Público, 8/4/2013 |
Foi há dez anos. Face ao novo chumbo pelo Tribunal Constitucional (TC), Passos Coelho começou a ensaiar a desarticulação entre o seu programa de governo e a aplicação do Memorando de Entendimento com a troika.
Aquilo que, dois anos antes, fora anunciado no discurso da tomada de posse do seu Governo, como "uma condição necessária para termos uma economia próspera e criadora de emprego no médio prazo", passou a ser apenas a obrigação de "fechar esta crise de uma vez por todas". Impedido pelo TC de cortar nos vencimentos dos funcionários e nas pensões em pagamento, o Governo Passos Coelho defendeu então um novo pacote de cortes no Estado Social para... poder garantir o Estado Social (!):
“Não duvido que aparecerão vozes a protestar que, com isso, estaremos a pôr em causa o Estado social e que o Governo não aprende a lição parando com a austeridade”, admitiu Passos. Para logo a seguir classificar tal teoria de “demagogia fácil”, porque “para se defender o Estado social precisa de se garantir o dinheiro que suporta as suas despesas”.
Público, 8/4/2013
E para isso, Passos Coelho exigia do PS que não deixasse a direita sozinha nesse papel de coveiro do Estado Social:
A necessidade de equilíbrio das contas públicas vai muito além deste ano, sendo fundamental estabelecer “compromissos duradouros” - um “objectivo nacional que ultrapassa as cores partidárias e não distingue governos”, “incluindo, claro está, os partidos do arco da governabilidade e os órgãos de soberania”. E dramatiza: “Mais do que nunca, a situação não se compadece com demagogias nem com tacticismos. Cada um dos agentes políticos tem de se pronunciar sobre esta matéria que, volto a repetir, é central para o futuro próximo do país no quadro europeu.” O Governo, “mandatado pelo povo português para vencer a emergência nacional, e apoiado na Assembleia da República por dois partidos numa coligação coesa”, mantém-se firme no “cumprimento das obrigações internas e externas” do programa de assistência, fez questão de vincar o primeiro-ministro que quer “fechar esta crise de uma vez por todas”.
Nessa altura, em contraponto a Mário Soares que elogiou o TC e descreveu o ambiente político como o de um Governo em que todos os ministros se querem demitir ("que o Governo deixou de existir, deixou"), o comentador Marcelo Rebelo de Sousa elogiou Passos Coelho:
Público, 8/4/2013 |
Dez anos depois, o Governo PS vê-se a braços com uma crise política semelhante, em que são impostas contenções ao desempenho do Estado Social, por se querer cumprir as obrigações europeias, em nome da salvaguarda dos valores da dívida e do défice. E o já o presidente Marcelo, se não critica a prolongada política de contenção da despesa pública, considera que a erosão do Governo - na realidade, fruto dessa política de erosão do Estado Social - o pode levar a dissolver o Parlamento.
O perigo é que, dando corpo a um Governo de direita - com o apoio de uma crescente extrema-direita, alimentada precisamente por essa política de contenção - se abram as portas para um rápido desmantelamento do... Estado Social.
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