quarta-feira, 29 de julho de 2015

Onde pára o desemprego?

Conseguem as estatísticas oficiais reflectir adequadamente a realidade do desemprego em Portugal? Um primeiro exercício de resposta a esta pergunta foi aqui feito, há mais de meio ano, permitindo desmascarar os expedientes do governo para camuflar a verdadeira dimensão do problema. Nos termos desse exercício associaram-se, ao número oficial de desempregados, os desempregados ocupados, os inactivos desencorajados e os emigrantes em idade activa, assumindo que estas situações configuram formas de desemprego não reconhecidas pelas estatísticas oficiais. Posteriormente, essa análise seria revista e aprofundada, interpretando adicionalmente o subemprego como uma outra forma, mitigada, de desemprego. Ao actualizar as séries de dados para o primeiro trimestre de 2015 (a informação disponível mais recente), obtém-se o resultado que o gráfico seguinte procura traduzir.


Nestes termos:

1. Ao contrário do que diz a despudorada propaganda governamental, o desemprego não está a diminuir, sendo mais correcto falar na sua estabilização em patamares muito elevados. Com efeito, enquanto os números oficiais apontam para uma redução da Taxa de Desemprego na ordem dos 3,8 pontos percentuais, entre o primeiro trimestre de 2013 e o primeiro trimestre de 2015, a estimativa da Taxa de Desemprego Real mostra que essa descida é de apenas 0,4 pontos percentuais no mesmo período e de 0,5 pontos percentuais, caso se considere o Desemprego Real + o Subemprego.

2. Mesmo excluindo o subemprego (isto é, os activos empregados que trabalham a tempo parcial e que gostariam de poder trabalhar mais tempo) enquanto forma oculta de desemprego, uma estimativa realista da Taxa de Desemprego aponta para um valor que ronda os 25% no final do primeiro trimestre de 2015 (muito superior, portanto, aos 14% que os números oficiais apregoam). Para a divergência crescente entre estas duas taxas (Desemprego Oficial e Desemprego Real), conta sobretudo o contingente de desempregados ocupados (que passam de 23 mil em Março de 2011 para 161 mil em Março de 2015), bem como o volume de migrantes em idade activa, que constituem, no fundo, desempregados não contabilizados pelas estatísticas (apenas por terem saído do país) e que em termos acumulados passam de 12 mil para 322 mil, no período considerado.

3. Poderá argumentar-se que os números oficiais deixaram sempre de fora estas situações de desemprego, não reconhecidas como tal pelas estatísticas. E sendo isso verdade, há contudo aqui algo de substancialmente novo e que aponta para o peso crescente que essas formas ocultas de desemprego assumem, nos últimos anos, face ao desemprego total. Com efeito, se no primeiro trimestre de 2011 o Desemprego Oficial representava cerca de 61% do Desemprego Real, no período homólogo de 2013 já só representava 56% e, em Março de 2015, apenas 41%. Ou seja, a maior parte do desemprego que hoje existe em Portugal, nas suas diferentes formas, está estatisticamente oculto. Como se simplesmente não existisse.

Tem pois razão o Fundo Monetário Internacional quando afirma, como fez recentemente (contrariando o Secretário de Estado Bruno Maçães), que «Portugal precisa de 20 anos para regressar ao desemprego que tinha antes da crise». Da continuada estagnação do desemprego, nos níveis elevados em que a «austeridade expansionista» o colocou - e sem uma verdadeira alternativa às políticas de empobrecimento que a troika impôs e que o actual governo entusiasticamente abraçou - outra coisa não seria de esperar.

21 comentários:

António Geraldo Dias disse...

Enquanto os generais ganham as batalhas recrutando exércitos os capitalistas ganham-nas "descarregando" o exército de trabalhadores:Karl Marx: Salário, preço e lucro (1865)

Diogo disse...

Excelente post.

Anónimo disse...

As estatísticas oficiais do desemprego em Portugal estão altamernte subavaliadas e não reflectem mínimamente o valor real que é muito maior.As Próprias Contas Nacionais tambem não são fiáveis.
Outra questão altamente preocupante é a actividade cada vez menor do emprego no sector secundario , ou seja na industria transformadora.A desindustrialização continua em marcha acelarada que se não houver uma inversão levará a uma situação de colapso económico.
Uma pergunta que deve ser feita.Como é possível equilibrar as contas externas sem industria transformadora? Há um ciclo vicioso que os lideres dos partidos tradicionais pretendem ignorar. Talvez se andem enganar a eles próprios.

