terça-feira, 10 de março de 2015

A insustentável duplicidade do ser

«O que indigna não é que o cidadão Pedro Passos Coelho não tenha feito o que devia ter feito - contribuir para a Segurança Social, já agora, convém recordar, para financiar as pensões e subsídios de quem era beneficiário à época. São sim as desculpas esfarrapadas e, acima de tudo, o moralismo indecoroso que tem caracterizado a verborreia do primeiro-ministro desde que se alçou ao cargo. Estamos perante um caso claro de dois Pedros e duas medidas. Um, o Pedro cidadão imperfeito, que implora pela nossa condescendência; outro, o Pedro que diz que "os políticos não são todos iguais" (...) ou que acusa, do púlpito de um congresso, os cidadãos que tenham uma relação relapsa com o fisco. Há, é claro, um terceiro Pedro (...) - o "Pedro chico-esperto", que nos tenta convencer que um ex-líder de uma juventude partidária poderia pensar que os trabalhadores a recibos verdes eram livres de optar por não contribuir para a Segurança Social.»

Pedro Adão e Silva, Dois Pedros duas medidas

«Não me parece que o Passos primeiro-ministro entendesse a possível ignorância do cidadão Passos sobre a obrigatoriedade de pagar à Segurança Social ou que tivesse contemplações com possíveis esquecimentos. Posso imaginar o que diria o Passos primeiro-ministro sobre alguém que, sabendo que tinha uma dívida, levou três anos para pagar. Talvez que o Passos cidadão era alguém de uma outra raça e não "de uma raça de homens que paga o que deve". E que diria o primeiro-ministro, que acha que tem de haver tanta transparência, tanta transparência, que até acha que deve ser o cidadão a provar de onde vem o dinheiro que tem (vide o seu apoio à iníqua lei do chamado enriquecimento ilícito), de um outro que recusasse dizer em que empresas trabalhou? (...) Ao Passos cidadão, homem consciente das suas imperfeições, humilde, avesso ao puritanismo, com noção de que a importância dos pecados muda com o tempo, não perdoaria o Passos Coelho primeiro-ministro.»

Pedro Marques Lopes, Pedro Piegas

«Ninguém pediu a Pedro Passos Coelho que fosse perfeito. Mas pedimos-lhe - pedimos a todos os governantes - que fosse justo e que agisse com proporcionalidade. Eu lembro-me - muita gente se lembra - do jovem estudante que entrou pela Segurança Social adentro, cortando os cabos dos computadores com um alicate, porque lhe tinham cortado a bolsa por o seu pai ter dívidas à Segurança Social. Este jovem não era um cidadão perfeito, mas foi tratado pelo sistema com uma implacabilidade que Pedro Passos Coelho rejeita para si mesmo. Mas o governo que justificou essa implacabilidade, que chegou mesmo a ter uma atitude persecutória com todos os endividados deste país - e são tantos - era e é chefiado por Pedro Passos Coelho. (...) É por isso que indigna tanto que Passos tenha para si a sensibilidade que negou aos concidadãos que governa.»

Rui Tavares, Passos juiz de si mesmo

«Não ajudou a Passos o estilo moralizador dos últimos três anos. A começar pela relação do país com os credores, sempre com a honradez na boca para fugir do debate político. E a continuar nas preleções de mestre-escola, pronto para ensinar os portugueses a viverem as suas vidas. (...) Passos trocou sempre o debate político e económico pelo debate moral, num insuportável estilo puritano e castigador. Um estilo que não o ajuda num momento em que escorrega na sua própria imperfeição. Não o vai poder voltar a ter e, como não tem outro, esse será, a partir de agora, o seu maior problema. Sobretudo quando falar da nossa dívida pública e dos nossos compromissos externos. Por fim, há a política: a maioria parlamentar que apoia Passos Coelho chumbou, uns dias antes deste caso rebentar, duas propostas do PS e do BE para suspender penhoras e vendas coercivas de casas de habitação própria permanente para pagar dívidas ao fisco.»

Daniel Oliveira, Pela boca se morre


Num quadro de total blindagem da situação política, que Cavaco Silva tratou há muito de assegurar - e a menos que surjam novos dados relevantes, na esfera do ilícito - o primeiro-ministro nunca se demitirá e não será politicamente demitido. Nem pelo presidente da República, nem pela maioria parlamentar que suporta o governo. Passos Coelho será, a seu tempo, politicamente julgado em eleições. Não tanto pela sinuosidade na sua relação contributiva com o Estado mas sobretudo a partir da duplicidade na sua relação ética com o povo.

7 comentários:

Anónimo disse...

