A originalidade recorrente não é virtuosa, até porque não é verdadeira. Há uma fórmula pessimista dum estratego republicano, citado pela The Economist há uns anos atrás, no tempo de Bush, que convém não ser esquecida: “Dizes a coisa uma vez, repete-la vezes sem conta e quando estás mesmo, mas mesmo, farto de a repetir, então as pessoas começam a reparar pela primeira vez.”
O Paulo Coimbra e eu estamos a escrever um artigo sobre o possível regresso da economia da idade das trevas, que vai sair no próximo Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Estamos mesmo convencidos que vamos ter de repetir coisas destas até nos fartarmos nos próximos tempos:
A taxa de juro pode e deve ser controlada diretamente pelas autoridades: o seu valor pode e deve ser o mesmo da taxa de desemprego que se deve almejar, ou seja, tendencial e duradouramente nulo. Os credores não gostam de tal política, mas não há melhor para os devedores, os que investem e enfrentam a incerteza.
Para resolver os eventuais problemas reais subjacentes à inflação, a política monetária não tem qualquer serventia directa. Aliás, a política monetária só serve eventualmente para jugular de forma rude algumas formas de que os processos inflacionários se revestem, através de mecanismos tão reais quanto evitáveis, dados os grupos sociais atingidos: quebra do investimento e da procura em geral e aumento do desemprego. Pode até acontecer que a elevação do custo do crédito, um dos principais fardos para as empresas e que estas podem eventualmente passar para jusante, tenha efeitos perversos ao nível da inflação.
Hoje em dia, no campo da procura, a questão é mais de mudança do seu perfil do que de qualquer pressão macroeconómica, até porque estamos longe de ter recuperado da crise pandémica e dos correspondentes efeitos negativos na capacidade produtiva instalada que está a ser utilizada em demasiados setores. As respostas têm de ser mais finas e delicadas, setoriais, de resto como a pressão nos preços.
Assim, se queremos atenuar a especulação e os seus impactos deletérios em tantos setores, instituamos mecanismos regulatórios e fiscais adequados: dos controlos de capitais à direcção do crédito, passando por uma fiscalidade mais assertiva, por exemplo em relação a mais-valias mobiliárias e imobiliárias ou ao consumo conspícuo. E construamos habitação pública a sério, a preços controlados.
Se queremos ter menos perturbações nas cadeias de valor, então desglobalizemos, confiando em cadeias mais curtas e territorialmente mais ancoradas, através de uma política industrial adequada.
Se queremos ter energia mais barata, então controlemos publicamente este sistema de provisão e os preços e invistamos maciçamente nas energias renováveis.
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