quarta-feira, 4 de março de 2015

O ajustamento português: sucesso ou um conto de fadas?



As atenções estão todas centradas na Grécia. Mas estará Portugal realmente melhor?

Basta olhar de relance para os factos. Portugal não está num risco de bancarrota menor que o da Grécia. A dívida pública do país, situada em 124% do PIB, pode ser inferior à grega. Contudo, o défice público é apenas uma parte – mesmo que importante – do total da dívida.
Em termos agregados, a dívida global portuguesa – de 381% do PIB quando se considera também a dívida privada, das famílias e das empresas não financeiras – é bastante superior à dívida global da Grécia (286% do PIB) [ver gráfico].
Por isso, enquanto os problemas gregos se manifestam sobretudo ao nível do endividamento público, Portugal regista uma dívida excessiva nestes três sectores da economia.

Uma dívida que continua a crescer

Entretanto, a dívida portuguesa continua a aumentar a um ritmo superior ao do crescimento da economia. Entre 2008 e 2013, a dívida agregada subiu 69 pontos percentuais. Para se conseguir inverter esta diferença, seria necessário que o sector público, por si só, aumentasse a receita fiscal em cerca de 3,6% do PIB.
Considerando o estado global da economia portuguesa e os problemas de endividamento do sector privado, essa solução constitui uma missão impossível. Se fosse tentada, arrastaria a economia para uma depressão sem limites.
Perante estes factos, torna-se ainda mais surpreendente que o parlamento alemão tenha votado por unanimidade a favor da proposta portuguesa, de pagamento antecipado dos empréstimos do FMI.
Os deputados do parlamento alemão fizeram-no com agrado. Porquê? Porque no contexto das tensas negociações com o novo governo da Grécia em Bruxelas, sobre a extensão do programa grego, era importante afirmar que a abordagem europeia à crise, assente na imposição da austeridade e das reformas, está de facto a funcionar.
Para Portugal, tratou-se de um bom negócio, pois permitiu substituir a dívida do FMI, com juros próximos dos 4%, por dinheiro mais barato, obtido nos mercados financeiros. Mas o refinanciamento de Portugal nos mercados não é propriamente um sinal de sucesso das políticas europeias.
Na medida em que os credores são maioritariamente estrangeiros, Portugal não pode deixar crescer a dívida infinitamente. E também não se encontra numa situação de crescimento que permita ultrapassar o problema da dívida. Mesmo assumindo um excedente de 0,9% (como o obtido em 2013), seriam necessários 128 anos para pagar integralmente a dívida externa.

A dura realidade portuguesa

Para lá da questão da dívida, Portugal enfrenta outros desafios de peso: possui a mais baixa taxa de natalidade da zona euro e tem que lidar com um êxodo da população jovem para outros países, em regra com menores níveis de qualificações e de produtividade.
Com 9 patentes por um milhão de habitantes, Portugal revela um melhor desempenho que a Grécia (com 4 patentes por milhão de habitantes). Contudo, distancia-se significativamente de países como a Itália, com 70, ou a Alemanha, com 27. E competir com base nos preços? Essa é uma estratégia muito difícil para um país europeu com elevados níveis de endividamento.
Chego assim a duas conclusões: Primeiro, Portugal nunca reunirá condições para cumprir o serviço da dívida. Segundo, o acesso aos mercados de capitais é apenas o resultado das políticas do BCE e não do sucesso de políticas levadas a cabo internamente, à escala macro ou micro. Assim sendo, a que é que esta situação conduz?

Uma solução idêntica à da Grécia?

Até agora, o ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, é um dos poucos a solicitar abertamente financiamento directo do BCE. A sua proposta, no sentido de que o Banco Central Europeu compre e permute títulos perpétuos de dívida pública, sem juros, parece ser demasiado criativa para que possa ser amplamente aceite.
Quanto maior for o crescimento dos níveis de dívida dos Estados Membros europeus - e isto é matemática simples - mais evidente se torna que a dívida está fora de controlo. E nesse sentido a pressão sobre o BCE, para que "resolva" o problema, tornar-se-á insustentável.
Quando falam sobre a Grécia, os meios de comunicação social costumam sentenciar que a extensão do programa pelo Eurogrupo permitiu "evitar a bancarrota do país". O que é obviamente um disparate.
O que se adiou não foi a bancarrota, mas apenas a declaração oficial de bancarrota da Grécia. O momento em que a Grécia deixe de ter dinheiro não será um momento de falta temporária de liquidez (como a comunicação social supõe), mas sim a declaração oficial de um facto já conhecido.
E é importante perceber que isto também se aplica, basicamente, a Portugal.

Versão portuguesa do recente artigo de Daniel Stelter (fundador do think tank alemão Beyond the Obvious), Portugal’s Successful Turnaround? A Fairy Tale, no The Globalist.

16 comentários:

Charlie disse...

