Comecemos por Rui Peres Jorge no Negócios, por um termo de antologia para caracterizar o Estado como força da depressão – desestabilizadores automáticos – e pelos usos da poesia em economia política: “[H]á um toque de ironia trágica nos elogios de Olli Rehn ao sofrimento nacional para os quais pediu emprestadas palavras a Fernando Pessoa: ‘há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer’, disse. Resta saber se o comissário sabe que estas foram escritas ‘no fundo de uma depressão sem fundo’, ‘num daqueles dias em que nunca tive futuro’.”
Como reconhece discretamente o próprio FMI, oportunamente repescado por Octávio Teixeira, a desvalorização interna está condenado ao fracasso na Grécia. O FMI começa a abandonar o barco e a chegar à conclusão heterodoxa que o caminho argentino é que é (p. 49). Continuemos com Robert Skidelsky, em negligente tradução e sempre contra uma austeridade que esquece a história económica e das ideias económicas, algo que o principal biógrafo de Keynes conhece bem: “Se o objectivo deliberado é diminuir o PIB, o rácio da dívida face ao PIB irá crescer. A única forma de reduzir a dívida (sem ser através de um incumprimento) é colocar as economias a crescer.” Skidelsky mostra bem a irracionalidade da actual obsessão com a dívida, sobretudo em espaços com soberania monetária, onde Tesouro e Banco Central não estão separados (basta olhar para a evolução das taxas de juro da dívida soberana a dez anos em três países para se perceber que a chamada crise da dívida soberana é uma crise do euro que anulou precisamente a soberania). No euro, o incumprimento é uma inevitabilidade nos seus elos mais fracos: quem não tem moeda para pagar, não pagará mesmo.
De resto, Skidelsky avança com o espectro da revolução, um dos argumentos usados no passado por esta tradição para persuadir políticos relutantes em abandonar dogmas liberais. Já não funciona, claro, porque as elites sentem que controlam a situação e não têm, realmente, grandes razões para pensar o contrário. Na ausência de alternativas sistémicas com peso político, as forças da reforma perdem gás.
No actual contexto, Hollande, como aposta Luís Rego, pouco mais fará à escala europeia do que repetir as inocuidades de Jospin. A situação parece estar perigosamente trancada: “o essencial das políticas europeias estão fechadas à chave por dentro”. Julgo que para forçar uma reforma progressista na arquitectura do euro, que reinscreva a social-democracia a essa escala, é preciso estar disposto a acabar com esta experiência monetária, ou seja, é preciso não colocar de lado a possibilidade de sair, preparando a opinião pública para uma eventualidade que exige a mobilização de todos os instrumentos de política. E isto a social-democracia não está (ainda?) disposta a fazer em nenhum país. O resultado é a desesperança.
A reforma teria de começar por um BCE deixado à solta por uma social-democracia que aceitou, no momento “constitucional”, uma configuração do euro destinada a anulá-la. O poder monetário é usado para forçar a destruição do Estado social, ao mesmo tempo que se mantém a ideia de que a austeridade está a resultar, ocultando-se deliberadamente a única política, a de credor de último recurso dos bancos, que mantém os fios financeiros que sustentam o euro, como é bem sublinhado por João Galamba, que aproveita para reenquadrar o debate: “A única coisa que está a acontecer é uma reconfiguração do modo como esse Estado intervém na economia, não do seu poder”. Assim se revela a economia política da arquitectura do governo neoliberal europeu, o lastro dos terríveis anos noventa: só instituições protegidas do poder político democrático, de preferência numa escala superior, podem pôr em marcha as políticas que convêm ao capital financeiro.
Como reconhece discretamente o próprio FMI, oportunamente repescado por Octávio Teixeira, a desvalorização interna está condenado ao fracasso na Grécia. O FMI começa a abandonar o barco e a chegar à conclusão heterodoxa que o caminho argentino é que é (p. 49). Continuemos com Robert Skidelsky, em negligente tradução e sempre contra uma austeridade que esquece a história económica e das ideias económicas, algo que o principal biógrafo de Keynes conhece bem: “Se o objectivo deliberado é diminuir o PIB, o rácio da dívida face ao PIB irá crescer. A única forma de reduzir a dívida (sem ser através de um incumprimento) é colocar as economias a crescer.” Skidelsky mostra bem a irracionalidade da actual obsessão com a dívida, sobretudo em espaços com soberania monetária, onde Tesouro e Banco Central não estão separados (basta olhar para a evolução das taxas de juro da dívida soberana a dez anos em três países para se perceber que a chamada crise da dívida soberana é uma crise do euro que anulou precisamente a soberania). No euro, o incumprimento é uma inevitabilidade nos seus elos mais fracos: quem não tem moeda para pagar, não pagará mesmo.
