domingo, 16 de julho de 2023

A ideologia económica de Ricardo Reis foi revelada?


Ricardo Reis (RR) afirmou recentemente que «os salários acompanham a produtividade». Trata-se de uma ideia falsa, desmentida pelos factos.

Quando primeiro lho dissemos, bloqueou-nos

Agora, em nova liça na sua coluna no Expresso, e sem nunca nos nomear, ao invés de reconhecer o problema que apontámos, RR atira para canto: «há muitos conceitos diferentes de produtividade». 

Se é verdade que há diferentes conceitos de produtividade, também me parece ser verdade que RR desconversa e que, ao contrário de Jesus Caraça, receia o erro. Porque será? 

A medida que usei para contrariar a afirmação de RR pode ser obtida diretamente na Ameco extraindo a série RVGDE que traz consigo a definição de “PIB por pessoa empregada, a preços constantes”, ou seja, PIB nominal descontado de inflação e dividido pelo número de trabalhadores que o produziram. Deve ser, talvez, a série mais usada por quem se dedica, académica ou profissionalmente, a estudar Economia. 

Digamos que é “apenas”, a título de exemplo, a variável usada em 2013 por Mario Draghi, quando este tentou, com um êxito que quem vive do seu trabalho não merecia, evangelizar a zona euro com a ideia de que as reformas ditas estruturais e a moderação salarial são o caminho para o sucesso, enquanto a alegada ‘rigidez estrutural’ e os sindicatos conduzem ao fracasso. 

De facto, se os salários reais aumentam na mesma proporção da produtividade, as percentagens dos salários e dos lucros no rendimento nacional permanecerão constantes. 

Se. 

Ao contrário do que leio nas afirmações de RR, nada há neste processo que possa assemelhar-se a uma imutável lei económica que, no médio longo prazo, acaba sempre por se materializar. 

A verdade é que depende. Se os salários reais aumentam, ou não, na mesma proporção da produtividade, depende da forma como evolui o conflito distributivo, da força relativa objetiva dos seus atores e da sua determinação volitiva, das circunstâncias políticas e institucionais. 

Depende disto e pouco, ou nada, da fórmula económica que postula que os salários reais são iguais à produtividade marginal do trabalho. Pode ser uma surpresa para alguns, mas há, de facto, economia para lá dos manuais convencionais.


Assim sendo, quando o crescimento dos salários nominais acompanha apenas o crescimento da produtividade (sem considerar adicionalmente a inflação) – era este o modelo sugerido pelo então Presidente do BCE – a percentagem dos rendimentos salariais na riqueza nacional diminui. 

Comparando o que não é comparável - variáveis nominais e reais – o embuste histórico que Draghi nos ofereceu contribuiu para fornecer uma legitimidade alegadamente ´técnica´ à repressão salarial que tem pautado a austeritária política de rendimentos em toda a zona euro e especialmente na periferia. 


Com um truque, exibindo do alto da sua posição de poder no BCE o gráfico acima, que compara a evolução da compensação nominal por trabalhador (nominal que, significativamente, não explicita) com PIB real por trabalhador (produtividade), Draghi ajudou a criar a narrativa que justificou e justifica os salários baixos, alimentando assim a ideia errada de que as remunerações não sobem mais porque estão a subir, como devem, ao ritmo da produtividade. 

Draghi não se sujeitou à lei económica enunciada por RR. Não. Ao contrário, Draghi, ilustrou pela enésima vez a lição fundamental da economia política: “as leis naturais da economia, que parecem existir em virtude da sua própria eficiência, não são na realidade senão projeções de relações sociais de poder que se apresentam ideologicamente como necessidades técnicas”. 

Sem ilusionismos, contudo, se o economista doutorado no MIT tivesse comparado o comparável, o gráfico seria outro (o gráfico abaixo).

Não, os salários não acompanham o crescimento do PIB. Para lá da pseudo complexidade propositadamente manufaturada por estes economistas, há boas pistas para perceber porquê. É unir os pontos


É neste contexto que RR insiste no erro. Deslocando o horizonte para um futuro de médio e longo prazo, reafirma-nos agora que “o motor dos salários agregados é a produtividade”. Só que, como vimos anteriormente, não tem sido assim

Se os salários reais tivessem acompanhado a produtividade, a parcela de riqueza que remunera o trabalho tinha-se mantido constante. 

No entanto, repare-se que, se em 1999 (início do Euro), aquela parcela de PIB que remunerava o trabalho se situava em 60%, no ano de 2016 já só representava 51%. E no final de 2022, seis anos mais tarde e depois de uma muito tímida recuperação, situa-se ainda nuns recuados e socialmente injustos 53%. 

Comentando o episódio dos slides de Mario Draghi, Andrew Watts perguntava-se se a ideologia económica de Mario Draghi tinha sido revelada. Faço minha a sua interrogação. 

Todos os economistas são normativos e políticos e isso, à partida, não significa necessariamente que a sua objetividade esteja comprometida. Apresentar escolhas legitimas, mas normativas, como técnicas, isso, sim, é contrabandear ciência. A ideologia de Ricardo Reis foi revelada

1 comentário:

Lowlander disse...

Ricardo Reis… o que previu em Agosto de 2007 que a crise financeira global estava para acabar num mesito…