domingo, 19 de dezembro de 2021

Querido diário - quando a política seguida gerava maiores dificuldades


Jornal Público, 19/12/2011

É um argumento recorrente quando a esquerda critica a política de austeridade seguida pelo Governo PS desde o 2º trimestre de 2010 e pelo Governo PSD/CDS  desde o meados de 2011. Os deputados à direita gritam-no a toda a hora. Ainda noutro dia, por exemplo, Helena Matos raivosa o agitou num debate televisivo com o Fernando Medina.

"Ah mas foi a política de despesa pública que criou a bancarrota e tornou necessária a política de austeridade". 

Não. Nada disso é verdade. E é incrível como se vão repetindo ideias feitas porque dá jeito.

 

Primeiro, a dita "bancarrota" resultou, primeiro, da crise do euro que, desde a sua criação, montou um sistema coxo que não compensa a transferência de rendimento dos países mais pobres para os mais ricos, fruto de se ter criado uma moeda única que é fortemente apreciada para os países pobres e depreciada para os países ricos. Até o perigoso radical de esquerda Vítor Bento acha que a coisa não está de feição para Portugal... desde 2000. Um enquadramento que afunilou a actividade económica para sectores protegidos da concorrência internacional, aprofundando a dependência externa e agravando os défices externos.     

Segundo, os desequilíbrios nos mercados financeiros - a quem os Estados têm, por obrigação ideológica, de recorrer (afastando a emissão ou criação monetária soberana) - geraram-se por força desses desequilíbrios externos - mais do que força da situação orçamental dos países - e porque o BCE os deixou desregulados. Desde que o BCE tudo fez para segurar as taxas de juro, a crise desapareceu, tal como as razões da "bancarrota". Mesmo com níveis bem mais pronunciados de despesa pública durante a pandemia, a "bancarrota" não apareceu...  

Terceiro. Face a uma situação de desequilíbrio recessivo - como o criado pela crise económica internacional de 2007/2009 - haveria várias opções. Há sempre várias opções e não uma única solução.  Uma, a mais clássica, aquela que foi adoptada desde a Grande Depressão de 1929, considerava que havia uma rarefacção da procura e colocava o Estado a fomentar a procura interna rarefeita. Aliás, foi o que foi feito, em parte, agora com a pandemia. A outra, ideologicamente enviesada,  diagnosticava que a crise era motivada por Portugal ter um problema de oferta face à concorrência internacional, em que o Estado - pelo seu nível de despesa e dívida público - estava a puxar o país para o fundo, pelo que a terapia passava pela redução da despesa e da dívida pública, libertando recursos para apoiar as empresas e adoptando políticas de corte de custos salariais e maior desemprego para forçar a baixa dos salários médios. Essa política de forte austeridade - discutível dado que a dívida pública era bem menor que a dívida privada fomentada pelo crédito bancário e obrigava a um extremo aperto da despesa pública para o compensar - gerou um rombo da procura interna que aprofundou os efeitos da crise internacional. O desemprego em sentido lato chegou aos 25% da população ativa ajustada!  

A própria troica teve de ajustar a sua terapia e fomentar mais a procura interna. 

E foi essa política - mais moderada, mas seguida desde aí, mesmo com o PS - que condicionou ainda fortemente a progressão salarial desde então. Em parte, essa asfixia salarial impede a prazo investimentos na produtividade e, com ele, o surgimento dos défices externos. Mas não é solução. 

Se agora Poiares Maduro, Carlos Moedas, Paulo Rangel e Rui Rio vociferam contra os baixos salários - bem vindos ao clube! - ainda não querem entender quais as suas causas. E - como só o PSD é capaz - continuam a defender políticas que - não atacando as raízes - vão, mais uma vez, condicionar a subida dos salários e dificultar a convergência com a UE. 

O discurso de Rui Rio de encerramento do 39º Congresso do PSD não ajudou à solução do problema. Misturou sintomas com casos, apontou alguns casos reais de má gestão pública (Novo Banco, por eemplo), falou dos salários baixos, mas falhou no diagnóstico do problema nacional e estabeleceu estranha - para não dizer perigosa - uma causalidade entre o elevado nível dos impostos, os apoios sociais e os baixos salários. 

Enquanto não se entender as causas do problema, andaremos a repetir a História, mas em níveis cada vez  mais gravosos. 

1 comentário:

Anónimo disse...

O PS e o PSD não assumem as causas do problema porque não querem ser responsáveis por tudo de mal que tem sido feito neste país, concretamente aos que menos têm, a cobardia não é nem pode ser a característica principal da política de um país, não é possível que líderes de partidos não tenham por um momento pensado que talvez o quadro institucional que nos encontramos não sirva os valores e os interesses que jurámos proteger.