadas evidencias... e daqui a um ano isso será um quase consenso nacional. algo que só o PCP , e algumas vozes como Joao Ferreira do Amaral, alertou como altamente lesivo começa agora a ficar evidente. Teria vantagens no turismo ( mais atractivo), uma moeda nacional que poderia ser desvalorizada, teria problemas para as poupanças em especial daqueles que lidam com o estrangeiro ( grave desvalorização), mas permitia o inicio de uma recuperação... dificil certamente mas recuperação

Diogo disse...

Tudo isto poderia ser verdade se não existisse um oligopólio financeiro planetário que põe e dispõe da oferta e da procura de dinheiro – no fundo uma virtualidade que se cria e destrói à medida do freguês.

Pergunto-me se alguma vez esta rapaziada do «Ladrões de Bicicletas» teve positiva nas cadeiras de finanças – tais são os absurdos que aqui são ditos.

Tripalio disse...

De facto, onde andavam esses economistas com notas positivas ? Que nãop previram esta crise? Que a agravaram? A estudar a ladainha da austeridade salvadora nas universidades subsidiadas pelo estado, certo? Os absurdos aqui ditos neste blog serão inevitabildades ( palavra da moda) daqui a uns tempos... se estivermos por cá logo veremos!

João Carlos Graça disse...

Caro Nuno
Sim, claro que temos de de sair... como aliás explicam bem explicadinho uns tipos dum tal "Research on Money" e não sei o quê mais...
E, já agora, o importante mesmo é libertarmo-nos também daquela outra conversa da treta que diz: "sim, realmente não devíamos ter entrado, mas agora, como os custos de saída seriam muito grandes, é melhor mantermo-nos a todo o custo", etc.
Essa é a outra variedade de conversa criminosa que temos de aprender a deitar rapidamente para o lixo.
Se não...