terça-feira, 6 de agosto de 2024

Ligeireza jornalística e um topete descomunal

Numa «notícia» assinada por Cynthia Valente, mas que acaba por ser, na verdade, tempo de antena concedido a Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da AEEP (Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo), o Diário de Notícias assinala, citando dados da DGEEC, que «um quarto dos alunos do Ensino Secundário frequenta o ensino privado». Do início ao fim da peça, o objetivo é claro: alimentar a ideia de que o privado tem vindo a ganhar terreno em termos de alunos inscritos, em resultado da sua maior qualidade face ao ensino ministrado na escola pública.

Sucede, porém - e o DN deveria ser o primeiro a constatá-lo -, que o ensino privado apenas tem crescido nas ofertas profissionalizantes, asseguradas por financiamento público (Ensino Profissional, Cursos EFA, Cursos de Aprendizagem, RVCC, etc.). De facto, quando se analisa a evolução dos inscritos em oferta não subsidiada (essencialmente cursos científico-humanísticos), constata-se que o número de alunos quase não se alterou na última década, passando de cerca de 26 mil em 2010/11 para 27 mil em 2022/23 (apenas 7% do total), tendo aliás perdido relevância face a 2015, tanto em termos absolutos como relativos.


Por outras palavras, o alegado acréscimo de atratividade do ensino privado não resulta de um qualquer «mérito próprio» do setor - como se pretende fazer crer - antes constituindo a expressão da aposta de política educativa no reforço das vias profissionalizantes, que se concretiza, em grande medida e por opção política, através das escolas privadas, financiadas pelo Estado para esse efeito e com esse objetivo. De facto, dos 25% de alunos que frequentavam em 2022/23 o ensino secundário em escolas privadas, a maior parcela - e que é a que tem aumentado (atingindo 18%) - corresponde a este tipo de oferta, assegurada por recursos públicos.

Nada disto, vejam bem, impede Rodrigo Queiroz e Melo de dizer que «o secundário sempre foi uma área forte do privado, mas a subida tem sido sempre bastante real em todos os ciclos», acrescentando - perante uma jornalista que se imagina estar apenas a segurar o microfone -, que «se o sistema de ensino público funcionasse bem, o privado não teria uma percentagem tão grande de alunos». Como se não bastasse, o diretor executivo da AEEP refere ainda a maior «competitividade no acesso ao ensino superior» para explicar o alegado aumento de alunos no privado, numa provável alusão às práticas de inflação de notas, que têm realmente, aqui sim - sejamos justos -, clara prevalência no setor que Queiroz e Melo representa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Trata da vida, como todos. O que ele queria era um bom contrato de associação.

José Cristóvão disse...

Mais uma vez se prova: a abolição, em vez da valorização, do ensino técnico após o 25 de Abril foi um erro tremendo, independentemente das justificações para tal ideia. Agora, o "novo ensino técnico" - desta chamado ensino profissional - é um maná para os privados...