quinta-feira, 13 de abril de 2023

Querido diário - O elefante no meio da sala

Público, 8/4/2013

Há cerca de dez anos, o economista e conselheiro de Estado Vítor Bento criticava o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) à proposta do Governo de cortar nos vencimentos da Função Pública e nas pensões do pensionista. Na sua opinião, a opção do TC fora ideológica, dificultara "o processo de ajustamento" e estreitara "o caminho para a nosssa permanência no euro".

Por isso, Vítor Bento gostara da declaração que o primeiro-ministro Passos Coelho fizera criticando violentamente o TC... por ter defendido a Constituição então em vigor: "Foi muito boa". Na sua opinião, a decisão do TC não trazia muitas alternativas: "impostos, fecho de serviços e despedimentos". "Não vejo outra via", disse. Algo que, a ser aplicado, agravaria ainda mais a depressão económica criada pelo programa de Passos Coelho, respaldado no Memorando de Entendimento com a troica. E agravava ainda mais a situação social do povo português.

Público, 8/4/2013

Este quadro de análise entrocava bem na forma como, em 2011, o mesmo Vítor Bento viu o dito programa de austeridade traçado pelo Memorando de Entendimento.



Público,9/12/2011

Nessa altura,

1) o presidente da SIBS avaliava como "razoavelmente bem" a forma como o programa de austeridade estava a ser aplicado pelo Governo;

2) e partilhava do diagnóstico feito: ao invés de valorizar as consequências de uma desregulação financeira, de um rígido sistema de taxas de câmbio fixas na zona euro, de um rígido regime que impede os Estados de emitir moeda e os obriga a financiar-se num mercado de capitais sem freio do BCE; Bento enfatizava outro cenário: Portugal expandira a sua procura, desequilibrara as suas contas externas e agora o único caminho era provocar "à bruta" uma recessão - vulgo, aumento de desemprego - como forma de baixar os "custos laborais" (vulgo salários). E era para isso, que se aplicavam os inúmeros cortes nos "gastos públicos".

Ou seja, era um programa de empobrecimento e de baixa salarial, como a que se sente presentemente. Veja-se como foi profética esta tira do Bartoon, de 2011:

Público, 19/12/2011

Bento estava ciente dos efeitos devastadores de uma moeda única em zonas económicas assimétricas; mas era de opinião de que "a saída do euro provavelmente terá uma violência ainda maior" do que um programa de empobrecimento. "Provavelmente"... Mas - acrescentava - "não devemos recusar discutir esse assunto".

Porém, em 2015, ou seja, dois anos depois de ter criticado o TC em 2013, Vítor Bento pareceu ter esquecido tudo o que sublinhara antes:

Observador, 8/2/2015


Passados oito anos sobre estas declarações, nada mudou. Apenas se agravou.

De ora em quando as instâncias europeias não eleitas põem de lado os dogmas (neo)liberais e intervêm "à bruta" e sem limites para que o euro não sucumba. Mas nunca revêm as estúpidas regras que provocam a pobreza de muitos e a riqueza de poucos.

As consequências deste regime estão a acumular-se. As dificuldades sociais que ora se sentem - e que se reflectem num avolumar de movimentos grevistas e de contestação - são, pois, a imagem do desastre económico de um regime de moeda única, gerido com uma rédea curta sobre os mais pobres, através da rígida e arbitrária gestão das dívidas dos Estados. Face a uma subida da inflação gerada por estrangulamentos na oferta, o BCE e a Comissão Europeia optaram - mais uma vez - por políticas recessivas pelo lado da procura, impedindo a expansão da intervenção pública e a subida salarial, forçando uma enorme e subreptícia transferência de rendimento da maioria das populações para o sector financeiro e empresas de vários sectores.

O futuro augura-se perigoso. 

A direita e a extrema-direita cavalgam o empobrecimento social, mas não querem mudar o rígido regime europeu da política monetário-cambial, porque se trata de uma questão de poder: instituições não eleitas mandam sobre governos democraticamente eleitos e aplicam a mesma política independentemente de quem ganha as eleições. 

Por isso, a oposição política se faz a partir do acessório, nunca falando de como querem resolver os problemas estruturais do país. Culpam - como em 2002 e 2011 - o empobrecimento de Portugal por haver "Estado a mais". E - como em 2011 - associam esse "Estado a mais" à corrupção larvar de um Estado esvaziado pela aplicação - pelo PSD/CDS e PS - das ideias (neo)liberais. Mas a sua ideia é somente outra corrupção: aplicar o programa das elites, cerceando ainda mais o provimento público na protecção social, na educação e saúde públicas, para ampliar o provimento privado, concentrado em poucos grupos económicos.

Esquecem contudo que o Estado Social representa rendimento indirecto das populações e, caso vençam as eleições, sofrerão politicamente ainda mais do que o actual Governo PS. Tal como aconteceu com o PSD e o CDS desde 2012.

E resta saber o que nascerá depois.

Vítor Bento é actualmente presidente da Associação Portuguesa de Bancos, a associação dos donos do sector financeiro nacional.


2 comentários:

Anónimo disse...

E estamos outra vez a não ver o elefante no meio da sala.
Queremos sair do euro? Tipo Reino Unido?
Vamos buscar facto de a 10 anos? que sao 3650 dias?
E o facto de o partido socialista estar a 8 anos.
A culpa é sempre dos outros nunca do Partido Socialista.
Como se resolve os problemas? Enfrentando-os.
A malta do PS não sabe o que é isso.

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo,
O que lhe quis mostrar é que, enquanto não houver um diagnótico claro do que se está a passar, vamos repetir e repetir sempre os mesmos erros.

Neste caso, há um conjunto de constrangimentos que são europeus que fazem com que PS e direita apliquem - em traços gerais - a mesma política, porque essa política é traçada não em Lisboa, mas em Bruxelas ou Frankfurt. Por isso, assistimos às campanhas eleitorais que nos trazem esperanças e depois assistimos à governação e ficamos decepcionados. E a maioria da população vai oscilando entre votar na direita e no PS, mas os constrangimentos externos - como o próprio Vítor Bento assinalou (e ele é de direita) - são bem mais fortes. E por isso vamos nos zangando com a ineficácia de tudo. E zangamo-nos com os políticos nacionais. Mas o mal está noutro sítio.

E enquanto não se discutir o que está na base de tudo, voltaremos a deixar passar mais décadas e, por cada década, estaremos mais pobres. Porque a acumulação de problemas vai agudizando a situação nacional face ao centro europeu.

Era isso que eu queria dizer.