Foi há dez anos. O Tribunal Constitucional (TC) chumbou as medidas de corte de despesa pública do Governo Passos Coelho/Paulo Portas no valor de 1300 milhões de euros e deixou recados sobre os caminhos que o executivo poderia seguir. Ao contrário do que queria, o Governo Passos Coelho/Paulo Portas foi obrigado a pagar o subsídio de férias à função pública e a pensionistas, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 2013 e, também, a repor cortes nos subsídios de desemprego e de doença.
Mas ainda hoje um deputado do PSD quase rasgou a sua camisa num inflamado discurso virado para o PS, aliás muito aplaudido pelos líderes da sua bancada. Disse algo assim:
"Sim, porque os senhores vão voltar ao tempo da troica, vão abrir novamente o canal História, mas não o canal História que nós podemos ver na TV Cabo. É um canal História que os senhores inventaram. Sabe do quê? Das fakenews, das fakenews. Sabe porquê? Por que os senhores acreditam na máxima que uma mentira repetida dita muitas vezes torna-se verdade. Mas esta câmara tem actas, tem deliberações, tem memória, tem registos, vídeos e audios, que demonstram: aqueles que levaram o país para a troica foram os senhores, e que houve um partido que regastou o país que foi o Partido Social-Democrata.
Já nem falo da descortesia de se esquecerem do CDS. Mas a Assembleia da República "tem memória, tem registos, vídeos e audios" que demonstram que, em 2011, houve um partido que celebrou a vinda da troica e que, inclusivamente, quis aproveitar a sua vinda para introduzir o programa mais (neo)liberal de que há memória em Portugal (a notícia em cima é uma imagem disso). Mas que teve um desfecho terrível: uma espoliação das camadas trabalhadoras para o sector empresarial, uma degradação da vida dos trabalhadores, um aumento das desigualdades sociais, uma escalada abrupta do desemprego e da pobreza em Portugal, uma drenagem histórica de quadros formados com os recursos públicos para emigração e para os países do centro europeu.
De tal forma, que a direita teve de penar uma década na oposição.
Mas agora ouça-se o que pretendia esse maravilhoso Governo (discurso de tomada de posse o XIX Governo). Parece-se em tudo com o que diria hoje um eventual governo da Iniciativa Liberal e da extrema-direita política, aliada com um novo PSD tentado a inclinar-se para a extrema-direita para não perder eleitorado. Todos os males estão no Estado e basta esvaziá-lo para que tudo floresça (a palavra é de Passos Coelho).
Descubra - nas citações seguintes - as diferenças com as novas forças políticas (neo)liberais...
"O meu governo será o agente dessa mudança,. Essa mudança que é desejada pelos portugueses num grande desígnio colectivo [até parece que Passos Coelho se inspirou na actual ministra Ana Mendes Godinho] para o qual convocamos a participação dos cidadãos, dos agentes económicos e das instituições sociais.7:35 Que rumo é esse? (...) queremos uma sociedade mais aberta com um Estado que não é um instrumento para obtenção de regalias injustificadas, que não se torna opaco para esconder relações pouco apropriadas entre os recursos que são públicos e os interesses que são privados; um Estado que não desista do combate à corrupção [até já se falava de corrupção no poder político!]; um Estado que articula e realiza o interesse comum; um Estado que ajuda a sociedade a florescer e não a sufocá-la; um Estado que não intimida a criatividade empresarial nem a inovação [que novidade! Não parece que estamos a ouvir Cotrim de Figueiredo ou Guimarães Pinto?];
11:06 Queremos um Estado mais pequeno, mais ágil e mais forte, por um lado; e uma sociedade mais livre, mais autónoma e mais prospera, por outro. Na verdade, são duas faces da mesma moeda. [Claro, esvaziando o Estado, desequilibra-se a sociedade]
14:07 As nossas tarefas prioritárias são claras: estabilizar as finanças, socorrer os mais necessitados, fazer crescer a economia e o emprego [correu tudo mal, sobretudo porque se corroeu o papel do Estado provocando uma enorme recessão]. À grave situação financeira, respondemos com um programa de estabilização financeira que aponta para o equilíbrio sustentado das contas públicas e para o estreitamente da dívida externa e pública, traçando objectivos concretos em conformidade com o Memorando de Entendimento estabelecido com a missão da UE e do FMI [Como se vê, não havia nenhuma dicotomia entre uma coisa e outra]. O objectivo de regressr a uma trajectíoria sustentável das contas públicas é um imperativo urgente [Ora bem!] para fazer face aos problemas de curto prazo. Mais do que isso [Claro!]: é uma condição necessária para termos uma economia próspera e criadora de emprego no médio prazo [Memorando e programa do XIX estavam articulados]. Portugal jamais poderá regressar à ilusão de que a dívida em espiral alimenta o crescimento [Idem!]. Portugal sabe por experiência própria que a embrieguês da dívida se limita a encenar um falso e curto bem-estar até ao dia que chega a factura e o colapso. [Notou-se o efeito desastroso que teve o programa de redução da dívida, aliás tal como se está a ver hoje] (...) Reduziremos a dívida para recuperarmos a capacidade de decidirmos os nossos próprios assuntos e fazermos as nossas próprias escolhas. [Que ilusão! Aliás, a mesma ilusão que se vê hoje!]
16:58 À estagnação económica, respondemos com o programa para o crescimento, a competitividade e o emprego que ataca os bloqueios à produtividade e à iniciativa empresarial e que aposta nos sectores de bens transacionáveis [Foi aprovado de facto, mas onde estamos hoje? Fomentou-se, sim, os sectores não transaccionáveis. E a sua ineficácia justifica hoje a apresentação de novos programas "para o crescimento e produtividade", outra vez...]. É aqui que se jogo o futuro da nossa prosperidade [Será? Não foi...]. Só teremos uma economia competitiva se tornarmos mais favoráveis as condições de concretização da iniciativa empresarial e do potencial inovador dos cidadãos. É urgente reduzir os custos de contexto [Foi o que se fez e demos com os burrinhos na água...].
O PSD já aplicou um programa (neo)liberal e correu mal. Porque correu mal, surgem no espectro político novas forças.
Mas os programas da IL e da extrema-direita política são, apenas, uma tentativa de branquear e reformatar uma política já seguida e que deu maus resultados. O objectivo é o mesmo, a metodologia é diferente: esvaziar o Estado de receitas (via redução de impostos), para forçar a redução da despesa pública e a privatização. Mas tal com Passos Coelho, vai correr mal.
Apagar essa memória para que possa ser repetida - a favor de alguns poucos interesses - eis a sua missão histórica.
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