De resto, Skidelsky avança com o espectro da revolução, um dos argumentos usados no passado por esta tradição para persuadir políticos relutantes em abandonar dogmas liberais. Já não funciona, claro, porque as elites sentem que controlam a situação e não têm, realmente, grandes razões para pensar o contrário. Na ausência de alternativas sistémicas com peso político, as forças da reforma perdem gás.
No actual contexto, Hollande, como aposta Luís Rego, pouco mais fará à escala europeia do que repetir as inocuidades de Jospin. A situação parece estar perigosamente trancada: “o essencial das políticas europeias estão fechadas à chave por dentro”. Julgo que para forçar uma reforma progressista na arquitectura do euro, que reinscreva a social-democracia a essa escala, é preciso estar disposto a acabar com esta experiência monetária, ou seja, é preciso não colocar de lado a possibilidade de sair, preparando a opinião pública para uma eventualidade que exige a mobilização de todos os instrumentos de política. E isto a social-democracia não está (ainda?) disposta a fazer em nenhum país. O resultado é a desesperança.
A reforma teria de começar por um BCE deixado à solta por uma social-democracia que aceitou, no momento “constitucional”, uma configuração do euro destinada a anulá-la. O poder monetário é usado para forçar a destruição do Estado social, ao mesmo tempo que se mantém a ideia de que a austeridade está a resultar, ocultando-se deliberadamente a única política, a de credor de último recurso dos bancos, que mantém os fios financeiros que sustentam o euro, como é bem sublinhado por João Galamba, que aproveita para reenquadrar o debate: “A única coisa que está a acontecer é uma reconfiguração do modo como esse Estado intervém na economia, não do seu poder”. Assim se revela a economia política da arquitectura do governo neoliberal europeu, o lastro dos terríveis anos noventa: só instituições protegidas do poder político democrático, de preferência numa escala superior, podem pôr em marcha as políticas que convêm ao capital financeiro.
5 comentários:
em termos de analogia a europa é uma ponte romana ao estilo da ponte de lima
com uns troços similares à da Hintze Ribeiro e com uns políticos a puxarem à João Franco e outros à João Chagas
uns Sidónios abortados há 7 greves gerais atrás dizem umas coisas
e vamos para o fundo com a américa nos calcanhares e a ásia um pouco atrás...felizmente não chove
Caro João
De facto, é melhor começar a pensar a sério em seguir o exemplo da Argentina. Boa conclusão. Não há lugar para os gregos nem para nós na "UEM", e no actual estado de coisas nem sequer na "UE".
Não há problema. Ficamos (nós e eles) melhor sozinhos do que mal acompanhados.
Só dói mesmo é perceber o quanto a "esquerda da esquerda" é tão atrasadinha, coitadinha, a compreender isso mesmo... e que, se não queremos a "desvalorização interna", temos mesmo de começar por recuperar a soberania monetária e desvalorizar.
Não chega? Claro que não chega, quem é que disse que chegava?
Mas é obviamente condição necessária.
Como é que, repito, a "esquerda da esquerda" é tão atrasadinha, coitadinha, a compreender isso mesmo?
Uma pergunta: se um governo de esquerda é eleito -- o que põe o PS de parte -- e decidir não sair do euro, é possível que ele leve a cabo a requisição do Banco de Portugal e levá-lo a emitir moeda (euros)? Eu sei que, a ser tecnicamente possível, viola os tratados europeus, que, de qualquer das formas, as forças de esquerda serão obrigadas a violar, sob pena de nada fazerem de diferente em relação aos adeptos da austeridade.
Ou, então, se não for possível fazer a requisição do BP, podem os bancos (BPI, BES, etc.) ser forçados a emprestar ao Estado dinheiro à mesma taxa de juro com que se financiam junto do BCE?
Quero dizer, não há obrigação de deixar de imediato o euro se tais políticas são possíveis (e desejáveis).
‘no fundo de uma depressão sem fundo’, ‘num daqueles dias em que nunca tive futuro’.”
Destas análise falta um apspecto central: porque é que tudo é feito assim, e para mim a resposta é simples: criar uma espiral recessiva na Euopa para destruir o modelo social europeu: Esta é chave, para depiuis virem os tecnicos explicar onde e como se corta...
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