Pede-se ao PS que, enquanto partido na oposição, esclareça o que quer para o país. E depois, quando apresenta medidas, a esfera pública dedica-se a esmiuçar a contribuição de PPC para a SS sobre todos os pontos de vista possíveis e imaginários, numa overdose interminável de análise que tudo abafa. Absolutamente desnecessária porque improdutiva ("o primeiro-ministro nunca se demitirá e não será politicamente demitido") e inútil porque a primeira notícia bastou para qualquer um perceber o que se tinha passado.
Mas percebe-se o auto-contentamento dos profissionais do comentário que concorrem para encontrar a perspectiva de análise mais sagaz, por abordar a questão esquecida, ...
Pobre PS.

Dias disse...

O perfil do homem já não engana.
Ao contrário da maior parte da juventude, sempre pareceu adepto da lei do menor esforço: andou a colar cartazes feito “jota” e concluiu uma licenciatura já bem entradote (Lusíada?)
Do seu percurso profissional, a sua passagem pelo tipo de empresas especializadas “em formação nas autarquias”, usando e abusando dos fundos comunitários à pala do Estado Português (eh eh eh, menos Estado!), nada de bom trouxe.
Só faltava agora estes episódios da fuga ao fisco e às contribuições…

O que temo é que estas eleições se percam na espuma dos dias, que efectivamente nada se discuta que valha a pena, e que se continue a não vislumbrar uma luz ao fundo do túnel, uma vida.

Jose disse...

Toda esta cambada se sustenta nos seguintes sofismas:
- Não é direito de cada um organizar a sua reforma como bem entenda; o Estado diz-lhe ao pormenor o que deve fazer.
- Sempre as reformas são em elevado excesso sobre a capitalização dos descontos pelo que o que é seguro é fazer pagar quem trabalha para afastar o colapso para o mais tarde possivel.
Declaração de interesses: sempre planeei um reforma pequena, a ponto de ser intocável; só passei recibos verdes enquanto estes me garantiram baixo risco de ter de fazer descontos; fui bem sucedido.
-

Susana disse...

Vale a pena ver comentário do Pedro Mexia, a partir do minuto 13:30: https://www.youtube.com/watch?v=rC1czLvua2A

Anónimo disse...

Jose
Como tu não percebes o óbvio (e não percebes porque és duma extrema desonestidade intelectual típica de sabujos)eu passo-te a explicar
o que está em causa nesta situação não é se o sistema é justo ou não ou se tu gostas ou não mas sim da dualidade do coelhinho e do padrão comportamental exigível a um primeiro ministro...simples o suficiente para perceberes ou queres que faça um desenho em nome da "cambada" ?

meirelesportuense disse...

O que é de modo nenhum inaceitável é a argumentação utilizada.
O "Não Tinha Conhecimento que Deveria Pagar" ou "Não Tinha Dinheiro para poder Pagar", são entre si tão contraditórios e reveladores que a mentira tem a perna muito curta.
Se não sabia que deveria pagar -o que ninguém de boa-fé acredita- até pode aceitar-se que tenha sucedido, por exemplo, num atraso num determinado ano -por um esquecimento momentâneo-, mas fazê-lo sistemáticamente durante anos a fio, é de tal forma estúpidamente gritante, que não é desculpável...Não ter dinheiro para pagar as obrigações, também não pode colher, porque não falamos de alguém que ganhava 500 ou 600 Euros mensais, mas sim, de quem auferia rendimentos da ordem dos vários (6/7) milhares de Euros por mês...Isto mais do envergonhar o próprio cidadão relapso, envergonha sobretudo as pessoas que lhe são mais chegadas afectivamente...

meirelesportuense disse...

Como se percebe pelos argumentos aduzidos pelo "Zé" -tipo corrente do porTuga- só cumpriam as suas obrigações fiscais na íntegra, os Funcionários Públicos ou quem trabalhando para terceiros, declarava o que efectivamente ganhava e foram, exactamente esses, os cumpridores para com o Estado Português, os mais perseguidos por este Governo ao longo destes 4 anos de austeridade. Daí esta assumpção de "não perfeição" por parte do primeiro-ministro ser +que suficiente para o Zé porTuga corrente...Aliás, ainda hoje o Lobo Xavier, escorregou a quase confessar que tal como o "outro", ele também não cumpriu sempre as suas obrigações Fiscais e até achou com alguma passividade e ironia, que deve ser considerado neste momento, pelas Finanças, como um Cidadão de Alto Risco(?)...Esclarecedor.
Daí esta aparente candura, dos maiores Partidos da Composição do Parlamento, no tratamento desta questão.