quinta-feira, 22 de março de 2012

Notas de leitura para quem se aproxima do meio da ponte


Comecemos por Rui Peres Jorge no Negócios, por um termo de antologia para caracterizar o Estado como força da depressão – desestabilizadores automáticos – e pelos usos da poesia em economia política: “[H]á um toque de ironia trágica nos elogios de Olli Rehn ao sofrimento nacional para os quais pediu emprestadas palavras a Fernando Pessoa: ‘há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer’, disse. Resta saber se o comissário sabe que estas foram escritas ‘no fundo de uma depressão sem fundo’, ‘num daqueles dias em que nunca tive futuro’.”

Como reconhece discretamente o próprio FMI, oportunamente repescado por Octávio Teixeira, a desvalorização interna está condenado ao fracasso na Grécia. O FMI começa a abandonar o barco e a chegar à conclusão heterodoxa que o caminho argentino é que é (p. 49). Continuemos com Robert Skidelsky, em negligente tradução e sempre contra uma austeridade que esquece a história económica e das ideias económicas, algo que o principal biógrafo de Keynes conhece bem: “Se o objectivo deliberado é diminuir o PIB, o rácio da dívida face ao PIB irá crescer. A única forma de reduzir a dívida (sem ser através de um incumprimento) é colocar as economias a crescer.” Skidelsky mostra bem a irracionalidade da actual obsessão com a dívida, sobretudo em espaços com soberania monetária, onde Tesouro e Banco Central não estão separados (basta olhar para a evolução das taxas de juro da dívida soberana a dez anos em três países para se perceber que a chamada crise da dívida soberana é uma crise do euro que anulou precisamente a soberania). No euro, o incumprimento é uma inevitabilidade nos seus elos mais fracos: quem não tem moeda para pagar, não pagará mesmo.

De resto, Skidelsky avança com o espectro da revolução, um dos argumentos usados no passado por esta tradição para persuadir políticos relutantes em abandonar dogmas liberais. Já não funciona, claro, porque as elites sentem que controlam a situação e não têm, realmente, grandes razões para pensar o contrário. Na ausência de alternativas sistémicas com peso político, as forças da reforma perdem gás.

No actual contexto, Hollande, como aposta Luís Rego, pouco mais fará à escala europeia do que repetir as inocuidades de Jospin. A situação parece estar perigosamente trancada: “o essencial das políticas europeias estão fechadas à chave por dentro”. Julgo que para forçar uma reforma progressista na arquitectura do euro, que reinscreva a social-democracia a essa escala, é preciso estar disposto a acabar com esta experiência monetária, ou seja, é preciso não colocar de lado a possibilidade de sair, preparando a opinião pública para uma eventualidade que exige a mobilização de todos os instrumentos de política. E isto a social-democracia não está (ainda?) disposta a fazer em nenhum país. O resultado é a desesperança.

A reforma teria de começar por um BCE deixado à solta por uma social-democracia que aceitou, no momento “constitucional”, uma configuração do euro destinada a anulá-la. O poder monetário é usado para forçar a destruição do Estado social, ao mesmo tempo que se mantém a ideia de que a austeridade está a resultar, ocultando-se deliberadamente a única política, a de credor de último recurso dos bancos, que mantém os fios financeiros que sustentam o euro, como é bem sublinhado por João Galamba, que aproveita para reenquadrar o debate: “A única coisa que está a acontecer é uma reconfiguração do modo como esse Estado intervém na economia, não do seu poder”. Assim se revela a economia política da arquitectura do governo neoliberal europeu, o lastro dos terríveis anos noventa: só instituições protegidas do poder político democrático, de preferência numa escala superior, podem pôr em marcha as políticas que convêm ao capital financeiro.

5 comentários:

Ide levar no déficite ide disse...

em termos de analogia a europa é uma ponte romana ao estilo da ponte de lima

com uns troços similares à da Hintze Ribeiro e com uns políticos a puxarem à João Franco e outros à João Chagas

uns Sidónios abortados há 7 greves gerais atrás dizem umas coisas

e vamos para o fundo com a américa nos calcanhares e a ásia um pouco atrás...felizmente não chove

João Carlos Graça disse...

Caro João
De facto, é melhor começar a pensar a sério em seguir o exemplo da Argentina. Boa conclusão. Não há lugar para os gregos nem para nós na "UEM", e no actual estado de coisas nem sequer na "UE".
Não há problema. Ficamos (nós e eles) melhor sozinhos do que mal acompanhados.
Só dói mesmo é perceber o quanto a "esquerda da esquerda" é tão atrasadinha, coitadinha, a compreender isso mesmo... e que, se não queremos a "desvalorização interna", temos mesmo de começar por recuperar a soberania monetária e desvalorizar.
Não chega? Claro que não chega, quem é que disse que chegava?
Mas é obviamente condição necessária.
Como é que, repito, a "esquerda da esquerda" é tão atrasadinha, coitadinha, a compreender isso mesmo?

Xavier Brandão disse...

Uma pergunta: se um governo de esquerda é eleito -- o que põe o PS de parte -- e decidir não sair do euro, é possível que ele leve a cabo a requisição do Banco de Portugal e levá-lo a emitir moeda (euros)? Eu sei que, a ser tecnicamente possível, viola os tratados europeus, que, de qualquer das formas, as forças de esquerda serão obrigadas a violar, sob pena de nada fazerem de diferente em relação aos adeptos da austeridade.
Ou, então, se não for possível fazer a requisição do BP, podem os bancos (BPI, BES, etc.) ser forçados a emprestar ao Estado dinheiro à mesma taxa de juro com que se financiam junto do BCE?
Quero dizer, não há obrigação de deixar de imediato o euro se tais políticas são possíveis (e desejáveis).

meirelesportuense disse...

‘no fundo de uma depressão sem fundo’, ‘num daqueles dias em que nunca tive futuro’.”

Tripalio disse...

Destas análise falta um apspecto central: porque é que tudo é feito assim, e para mim a resposta é simples: criar uma espiral recessiva na Euopa para destruir o modelo social europeu: Esta é chave, para depiuis virem os tecnicos explicar onde e como se corta...