segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

A TAP, o HUB de Lisboa e a relevância da nacionalidade do capital


O ministro Pedro Nuno Santos tem assinalado que a única forma de garantir o HUB de aviação em Lisboa passava por assegurar a propriedade pública da TAP. E tem toda a razão. Quem pensa o contrário tem uma visão ingénua e desajustada da realidade.

Porque, sobre a relevância da nacionalidade do capital para o desenvolvimento de uma economia soberana, existem, lato senso, duas perspetivas.

A primeira é a das elites convertidas ao pensamento neoliberal nos países periféricos, ingenuamente convencidas que a nacionalidade do capital é invariante ao potencial das estratégias de desenvolviemnto. Tudo se resume a alocar o capital de forma mais eficiente à escala internacional e a constranger ao máximo a ação do Estado dentro de portas.

A segunda é a da realidade. A que explica, por exemplo, parte relevante das tendências nas relações internacionais. Como o motivo pelo qual existem tensões crescentes entre as empresas tecnológicas norte-americanas e chinesas (não, não tem só a ver com espionagem) ou o motivo pelo qual a Alemanha (e, por extensão, a União Europeia) é um dos países que mais se opõe à quebra das patente das vacinas contra a COVID-19 - porque viu a Biontech, uma empresa farmacéutica alemã, passar de uma pequena empresa em ascensão, para uma empresa com uma faturação de dezenas de biliões de dólares).

A mesma realidade que deixa ainda claro que, nas atuais cadeias de valor global, a nacionalidade da empresa conta no que respeita à maior apropriação do valor acrescentado. E, finalmente, pequeno detalhe, a maioria dos processos de desenvolvimento nacional com sucesso no último século implicaram a criação de empresas nacionais com capacidade de afirmação à escala internacional.

Nem tudo o que é bom para o desenvolvimento tem de ser lucrativo no curto-prazo. Na maioria das vezes, não é. É exatamente essa disponibilidade de "capital paciente" que o Estado pode injetar até que a TAP ganhe competitividade à escala internacional que torna esta uma estratégia de desenvolvimento decisiva.

Isto não significa advogar que toda a gestão pública é boa. É consensual obsevar que parte da gestão passada da TAP sob controlo público teve decisões erradas. O que se pretende aqui argumentar é que a gestão privada não é garantia de correção desses erros. E ainda que, o aspeto mais relevante, o controlo nacional e público tem um potencial de delineamento estratégico e centralidade nacional  que a gestão privada não assegura. Cabe a todos nós, a partir daqui, exigir que a gestão do que é todos se paute pelos mais criteriosos parâmetros de gestão do setor, onde a transparência na decisão sobre os recursos que são comuns é uma componente necessária e essencial.

5 comentários:

Jaime Santos disse...

Nem a gestão pública nem a gestão privada dão à priori garantias de qualidade, porque os gestores públicos e privados são homens e mulheres feitos do mesmo barro e sujeitos aos mesmos vícios. Incompetência, preguiça, estupidez, venalidade, existem no público e no privado. E o pior vício será esperar que um ou outro tipo de gestão pode servir por si só de profilático contra tais escolhos...

Na verdade, Nuno Santos disse que quer a TAP participada por um grande grupo internacional de aviação e não por um qualquer fundo de investimento, o que parece ser de um extremo bom-senso. Deixe-se que quem tem experiência e provas dadas no sector a gira, mas que não seja um qualquer Neeleman de vão de escada. A recapitalização da empresa se encarregará de a tornar mais atrativa para os investidores adequados.

Outro aspecto positivo salientado por Nuno Santos foi a ausência de prazos impostos pela UE para uma eventual venda, algo que depreciaria sempre o valor da empresa, assim como a preservação do hub de Lisboa, mais importante que a própria companhia, mas em relação ao qual apenas ela pode garantir a sobrevivência.

Que o Estado mantenha uma participação que lhe permita ter uma palavra a dizer, já que poderá sempre ser chamado a intervir em caso de uma nova crise, mas que não fiquemos agarrados à ideia de um qualquer Estado Estratega.

O Estado deve concentrar os seus recursos na provisão de bens públicos de qualidade e no controle dos monopólios naturais (aeroportos, redes elétricas, linhas de caminho de ferro, correios) e deixe o resto para os privados assegurando boa regulação...

Os exemplos atuais de capitalismo de Estado são tudo menos recomendáveis... Os antigos faliram todos...

Jose disse...

O que verdadeiramente garantiria o hub em lisboa era ter um aeroporto verdadeiramente atrativo para esse efeito; sendo isso matéria de decisão pública arrasta-se miseravelmente há mais anos do que é razoável esperar.

No Porto, a TAP tornou-se marginal, e o crescimento foi notável.

Anónimo disse...

Essa de o Estado não dever ter estratégia (logo, não ter palavra a dizer!) mas que possa (e deva!) "ser chamado a intervir em caso de crise" é todo um programa...

Anónimo disse...

Um grande problema desta solução para a TAP é que ela se deve e depende exclusivamente do entusiasmo, perseverança,... de um único homem providencial: o ministro Pedro Nuno Santos. Há, claro, muitos outros que apoiam e concordam com a solução. Mas no dia em que o ministro Pedro Nuno Santos deixar de tutelar a TAP, desaparece o entusiasmo e perseverança necessários a ultrapassar novas dificuldades e obstáculos. Mesmo que a tutela se mantenha no PS. E a gestão da coisa pública nunca devia depender de um homem providencial.

Anónimo disse...

O poder de Pedro Nuno Santos não emana da Providência, emana do Soberano; quem o pôs a ministro foram os representantes do povo, eleitos em sufrágio.