quarta-feira, 8 de junho de 2011

Este país não é para pobres

Sensivelmente no espaço de um ano, enquanto a taxa de desemprego passou de 10,6% para 11,2% e o número de pessoas apoiadas pelo Banco Alimentar contra a Fome (BA) aumenta de 272 mil para 319 mil, o Rendimento Social de Inserção (RSI) registou uma redução no número de beneficiários de cerca de um terço, em resultado dos «ajustamentos» efectuados nas regras de atribuição. Estamos, como é óbvio, muito para lá do universo do combate às situações de fraude no RSI, a que a direita agora no poder sempre quis despudoradamente reduzir, de um ponto de vista simbólico, esta prestação social.

Se encararmos o apoio concedido pelo Banco Alimentar, dada a sua natureza, como revelador das necessidades sociais mais prementes, percebemos como o alcance do RSI (que beneficia actualmente cerca de 334 mil pessoas), se contraíu a um universo muito próximo do das situações de carência mais elementar. O que, num país onde o número de cidadãos abaixo do limiar da pobreza ronda os 2 milhões, e em que a pobreza infantil atinge cerca de duas em cada cinco crianças, diz muito sobre o «estado social» a que chegámos e sobre quem é mais violentamente atingido pela desiquilibrada ofensiva austeritária.

Em Abril passado, o valor médio da prestação do RSI por família rondava os 242€ mensais, situando-se em cerca de 89€ o valor médio por beneficiário. É a estes valores de referência, portanto, que Passos Coelho entende dever corresponder a obrigação de efectuar «trabalho cívico», trazendo à memória - não por acaso - a proposta de Bagão Félix e Alexandre Relvas em 2007, no sentido de reconfigurar a «moldura penal» dos crimes de aborto, convertendo a pena de prisão até três anos(prevista na lei então em vigor) em «trabalho comunitário», a que se deveriam dedicar as mulheres que incorressem nessa «prática». É pois todo um programa, cristalinamente revelador da visão «humanista» destes putativos ministros do próximo governo.

Ao considerar que as míseras prestações do RSI devem implicar a prestação de «serviço cívico» pelos seus beneficiários, a direita revela em toda a linha como não está - decididamente - preocupada com a «inserção social» (objectivo consagrado no entendimento subjacente ao Rendimento Mínimo Garantido, criado por Paulo Pedroso em 1997). Não se trata de tirar ninguém da pobreza. Trata-se apenas de pagar um tributo pelas migalhas recebidas, de cumprir o merecido castigo pela «preguiça deliberada» a que supostamente os beneficiários do RSI se dedicam.

4 comentários:

PMP disse...

Qual é a objecção concreta contra obrigar os beneficiários do RSI a trabalharem na proporção do que recebem ?

Nuno Serra disse...

Essa é uma boa questão, PMP. Na sanha persecutória que a direita move em relação ao RSI perpassa a ideia de que o Estado se limita a passar o cheque, alimentando pois a subsídiodependência. Ora, desde a sua criação, o RMG/RSI consagra a celebração de um «contrato de inserção» com os beneficiários (que podia passar pela formação e/ou trabalho, para além de outros vectores, como a obrigatoriedade de frequência escolar de menores abrangidos). Isto é, a finalidade do RMG/RSI visa não só permitir a disponibilidade de um rendimento mínimo de subsistência, mas igualmente (e sobretudo) o desencadear de um processo de inclusão social consistente e perdurável.
Ao adoptar-se o princípio de «retribuição» do apoio financeiro, com trabalho, nos moldes propostos (exercício de uma qualquer actividade de «serviço cívico») o RSI passa a constituir um fim em si mesmo, sem horizontes sérios de verdadeira inclusão social. Aliás, essa saída abre claramente as portas para formas de trabalho precário e mal remunerado. Porque, das duas uma: ou as actividades de «serviço cívico» correspondem a necessidades permanentes de diferentes instituições (da administração pública local, por exemplo) - e nesse caso importa questionar porque razão a ocupação de beneficiários do RSI nesses «serviços cívicos» não assume contornos próprios de um posto de trabalho; ou as actividades de «serviço cívico» mais não visam do que a dita «contrapartida» pelo apoio pecuniário atribuído, sem qualquer alcance sério de inclusão social.

Nuno Serra disse...

Daqui emerge naturalmente uma outra questão: o que se passa então com os «contratos de inserção»? Funcionam, não funcionam? Porquê? Mas essa é uma segunda conversa.

PMP disse...

Se a taxa de desemprego é de 12% então não existem postos de trabalho à disposição dos benef. do RSI.
Assim só podem ter um vinculo diferente.

A melhor forma de reinserção é o trabalho, que incluirá aí formação profissional.
Além de que assim os benef. do RSI já não se sentem um fardo para a sociedade.