Seguindo as pegadas de Emmanuel Macron, o Presidente da República anunciou na última quinta-feira que vai condecorar a ex-chanceler da Alemanha «pela sua extraordinária contribuição para a União Europeia, desbravando novos caminhos de construção de solidariedade, bem-estar e diálogo entre os Estados-membros, para o bem dos povos da Europa e para além, num quadro de multilateralismo activo». Não fosse Marcelo o Presidente de Portugal e diríamos que não sabia nada do que foi a vida dos portugueses quando confrontados com o estrangulamento da política económica da União Europeia com a liderança alemã (...) Ao contrário do que diz Marcelo, a actuação de Merkel não se pautou pela solidariedade porque não é de solidariedade que se constrói o projecto anti-democrático do euro.
Excertos de um editorial do AbrilAbril. Até parece que Marcelo não sabe nada do que foi e é a vida de muitos portugueses, a vida num dos países desenvolvidos que menor resposta orçamental, em percentagem do PIB, deu no contexto da pandemia, por exemplo.
E, realmente, Merkel só foi solidária com os interesses do partido exportador alemão, o que sabe que trancou muitos dos seus competidores numa moeda sobrevalorizada, mas menos forte do que seria uma moeda alemã na ausência do euro. Daí a sua postura conservadora, a de que é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma, mas só depois de vitórias políticas e transformações institucionais decisivas durante a troika.
A neoliberalização conhecida nesta periferia, cada vez mais longe do centro, mas com elites que se imaginam cada vez mais perto, das privatizações à retirada de direitos laborais, foi ajudada pela pressão externa, o famoso vínculo externo indissociável do euro. Merkel foi o seu principal e mais competente rosto político.
Quase três quartos dos jovens trabalhadores portugueses ganham menos de 950 euros por mês e um terço pensa emigrar, força de trabalho certamente apreciada na Alemanha. Os alemães podem entretanto reformar-se ou passar férias numa versão europeia da Flórida, relativamente barata e com muito menos pântanos.
Sobram umas vitaminas condicionadas e a política do BCE, que decidiu por enquanto aproximar-se de um Banco Central, controlando o preço da dívida denominada na sua moeda, expondo retrospectivamente a natureza fabricada da mal-chamada crise das dívidas soberanas, que nem foi de dívida pública, nem esta era soberana. É um poder sem o controlo democrático que um Banco de Portugal pode ter na nossa escala, em função dos interesses da maioria. Estes dispositivos têm por função política manter o complacente europeísmo de tantos partidos, garantindo a ausência de alternativas.
Eles sabem muito bem porque condecoram gente desta.
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