No debate sobre a concentração de serviços de obstetrícia como solução para as intermitências de funcionamento em períodos críticos (meses de verão e quadra natalícia), e aludindo à reorganização da rede de maternidades promovida por Correia de Campos, tem sido defendido (ver por exemplo aqui ou aqui) ser esta a estratégia a adotar, dando nota dos obstáculos políticos (relacionados com a oposição à medida por parte de autarcas e deputados dos círculos eleitorais em questão), inerentes a essa abordagem.
Sucede, contudo, que os fundamentos em que assentou a reorganização da rede de maternidades em 2006/07 são bem distintos daqueles em que se baseia a atual proposta de concentração de serviços. O que estava em causa no tempo do ministro Correia de Campos, para lá da racionalização da despesa, era a necessidade de garantir, em territórios em declínio demográfico, um volume e diversidade de situações que assegurassem a «massa crítica» necessária à própria qualidade da resposta. Hoje, distintamente, o que está em causa é apenas a falta de recursos humanos para garantir o regular funcionamento destes serviços do SNS na região de Lisboa e Vale do Tejo, que é tudo menos desertificada.
Por outro lado, o que se constata é que os privados têm vindo, paulatinamente, a realizar uma proporção cada vez maior de partos (de 6,2% para 17,2% do total, entre 1999 e 2022), estimando-se, de acordo com a Ordem dos Médicos, que mais de 40% do total de ginecologistas e obstetras trabalhem no setor privado, sendo que na Grande Lisboa, cerca de 50% dos obstetras apenas trabalha no privado.
Muito mais que uma questão de reorganização e concentração dos serviços, a questão de fundo é pois, por isso, a da capacidade de reter e atrair novos profissionais para o SNS, travando a sua fuga para um setor privado em expansão. Um setor privado que é incapaz de cumprir plenamente princípios de política pública, como demonstra a prática de transferência de situações clínicas mais complexas para o SNS ou o excesso de recurso a cesarianas (65% do total de partos no privado em 2022, que comparam com os 32% registados no SNS, segundo a Pordata).
Não se espere, contudo, que o atual governo dê passos no caminho necessário, de fixação e atração de novos profissionais de ginecologia e obstetrícia para o SNS. Pelo contrário, não só o atual executivo propiciou uma situação ainda mais crítica no verão de 2024, face a 2023, como as medidas que já adotou e pretende adotar - nomeadamente no Plano de Emergência e Transformação na Saúde - vão no sentido de um reforço significativo do recurso ao setor privado, alimentando-o assim com um volume cada vez maior de recursos públicos.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Curiosa a defesa de Correia de Campos. Eu que pensava que ele é que, com muito blablabla, tinha iniciado a festa das maternidades. Sempre a bem do cidadão, mais eficaz, melhor qualidade et patati patata...
«caminho necessário, de fixação e atração de novos profissionais de ginecologia e obstetrícia para o SNS»
Mais dinheiro!
E logo o berreiro das tabelas, equiparações, confabulações ... e não há que chegue.
Que se saiba muito pouca gente será contra os hospitais privados. Uma coisa, porém, é certa a saúde, hoje mais do nunca, assume-se como um dos negócios mais lucrativos de sempre - logo atrás do das armas, das drogas e outros quejandos. Por isso mesmo é que, também mais hoje do que nunca, se torna necessário não só não deixar cair o SNS (o que seria uma desgraça para o país...), mas também melhorá-lo substancialmente de forma a que toda a classe média e não só não abandone o SNS. Para isso deverá bastar lorganização e lembrar aos médicos do seu dever perante a sociedade que os ajudou a formar-se.
Concordo inteiramente com o Jose: a competicao entre provisionamento publico e provisioamento privado de saude nao faz sentido. A bem mais economica e melhor opcao para a sociedade e mesmo abolir o sector privado.
Enviar um comentário