quarta-feira, 22 de junho de 2011

Um cv europeu

O cv e as competências técnicas de Vítor Gaspar têm sido muito elogiados. Não sou eu que vou criticar tão distinta figura, com tão notável percurso. Noto apenas que, da negociação de Maastricht até a posições de relevo no BCE e na Comissão Europeia, não houve momento da viragem neoliberal da construção europeia em que Gaspar não tivesse participado. Esta viragem deu origem à chamada regulação assimétrica da UE, cujas consequências negativas temos vindo a assinalar desde há alguns anos. É difícil perceber a sua fé neste euro, expressa em artigo de 2008: tudo correu bem, no melhor dos mundos. Portugal é uma minudência. As finanças públicas estão saudáveis e tudo, imediatamente antes da recessão fazer sentir os seus efeitos. É o milagre das bolhas a marcar os ritmos das posições orçamentais, tão confortáveis que estas eram. Os desequilíbrios entre centro e periferia não interessam para nada, com o seu mau cheiro a teoria da dependência, e a política económica constrangida por regras absurdas, sujeitas a revisões que não alteram a sua essência, é do melhor, com a política monetária a chegar para salvar a situação e com a desregulamentação das relações laborais a acompanhar na criação de postos de trabalho. Viu-se. Não seria irónico se alguém com este cv e com estas posições tivesse de intervir conscientemente no esboroar inconsciente de uma construção para a qual deu tão prestimosos contributos? É claro que Gaspar, administrador-delegado da troika, não poupará a maioria dos cidadãos portugueses a todos os sacrifícios para salvar esta aberração institucional, esta utopia liberal, e os agentes financeiros que dela beneficiaram. Dito isto, a correcção da tal regulação assimétrica pode ser feita consistentemente por uma saída nacional, com a recuperação das políticas monetária, orçamental, cambial e industrial, ou por uma saída europeísta, na linha da “modesta proposta”, que recrie à escala europeia os instrumentos de política perdidos nacionalmente. Como estamos é que não dá. Julgo que a saída europeísta é a quem tem menos custos e a mais desejável politicamente, mas está bloqueada. A saída nacional ocorrerá, mais tarde ou mais cedo, se deixarmos as coisas como estão. Como evitar isso? Eu só vejo uma saída e tenho insistido nela: uma aliança diplomática das periferias e dos sectores federalistas do centro, caso de Juncker, que, como bem sublinha Rui Tavares, parece, em certos momentos, ter consciência do desastre em curso. Uma aliança que use a ameaça credível da reestruturação da dívida, liderada pelos devedores, como defende há muitos meses o Research on Money and Finance, para conseguir uma solução europeia para um problema europeu. Essa solução, que quase ninguém com poder quer encarar, pressupõe que se esteja disposto a colocar a hipótese da saída almofadada do euro como plano B, na linha de Lapavitsas, Weisbrot ou Ferreira do Amaral, para fazer ver ao centro qual é o seu interesse próprio esclarecido. É claro que no Ministério das Finanças ninguém será incentivado a pensar o impensável. Resta-nos o recurso a uma das armas retóricas da direita: não há alternativa...

8 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

Partimos para a reestruturação depois de mostrarmos que somos capazes de manter as contas certas a partir daí, ou reestruturamos e mantemos défices de 10%?

Havendo necessidade de reestruturar, será completamente diferente ser alguém como Vítor Gaspar a dizê-lo ou ser alguém que não se preocupa com as boas contas.

Que no governo a hipótese de reestruturação estará sempre na mesa é óbvio e público: basta conhecer as posições do ministro da economia.

Anónimo disse...

o camarada Loucã elogiou-o. Temos de começar a renovação no partido.

Paulo Pereira disse...

Concordo em geral com o artido, excepto na tentativa de branquear que este EURO estúpido teve o apoio entusiástico dos socialistas europeus.

Para quando uma posição comum dos socialistas e sociais-democratas europeus sobre a necessidade de emitir pelo menos parte da divida em comum ?

Banda in barbar disse...

excessivo

crê tu se euro não fora

qua ta mão logo s'assanha

já te dera dívida tamanha

ó banca que vais embora

bodes expiatórios necessitam-se
genealogistas da crise obscuros
para encobrir os pais da crise
e mostrar só as mães

Luis Gaspar disse...

Muito bom post, João. Esta questão de se se ser um bom técnico faz-me perceber o que é uma batalha linguística bem ganha. É bom, mas é bom a fazer o quê? Prefiro ter incompetentes a competentes a fazer um trabalho destrutivo para Portugal.

P.A. Lerma disse...

De facto é paradoxal

Alguns indivíduos competentes desistem de anos das suas vidas produtivas (e diga-se de passagem bem pagas) para um serviço sujo que só trará dissabores e dada a actual e futura condição nacional muy poucas recompensas

apesar disso há sempre quem prefira que a incompetência governe

dá mais lucro com menos esforço

Anónimo disse...

Paulo Pereira, também te chamas PMP? Como pode haver uma dívida comum, se não há uma comunidade política, nem uma identidade política comum, nem uma democracia comum, nem um tessouro comum. gente estúpida.Só pode haver um tesouro onde há um único governo e uma única entidade.

Paulo Pereira disse...

Para haver uma moeda comum tem de haver divida comum, por definição, senão crasha, como se está a ver.

Sim PMP é Paulo Pereira