Não é claro, por agora, para muitos, que as lutas pela gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou do ensino superior sejam lutas pela liberdade. Mas são. Levar o combate pela liberdade às zonas sacrificiais e às pessoas sacrificadas pelo ultraliberalismo, forçando os cães de guarda de uma liberdade mirrada a defender-se, implica uma clarificação. O apego colectivo que continuamos a ter aos grandes projectos de libertação civilizacional, como o SNS ou a Segurança Social — malgrado a sua incompletude, os seus defeitos, as suas ineficiências — mostram como esses projectos só podem ser vistos como armas de servidão por blocos históricos concentrados em impedir que a liberdade seja um bem verdadeiramente comum.
Luís Bernardo, Ocupar a liberdade e ganhar o tempo, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Dezembro de 2021.
A disputa pela contestada palavra liberdade é, com toda a clareza, central neste jornal. Um dos objectivos é realmente furtá-la aos liberais que a diminuem socialmente. Para isso, é necessário levá-la para as relações de propriedade, para os locais onde se trabalha ou para os sistemas cruciais, como o da saúde, onde se decidem muitos formas de liberdade, de poder ser e fazer.
Entretanto, neste número temos dois contributos importantes de membros deste blogue: em linha com a sua recente investigação sobre função social da propriedade na habitação, Ana Santos expõe o estado a que chegámos em Portugal, graças ao proprietarismo, e apresenta alternativas; em linha com a sua investigação sobre política orçamental e efeitos multiplicadores bem positivos para o crescimento, Vicente Ferreira denuncia as consequências nefastas do duradouro atrofiamento do investimento público neste país, devido à perversa austeridade.
Mas há mais e sobre a área decisiva para a liberdade e igualdade, a das relações laborais: a socióloga de combate, Maria da Paz Campos Lima, expõe as consequências para a negociação colectiva da herança por reverter da troika e o Presidente da FNAM alerta para os perigos que o SNS corre com a desvalorização do trabalho médico, num contexto tão exigente quanto o actual.
Não posso acabar sem a exposição, por Luís Fazendeiro, do espectáculo mediático em torno da COP26, dado que as alterações climáticas são uma das grandes ameaças às liberdades bem entendidas. Uma passagem para abrir o apetite:
“Quanto ao circo mediático, em torno destas cimeiras anuais, citamos Guy Debord e a sua obra já clássica: ‘O espectáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que não expressa mais do que o seu desejo de dormir’. Por trás deste mau sonho maufacturado diariamente pela comunicação social esconde-se a realidade da crise climática, que não vai desaparecer ou sequer atenuar-se tão cedo, por razões que se prendem com as leis da física e da química.”
Boas leituras no papel de sempre ou num mundo digital transformado a partir de segunda-feira...
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