quinta-feira, 23 de julho de 2015

Boaventura Sousa Santos e “o problema alemão”

Boaventura Sousa Santos (BSS) escreve hoje no Público um texto intitulado: "A Alemanha como problema". Há uma ideia-chave no texto do sociólogo com que estou de acordo e duas ideias implícitas com que não estou.

Escreve BSS: "o soberanismo está já instalado na Europa, só que sob duas formas: o soberanismo ofensivo dos fortes (encabeçado pela Alemanha) e o soberanismo defensivo dos fracos (tentado pelos países do sul, a que se junta, ainda meio atordoada, a própria França). No contexto europeu, o soberanismo ou o nacionalismo entre desiguais é um convite à guerra. Daí que, por mais ténue que seja a possibilidade de êxito, há que tentar reconstruir a União Europeia sobre bases democráticas, uma Europa dos povos onde deixem de dominar burocratas cinzentos e não eleitos ao serviço dos clientes mais fortes ante a distração fácil de representantes democraticamente eleitos mas politicamente desarmados."

Subescrevo a noção de que o processo de integração europeia tem sido um mecanismo eficaz para prevenir conflitos bélicos na Europa desde a 2ª Guerra Mundial (mesmo tendo presente as guerras nos Balcãs e o conflito na Ucrânia) – e, nem que seja por isso, não devemos desistir da construção de um projecto integração democrático na Europa. Também me revejo na ideia de que um ingrediente fundamental desse relativo sucesso tem sido o facto de ter permitido, até há uns anos, lidar com o chamado "problema alemão" (que podemos resumir, seguindo BSS, como a circunstância de a Alemanha sempre ter sido de ser grande de mais para a Europa e pequena de mais para o mundo).

Há, no entanto, duas ideias implícitas no texto de BSS que não subscrevo.

A primeira é a de que o ressurgimento do "problema alemão" constitui o principal sinal de que a UE, tal como existe, perdeu a sua razão de ser. Na verdade, estou convencido que a social-democracia europeia aceitou trocar uma tentativa (falhada)de prevenção do “problema alemão” pela imposição de um modelo de desenvolvimento económico e social profundamente conservador – e este foi um erro histórico que gostaria de não voltar a ver repetido. Ou seja, creio que a esquerda deve rejeitar qualquer “aprofundamento” da integração (mesmo que tal ajudasse a minorar o “problema alemão”) que não envolva uma alteração profunda dos elementos-chave que fazem da UE o principal agente de destruição do modelo social europeu na actualidade.

A segunda ideia implícita no texto de BSS que não subscrevo é a de que a defesa da soberania nacional é incompatível com o ideal de construção de uma integração europeia democrática. A questão é esta: o espaço nacional é hoje o espaço privilegiado para os cidadãos europeus lutarem democraticamente pelos seus direitos. Defendemos a soberania nacional porque defendemos a democracia - e é ao nível nacional que ainda vamos tendo possibilidade de a exercer.

Precisamos, pois, de um “internacionalismo soberanista” (a expressão é roubada a uma parecida do João Rodrigues): um apelo a que os cidadãos lutem pelos seus direitos onde eles podem ser efectivamente exercidos - defendendo a soberania nacional como reduto dos valores democráticos - sem deixarmos de pensar a construção da democracia além-fronteiras.

18 comentários:

Anónimo disse...

Incluir nesse "soberanismo defensivo dos fracos" a França do senhor Hollande é um exercício um pouco tortuoso de BSS. Eu, humildemente, chamar-lhe-ia antes "soberanismo de colagem desesperada ao soberanismo do mais forte". E vamos lá a ver se o mais que previsível futuro êxito eleitoral da senhora Le Pen não acabará de vez com tal colagem.
Também é notória a aversão que o ilustre sociólogo mostra no seu texto a qualquer ideia de soberanismo nacionalista, e penso não me enganar ao ver nessa geral aversão um nivelamento redutor entre o "soberanismo dos mais fortes" e o "soberanismo dos mais fracos". Esquece-se BSS que o último é uma mais que espectável reacção defensiva à agressiva ofensiva do primeiro? E, remetendo para o panorama nacional, que dizer das posições do PCP, partido que se mostra, de há muito, um acérrimo defensor do "soberanismo" nacional? Que devemos nós concluir, então, seguindo o raciocínio de BSS? Que há forças políticas de esquerda a que se deve dar um duplo "não": um "não" ao defenderem o "soberanismo" nacional e um "não" ao sustentarem que só a saída do euro salvará a democracia nacional? Não serão estas as incongruências insanáveis de todos aqueles que, à esquerda, tentam, a todo o transe, salvar o mais que falhado "projecto europeu"?

edgar disse...

