Recusai pensar como um certo tipo de economista dominante. Só assim dareis as respostas mais óbvias às perguntas mais reacionárias sobre necessidades sociais vitais e que devem ser coletivamente assumidas.
Os economistas convencionais gostam de alardear, como suprassumo da sofisticação, uma definição histórica e institucionalmente vazia de Lionel Robbins, de 1935, relacionando necessidades supostamente ilimitadas, recursos supostamente escassos e escolhas supostamente racionais.
A partir desta definição chegam a uma noção de eficiência inventada por um fascista chamado Vilfredo Pareto para bloquear a igualdade. É inaplicável, até porque está dependente de uma alocação prévia de direitos e de obrigações que fica necessariamente por avaliar e de pressupostos heróicos. Depois, é só andar com a idiota análise custo-benefício para cá e para lá.
Muitos papagueiam a definição de economia de Robbins, como se dissesse alguma coisa de significativo. As economias substantivas realmente existentes são outra coisa. São processos de institucionalização, histórica e geograficamente situados, escolhas sociais acerca de mecanismos de coordenação, critérios contestados no acesso a bens sociais, relações sociais de produção e de reprodução, determinando quem se apropria do quê e porquê, o que podemos ser e fazer com as nossas vidas, quem tem liberdade e quem está exposto a essa liberdade, etc.
Nem necessidade, nem escassez, nem racionalidade são apropriadamente definidas no cânone neoclássico. Vale todo o relativismo, que disfarça mal a opção antissocialista dominante, profundamente normativa: o utilitarismo mais rasteiro é o refúgio filosófico dos que se dizem rigorosos. E dizem-se também isentos de valores, o topete. E assim têm sido deseducadas gerações de estudantes de economia. Sim, os economistas são menos cooperativos, devido a este ensino.
Felizmente, a evidência empírica cada vez mais avassaladora mostra as vantagens absolutamente cruciais da socialização precoce das crianças fora do círculo familiar estreito, por exemplo em termos do seu desenvolvimento cognitivo e logo moral. Mas o homo economicus não nasce, não se desenvolve, não tem vulnerabilidades. Já aí está, já aí esteve, já aí estará, para todo o sempre, para ocultar todo o sadismo social.
Os humanos são outra coisa. Fazem o melhor de que são capazes, de facto, mas nas circunstâncias que são as suas, sendo o dever da ação coletiva humanizar essas circunstâncias e desenvolver aquelas capacidades. O centro de tudo é a instituição, na definição dada por John Commons e que cito de memória: “ação coletiva que liberta, constrange e formata a ação individual”.
Entretanto, o acesso universal e gratuito às creches, a sua massificação, é uma necessidade social, com um preço socializado, através de impostos, como toda a gente deve poder constatar, incluindo a partir do exemplo dos países que foram à frente, com vantagens também de género, quer no alívio do “altruísmo imposto” às mulheres, quer na geração de emprego feminino. Sim, o Estado social universal é o melhor que aconteceu à igualdade de género e de classe.
Se houver necessidades vitais por satisfazer, deve haver racionamento assumido, e como Amartya Sen elogiou o que foi instituído na Segunda Guerra Mundial no Reino Unido, com listas de espera, neste caso, e mecanismos de voz para que estas sejam eliminadas tão rapidamente quanto possível. É bem melhor do que o silencioso e socialmente enviesado racionamento pela carteira.
Os economistas convencionais só procuram complicar para ofuscar. Ignorai-os, que eles hoje em dia ignoram tanto do que importa.
Pelo menos, Robbins era claro no seu antissocialismo visceral nos anos 1930. Havia ali uma honestidade que era função da época. A seguir à Segunda Guerra Mundial, Robbins lá assentou, rompeu com Hayek e aproximou-se intelectualmente de Keynes, advogando a massificação, de resto bem-sucedida, do ensino superior no seu país, atentai.
Ricardo Reis, apoiante das direitas, ocupa a cátedra com o nome de Robbins na LSE, Oh My God, e não tem hoje “incentivos” para tal evolução. Apoucar os trabalhadores pobres e o Estado social é vantajoso, sabemo-lo há muito e por isso temo-lo criticado com denodo neste blogue e para lá dele.
2 comentários:
"A partir desta definição chegam a uma noção de eficiência inventada por um fascista chamado Vilfredo Pareto para bloquear a igualdade."
Esta frase fica mais estranha quando sabemos que o mesmo Pareto criou o que ainda hoje é um instrumento importantíssimo para se medir a (des)igualdade: a curva de Pareto.
Deve estar a confundir com o Coeficiente de Gini. Pareto inventou a curva dos limites de produção.
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