Não serve de atenuante, mas à boleira dos últimos acontecimentos mediáticos, o Passos Coelho, veio confessar que não sabe nada de nada, uma coisa que nós já sabíamos.
Poderia era ter dito exactamente o mesmo há quatro anos.
Ter-nos ia poupado uma data de sofrimento, teríamos se calhar a mesma divida, mas a EDP, a ANA, a Cimpor, a PT, os CTT, e por aí fora ainda seriam nossas, e sem empresas estratégicas, numa país sem escala, vai ser IMPOSSÍVEL sair desta armadilha para coelhos onde todos fomos enfiados....

Anónimo disse...

2ª frase do texto:
"Portugal não está num risco de bancarrota menor que o da Grécia."

Como é evidente para todos, a começar pelos investidores que compram dívida pública e que, de forma masoquista, sabem perfeitamente que vão perder o dinheiro investido mas continuam a emprestar. Tótos (como diz o meu filho de 6 anos)!

José M. Sousa disse...

Totós são os que ainda não aprenderam nada com o que se tem passado nos últimos anos!

Anónimo disse...

O risco de bancarrota é evidente.

O BCE é que manipula os mercados e os juros.

Portugal não tem um verdadeiro acesso aos mercados.

Anónimo disse...

A bancarrota instalou-se em Portugal a quando da entrada na CEE. ERAM ENTÃO PRESIDENTE DA REPUBLICA Mário Soares E PRIMEIRO MINISTRO Cavaco Silva.
Na mira de nos enfeudar eternamente nesta forma imperialista de enganar os povos
Adelino Silva

Anónimo disse...

"Portugal não está num risco de bancarrota menor que o da Grécia."
"O BCE é que manipula os mercados e os juros."

Como pessoa de bem, o Estado Português devia recusar pagar taxas de juro tão baixas ao investidores optando antes pela taxas pagas pelo Estado Grego (implícitas, porque o Estado Grego nem com manipulações de mercado por parte do BCE se consegue financiar junto dos investidores). A bancarrota é evidente por isso chega de enganar os investidores!!!

"Totós são os que ainda não aprenderam nada com o que se tem passado nos últimos anos!"

Anónimo disse...

"Portugal não está num risco de bancarrota menor que o da Grécia."

Não somos todos Gregos mas muitos de nós preferiam ser. E daqui a 4 meses ainda mais!

Carlos Sério disse...

Sem ter em conta que, a adopção das novas regras de contabilização europeia (SEC2010) conduzirá em 2015, à inclusão na dívida pública da Parpública e das suas próximas – com destaque para a célebre Parvalorem – bem como das EPE e alguns dos preciosos reguladores. O aumento daí resultante colocará a dívida nuns € 242000 M (cerca de 147% do PIB).

Anónimo disse...

Caro anónimo das 16.01

Se isso é verdade o que diz então é simples.

O BCE pode simplesmente dizer que recusa as obrigações portuguesas como colateral.

E exclui-nos do programa de QE.

Depois logo se vê o que vai acontecer aos juros.

Anónimo disse...

"O BCE pode simplesmente dizer que recusa as obrigações portuguesas como colateral.
E exclui-nos do programa de QE.
Depois logo se vê o que vai acontecer aos juros."
Aconteceria o mesmo que à Grécia: juros elevados e na prática uma exclusão do mercado. Felizmente Portugal não é a Grécia e isso não acontece (neste momento). O que não quer dizer que não venha a acontecer. Se a espiral recessiva se mantiver, por exemplo.

Anónimo disse...

"E exclui-nos do programa de QE."

A Grécia está fora do programa de QE do BCE? (sinceramente não sei)

Qual é o risco de investir na dívida de um país (emprestar-lhe dinheiro) quando o seu próprio governo defende a reestruturação da dívida (naturalmente com perdas para os investidores)?

Anónimo disse...

"Sem ter em conta que, a adopção das novas regras de contabilização europeia (SEC2010) conduzirá em 2015, à inclusão na dívida pública da Parpública e das suas próximas"

Em princípio, segundo percebo, o montante total não é alterado uma vez que essa dívida estará, neste momento, a ser contabilizada como privada (erradamente do meu ponto de vista). Essa actualização só vira tornar ainda mais claro o verdadeiro peso da dívida pública no total. É uma boa iniciativa!

Anónimo disse...

Era bom que pudéssemos consultar a fonte.....

José M. Sousa disse...

http://www.mckinsey.com/insights/economic_studies/debt_and_not_much_deleveraging

Full Report p. 106

Luís oliveira disse...

Nesta análise também não deveria entrar a divida total externa? Entendo que a dívida privada é constituída pelo sector bancário português que compra divida pública, o que faz com que não se possa acumular as 2 percentagens para obter um total. especialmente na ultima reestruturação de 2012, tenho ideia que os credores de divida publica grega são mais diversificados dificultando uma comparação justa. Se calhar devia-se comparar com Espanha em vez da Grécia.

Nuno Serra disse...

Caro Anónimo das 19h44, o gráfico apenas serve de ilustração dos valores referidos no texto pelo autor do artigo (juntando o valor da dívida pública da Grécia).