Não é inventando novos termos (soberanismo), vazios de conteúdo, que se resolve o problema desta Europa que mostrou a verdadeira face com a Grécia, tal como a tinha mostrado com os resgates anteriores.
Esta Europa, com ou sem euro, não é recuperável e só é possível evitar o desastre rompendo claramente com as políticas que têm sido impostas, à força, sob chantagem.
Emprestar aos bancos a taxas insignificante para estes financiarem as dívidas a taxas muitíssimo superiores, para depois resgatar os bancos através de empréstimos aos Estados, é o círculo vicioso que alimenta os agiotas e parasitas, aumenta as dívidas, permite a chantagem, transforma os devedores em colonizados e oprime os povos com a ditadura do grande capital que domina as decisões políticas.
Quantos milhões de milhões roubados aos povos já foram entregues aos bancos por decisão de organismos internacionais,por decisão própria sem qualquer controlo democrático.
A social-democracia europeia (se é que o nome ainda pode ser utilizado)está refém deste sistema e só tem duas alternativas: combate e liberta-se ou vai desaparecendo como está a acontecer em vários países, como na Grécia ou na França, por exemplo.

Anónimo disse...

A soberania nacional concerteza,a mesma que é atacada desde há um século pelas "internacionais" comunista e capitalista.---Jorge

Mário disse...

Penso que tanto o BSS como o RPMamede desvalorizam o poder efectivo e absolutamente decisivo em que tornou o "poder económico". Muita gente já alertou para este facto mas,quando chega a "hora das decisões" ao mais alto nível, esquece-se que os decisores políticos cumprem directivas do poder económico. Pensavam Alex Tsipras e o seu ex-ministro que uma argumentação séria acabaria por chamar à razão os negociadores das "Instituições". Ficaram atónitos quando perceberam que estavam a falar para o boneco, por mais razoáveis que fossem os argumentos. Pois é, pelo que acabo de ler, BBS e RPM teriam feito a mesma figura, sem perceberem verdadeiramente quem eram os seus verdadeiros interlocutores. Os soberanismos e nacionalismos emergentes não são mais que subprodutos da selvajaria neoliberal em curso, que parece tão irreversível quanto economicamente irracional. O poder económico meteu os políticos no bolso e, pelo que vejo, arranjou forma de passar despercebido a todos os BSS e RPM. É inacreditável como gente esclarecida e bem intencionada ainda pensa que Merkel ou Passos Coelho decidem o que quer que seja em política económica. Como não ver que os donos destes "caniches" são exactamente os mesmos? A globalização é uma treta, não é? Pois...

Anónimo disse...

Este “problema alemão” talvez tenha a ver com a mediocridade da “solução europeia”.
A europa das nações defendida por muita gente não federalistas e federalistas – nacionalistas e internacionalistas, esbate-se na Floresta Negra e ou no Maciço Central.
A Rainha Vitoria utilizou bem o “aforismo” – dividir para reinar – utilizando um enigmático “soberanismo”, neste caso - o do Reino Unido. Já perceberam?
Os acólitos da Dama de Ferro fartam-se de rir…..
Se calhar o processo devia ter como titulo “ o problema inglês”! de Adelino Silva

Anónimo disse...

Quanto às virtualidadedes salvíficas do "internacionalismo soberanista", é conveniente relembrar a História. O que não faltou no início da 1ª Guerra Mundial foi gente que piamente cria que o conflito seria derrotado à nascença pela recusa dos trabalhadores europeus, irmãos de infortúnio face à exploração capitalista, em massacrarem-se uns aos outros. Apelava-se, numa palavra, ao internacionalismo proletário para que se unisse em barragem contra a forma horrendamente madura do capitalismo/colonialismo bélico dos Estados europeus. Foi o que se viu.
Retirar da actual equação a força e a efectividade da manipulação e da intoxicação das massas trabalhadoras será tão mortal para nós como outrora o foi para Jean Jaurès. Ao povo alemão foi vendida a ideia da treta de que as suas próprias dificuldades e a desestruturação do seu próprio mercado laboral foram causados pela "assistência" aos malandros do Sul. A mentira, pelo menos a julgar pelos estudos de opinião, pegou de estaca na grei alemã. A mentira foi de tal modo eficiente que convenceu até boa parte dos povos do Sul da sua verdade. Assim sendo, e em conclusão, pergunto-me: a crença nesses "soberanismos" solidários salvar-nos-á do desastre iminente ou seremos nós os "Jaurès" de agora?

Ricardo disse...

check and learn http://21stcenturywire.com/2015/06/15/dark-deals-trade-treaties-mega-corporations-and-worldwide-socialism/

Anónimo disse...

ora bolas! Sabem que mais, apetece-me é voltar ao velho Marx e dizer que a culpa disto tudo é do capitalismo, pronto! Acaba-se com o capitalismo e acaba-se com a peçonha.

Jose disse...

«um apelo a que os cidadãos lutem pelos seus direitos onde eles podem ser efectivamente exercidos»

Muito justo.

Só falta dizer que tais direitos se exercem sobre os orçamentos nacionais.

Anónimo disse...

Acabou-se o sonho dos socialistas, que pensavam que tinham dinheiro fresco, das economias mais avançadas, para torrarem.
Mas enganaram-se pois na Europa predomina a democracia.

cumps

Rui Silva

Anónimo disse...