Anónimo disse...

Só podem ser contas mal feitas. Segundo o PS, o emprego estará em 7.4% no ano de 2019.

Jose disse...

Faltam nas estatísticas os reformados a trabalhar e os desencorajados de o fazer.

Anónimo disse...

Um muito excelente post. Que confirma, precisa e afina o já aqui bastas vezes denunciado.

Ponto final parágrafo

(A contra-prova, dada de forma involuntária claro está, é-nos fornecida pelo comentário do das 19 e 04.

Quanto desespero e quanto de má-fé?)

De

Jose disse...

Chafurdam no desemprego sem terem a menor ideia de como se cria emprego que não seja a comer do orçamento...

Anónimo disse...

"Chafurdar" é um verbo perigoso. Porque testemunho do nível educacional, mas sobretudo ético de quem, conivente até à medula com a troika, seu ardoroso defensor, propulsor do "ir mais longe do que a troika" e outras barbaridades do género, "chafurda" desta forma a tentar esconder o que é patente aos olhos de todos.
Os resultados criminosos da governança estão aí à vista de todos. E o que acaba por sobrar é, não só o escamotear que quem usa o orçamento para esconder o desemprego real é quem nos desgoverna, como também a falta de coluna vertebral para admitir o que até já e admitido pelo FMI.

Uma tristeza pegada. Eis o retrato necessariamente ideológico, mas também de princípios dos troikistas desamparados.

De

Unknown disse...

Elucida Joãozinho.

Anónimo disse...

Isto partindo do presuposto de que em 2011 não havia desempregados ocupados e que não havia emigrantes?
Não deveria ser tido em conta os imigrantes também?
Os desempregados ocupados não estão já incluídos nos desempregados?

Anónimo disse...

" Para a divergência crescente entre estas duas taxas (Desemprego Oficial e Desemprego Real), conta sobretudo o contingente de desempregados ocupados (que passam de 23 mil em Março de 2011 para 161 mil em Março de 2015), bem como o volume de migrantes em idade activa, que constituem, no fundo, desempregados não contabilizados pelas estatísticas (apenas por terem saído do país) e que em termos acumulados passam de 12 mil para 322 mil, no período considerado"
Nuno Serra

“OCUPADOS”: uma outra forma de esconder o desemprego
De acordo com o Instituto do Emprego e Formação Profissional, os “ocupados” que
aparecem na “Informação Mensal do Mercado de Emprego” são desempregados “integrados
em programas de emprego ou formação profissional “ Tanto uns como outros, terminado o
Contrato de Emprego Inserção (CEI), ou o estágio ou o curso de formação profissional,
regressam à situação de desempregado, mas enquanto estão nas situações anteriores não
são considerados nos números do desemprego registado. Em junho de 2015, o número de
“ocupados “ em Portugal atingia 155 892. Desta forma também se esconde o numero total
dos desempregados, pois se estes fossem somados aos 874.749 obter-se –ia 1.030.641 de
desempregados que é um número enorme e chocante, mas que certamente está muito mais
próximo da verdade que o governo e os seus defensores procuram esconder. E também
revela uma outra forma como se pode manipular os números do desemprego registado.
Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt , 21.7.2015

(De)

Alberto Jorge Silva disse...

Mas porque gastam energias a dar trela a esse "Jose"? Deixem-no fazer o seu trabalhinho sossegado, c'os diabos, assim não pode ser.

Anónimo disse...

Em termos acumulados tb já havia em 2011 se começarmos a contar em 75.. Fora de paroquianos, com ar novas oportunidades não havia na altura mais desempregados ocupados? e nessa altura também havia pessoas a emigrar.
Pk não fazer este gráfico mas a começar em 2000 por exemplo?dava uma perspectiva histórica mais construtiva. Mas sem valores acumulados :p

Anónimo disse...

Os dados estão aí.