Pre domina pois pre domina
Este silva nem sequer vê o aspecto penoso que apresenta.
"Socialistas" sabemos nós o que são . Agora utilizar o "predomínio da democracia" para excomungar os que levam ao colo a tralha para a qual contribui desta forma medíocre...é obra.
A édukação dá nisto. Pena é que sobre tanta pesporrência democrática.

Quanto aos "orçamentos nacionais"...os que são feitos pela dupla passos / portas mais a merkel como contrapeso e a banca como suporte? Incluirá a tecnoforma ou os submarinos? Ou os desfalques dos banqueiros mui amigos e prestimosos?
O ódio deste aos direitos é directamente proporcional ao seu amor pelos discursos bolorentos e pelo saque troikista.

De

Anónimo disse...

Sr.:

Como pode falar em Soberania na UE se, a Soberania de Portugal de ter moeda foi entregue de bandeja à Alemanha?????????????

A de Democracia na Europa é só para a extrema direita , direita, e 'sociais democratas'?Quem manda é, quem dinheiro-esta é a Real Democracia a que temos direito.

VocÊs não falavam mal da extinta URSS?E, agora com a UE já é bom?Da-se!!!!

E 19 economias(?) é como um camião TIR com 19(+/-1)rodas de diâmetro diferentes.

Uma nova guerra se está a preparar, com a Alemanha(sempre!)(proxy) e, vossas excelências
andam a fazer vista grossa à ganância dos 'operadores económicos' - a natureza do escorpião.

V.Excªs poderiam fazer um local de culto a tão comezinho desiderato , tipo fatima, estão a ver?


Anónimo disse...

"Mas enganaram-se pois na Europa predomina a democracia." Rui Silva


Hahahahahahahahaha!!!

Para quê Batanetes se temos o Rui Silva?!

Anónimo disse...

Sim... claro !!!
abaixo as ditaduras da Inglaterra , Suíça, França, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Mónaco, Luxemburgo, Suécia etc etc, etc ...

cumps

Rui Silva

Anónimo disse...

Confundir, caro Rui Silva, democracias institucionais com a bondade das políticas por elas prosseguidas é um exercício altamente arriscado. Algumas questões. Quando Inglaterra, França, Bélgica e Holanda massacravam e exploravam as populações das suas colónias, eram essas acções intrinsecamente criminosas ou, vindas como vinham de democracias liberais, deveriam ser tomadas como actos de exercício da democracia? Quando os bancos suiços, com a anuência do seu democrático governo, denunciavam aos nazis os seus depositantes judeus para lhes ficarem com os largos depósitos, falamos de actos criminosamente genocidas ou, tendo em atenção os democráticos agentes do crime, de acções limpamente democráticas? Quando os EUA e a UE impuseram ao Iraque um embargo que matou meio milhão de crianças iraquianas, falamos de um Holocausto infanticida ou, tratando-se os executores do embargo de sólidas democracias liberais, só poderemos apontar-lhes o legítimo exercício das suas muito democráticas liberdades governamentais pebliscitadas pelos seus respectivos povos? Agradecia que tivesse a amabilidade de esclarecer estas minhas dúvidas.

Anónimo disse...

Nem família nem um amigo nem uma alma caridosa ajuda aí o coitado do rui siva a ir estudar um pouco mais ou a deixar-se de fazer estas figuras toscas?
É cotejar o que este tipo diz sobre os sonhos dos "socialistas" e sobre a democracia na europa e depois a enumeração dos países assim a la carte numa manifestação deveras patética e ignorante da natureza dos governos dos países que cita.
Nem sequer sabe que alguns dos países nomeados nem pertencem ao euro.

Das duas uma .Ou não leu o post ou não leu o que escreveu. Há ainda uma alternativa. Não percebeu o que leu ou não percebeu o que escreveu.

Quanto à natureza dita"democrática" da europa a explicação fica para mais tarde. Porque se não compreende o bê-á-bá é inútil avançar na matéria. Resta de facto assim o riso saudável do anónimo das 10 e 43.

De

Anónimo disse...

As democracias ocidentais já pouco servem porque foram esvaziadas/ compradas por aqueles que tanto adoras, os banqueiros. O poder está no BCE e Comissão Europeia = Frankfurt/ Deutsche Bank e o FMI = banca americana, e nenhuma destas “instituições” se aplica o regime democrático!

As rasteiras do Rui Silva são tão fraquinhas, deve pensar ele que engana alguém aqui…

Continua a defender a miserabilização dos povos e vais ver o que aqueles que tanto adoras vão fazer ao que resta das depauperadas democracias ocidentais!

Anónimo disse...

O grande problema é que o "soberanismo" na Grécia nunca será o mesmo que o "soberanismo" em França ou na Alemanha...De facto, o abismo entre o referendo grego e o resultado da última cimeira demonstra que a soberania nacional dos periféricos, no âmbito da união monetária, vale de muito pouco...E o que dizer de um "soberanismo" da Frente Nacional? Estamos num impasse muito complexo...