Se não os sabe ler ou interpretar isso deve-se provavelmente a alguma coisa que a todos nos ultrapassa . Ou então a um fundamentalismo paroquiano típico da governança e seus adeptos

Estamos conversados quanto à manobra de se insinuar que os desempregados ocupados contam para o numero dos desempregados

Quanto ao número dos emigrantes aí também se pode recorrer aos números objectivos puros e duros, que deitam por terra as veleidades de fazer propaganda baixa e abjecta sobre os números do desemprego real

Por exemplo em 2000 emigraram 21.333, sendo 4.692 permanentes, 16.641 temporários.
Em 2014 emigraram 134.624, 49.572 permanentes, 85.052 temporários

http://www.pordata.pt/Portugal/Emigrantes+total+e+por+tipo-21

Resta repetir outro dado expresso pelo autor do post e que pelos vistos é necessário repetir:
"há contudo aqui algo de substancialmente novo e que aponta para o peso crescente que essas formas ocultas de desemprego assumem, nos últimos anos, face ao desemprego total. Com efeito, se no primeiro trimestre de 2011 o Desemprego Oficial representava cerca de 61% do Desemprego Real, no período homólogo de 2013 já só representava 56% e, em Março de 2015, apenas 41%. Ou seja, a maior parte do desemprego que hoje existe em Portugal, nas suas diferentes formas, está estatisticamente oculto. Como se simplesmente não existisse."

De

Anónimo disse...

Mas porque importa deixar muito claros estes dados sobre o desemprego?
Porque todo o aparelho mediático ao serviço do fundamentalismo troglodita da direita mais abjecta está a tentar manipular da forma mais grosseira esta questão.

Veja-se o título dum jornal dito de referência, o DN:
"PSD fez contas. No tempo de Sócrates havia 661 mil desempregados. Agora só há 636 mil". E de seguida :"PSD garante que o governo reduziu o desemprego. E que o emprego aumentou: "há mais 204 mil portugueses, felizmente, a trabalhar". "Os portugueses deram a volta", diz o CDS."


Noutro lado. no economico, em tom apologético e em letras bem gordas
"CDS invoca José, o carpinteiro, para "vencer a batalha do desemprego”
Paulo Portas surge sem gravata e com a camisa aberta no Tempo de Antena do CDS para as próximas eleições"

Eis como "eles" manobram. E ainda há quem pense em lisura de processos por parte desta escumalha. Veja-se por exemplo o autêntico esterco que pulula nos blogs de mais baixa extracção e o tom das intervenções dos serventuários do regime.

De

Anónimo disse...

Seria muito mais fácil se em vez de estatísticas de desemprego os políticos se preocupassem em mostrar os números da evolução do emprego e depois a evolução dos salários médios associados. Isso sim seria esclarecedor.

Henrique Pereira dos Santos disse...

A ideia de considerar o Carlos Moedas um desempregado, como faz o post, é hilariante. Genial.

Anónimo disse...

Ainda bem que também o acha sr Henrique santos.

Sabe se o governo tenciona contratar mais algum bom "rapaz" para o presentear pelo "trabalho" desenvolvido? E dar-lhe guia de marcha para ver se o junta à lista de "desempregados"? Dá cor local e anima as hostes, não acha?

As excepções parece que agora constituem a regra, pelo que apesar de, no seu caso parecer ser a regra, ainda o convidam para o lugar .

De

Pedro Ferreira disse...

Caro Nuno,

Estou a fazer um execício similar e que segue grosso modo o que o Nuno descreveu. Há no entanto um conceito que não entendo no seu post: o que significa "activo migrante", em que medida é que este deve ser adicionado ao desemprego oficial e onde é que essa informação está publicada?

Para terminar: será que dá para actualizar o gráfico agora que a informação do 2º trimestre está disponível?

Muito obrigado pela atenção,

Pedro Ferreira

Anónimo disse...

Qual é a fonte deste grafico?

Nuno Serra disse...

Caro Pedro Ferreira,
Sobre as justificações para incluir a emigração (ou melhor ainda, os saldos acumulados de activos migrantes), nas estimativas do desemprego, sugiro-lhe a consulta do estudo do Observatório sobre Crises e Alternativas (http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/documentos/barometro/13BarometroCrises_Crise%20mercadotrabalho.pdf) e deste artigo no Público: http://www.publico.pt/economia/noticia/tres-ou-quatro-coisas-que-e-preciso-saber-acerca-do-desemprego-1691484.
Conto em breve poder fazer a actualização gráfica dos últimos dados do mercado de trabalho, relativos a Junho deste ano.
Um abraço,
Nuno