sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

O destino da comunidade


Está prometida a privatização dos CTT – Correios de Portugal, entretanto já amputados das suas «lojas» menos rentáveis. Uma das instituições públicas seculares, que deu densidade ao território nacional, que garantiu com segurança o acesso a um bem social fundamental, que em suma criou comunidade, será entregue a uma empresa privada que cuidará de outros interesses que não os que estão associados a uma necessidade dos cidadãos que aqui vivem. Uma comunidade nacional não é só um produto, maleável e mutável, socialmente imaginado, ainda que este imaginar seja decisivo, bem como a luta pela sua hegemonia. Uma comunidade nacional ganha densidade material através de instituições como os correios, a escola pública, o serviço nacional de saúde ou a segurança social e é letalmente ameaçada pela destruição do que é de todos, dos serviços públicos universais que são um dos momentos em que se conjuga, com validade, uma politicamente poderosa primeira pessoa do plural, um «nós» com implicações igualitárias. O socialismo democrático sempre dependeu desta conjugação, o que de resto não passou despercebido, por exemplo, a Friedrich Hayek, um dos seus adversários e defensor de um regime pós-nacional, de tipo federal, como melhor garantia de uma democracia limitada e de fraquíssimo alcance redistributivo, até porque necessariamente desprovida da noção de «comunidade de destino».

Recupero um excerto de um artigo que escrevi para o Le Monde diplomatique – edição portuguesa de Julho de 2013. Isto está mesmo tudo ligado, como se sabe, mas tudo o que se passou entretanto nos CTT parece confirmar com particular intensidade as ligações, antecipadas por tantos, entre privatização, degradação do serviço público e das relações laborais que o sustentam, aumentos das desigualdades territoriais e da insegurança cidadã perante accionistas rapaces. Tudo conspira entretanto para tornar cada dia mais difícil a conjugação institucional da primeira pessoa do plural, sem a qual de resto não há confiança que possa ser reinventada. Também é assim que se destrói uma comunidade nacional.

Perante isto, nós temos mesmo de recuperar o controlo público dos CTT. O PS chumbou já tal hipótese, confirmando que pouco ou nada mudou, ao contrário do que se verificou, por exemplo, no Partido Trabalhista britânico que já tanto o inspirou nos tempos da terceira via. Enfim, há agora quem no PS proponha o “estudo da renacionalização” dos CTT como meio para travar um processo de degradação classificado de “abjecto”. Apesar de tudo, estudar é melhor do que abrir garrafas de champanhe cada vez que uma uma empresa era privatizada, como dizia fazer um secretário de Estado de Guterres...

14 comentários:

Jose disse...

Há que reconhecer que então já se conhecia o destino que as tecnologias iriam dar ao tão estimável correio selado.
Não se sabia então é que estava falida e em processo de encolhimento essa outra comunidade tão estimável que era o Banco de Todos Nós.
Mas logo aparece o Montepio a caminho de se transformar em serviço comunitário, solução suspeita de oportunismo e não só.
Muito confuso?
Talvez inovar, como se ouviu dizer oráculo premonitório.
Associe-se o Cartão de Cidadão à Unicre e carreguem-lhe as pensões.

Vitor disse...

O que o Estado tem de fazer é fiscalizar se os CTT estão ou não a cumprir as suas obrigações de serviço público. Caso não estejam (como provavelmente não estão) deverá aplicar coimas e sanções que efetivamente se façam sentir nos resultados financeiros da empresa. O problema é que em Portugal ainda falta muito a cultura de fiscalização das grandes empresas. é incrível a impunidade que existe por exemplo no setor das telecomunicações em que as grandes empresas nem sequer têm um email disponível para ser contactadas pelos seu clientes, não são devidamente penalizadas quando incumprem os contratos com os seus clientes.
Temos várias entidades reguladoras com dirigentes pagos a peso de ouro (valores na ordem dos 100 mil-200 mil euros ano), Autoridade da Concorrência, Anacom, etc. Uma das principais funções destas entidades é a fiscalização destas grandes empresas, contudo não exercem o seu papel de forma minimamente competente pois grassa a impunidade. Como é que a ANACOM ainda não aplicou multas multimilionárias aos CTT por incumprimento das suas obrigações?

Anónimo disse...

Qual fiscalizar qual carapuça.

Já estamos fartos desta conversa da treta tal como dos poemas em torno dos decotes familiares

Trata-se de puro saque. E é ver o treteiro do Jose a tentar esconder a obscenidade da coisa atrás das tecnologias e doutra conversa da treta.

Na altura do roubo salivava (é o termo) por mais e pedia por mais. Os negócios privados sempre acalentaram estes predadores da nossa independência

Anónimo disse...

Qual será a instituição falida etc e tal ? O banco de todos nós?

Este tipo deve estar a brincar mesmo.

Vamos lá encontrar à frente dos seus destinos toda a cangalhada do bloco central mais os salazarentos abutres travestidos então de gente séria.

Os banqueiros terratenentes tão elogiados por este tipo até ter que engolir as suas patranhas perante o escancarar da realidade mafiosa que os escondia

Anónimo disse...

João Rodrigues fez bem. E de novo torna a fazer bem

Fez quando, com outras vozes, denunciou este escândalo da privatização dos CTT,
Faz quando retorna a este tema e demonstra o lodaçal que confirma tudo o anteriormente dito.

Esta abjecção não pode passar incólume.Nem escondida atrás de "tecnologias" , CGDs e montepios. Forma aliás assaz curiosa, cobarde, manhosa e manipuladora de tentar fazer passar uma esponja por tal crime. E por tais abutres

Anónimo disse...

Em dezembro de 2013, o governo PSD/CDS concretizou uma velha aspiração do capital monopolista e que vinha sendo preparada por sucessivos governos, incluindo do PS, iniciando a privatização dos CTT, alienando cerca de 70% do seu capital. Em setembro/2014, privatizou os restantes 30%.

Tal como foi claramente assumido pelo próprio governo na altura, os objectivos da privatização foram exclusivamente dois: encaixar o produto da venda com vista a uma hipotética redução do défice e da dívida; e criar condições para que os lucros que a empresa vinha gerando fossem parar aos bolsos dos novos donos privados. O primeiro objectivo nunca é alcançável, pois a receita que ajuda a disfarçar a realidade no ano da venda tem como contrapartida o agravar do problema estrutural nos anos seguintes: anulação dos lucros e menos impostos pagos pela empresa ao erário público. E o que se tem verificado de forma avassaladora desde então tem sido uma clamorosa depredação de recursos e património da empresa.

Anónimo disse...

O Contrato de Concessão entre o Estado e os CTT obriga a empresa a prestar um serviço de qualidade conforme estipulado pela Lei e nas Bases da Concessão. Contudo, desde a privatização, a estratégia da administração da empresa (a mesma que preparou e consumou a privatização) prossegue um caminho de desrespeito pelas obrigações a que está sujeita no que respeita à prestação do serviço e apenas tem como objetivo garantir que os novos donos (grandes grupos económicos estrangeiros) recebam de volta rapidamente o que pagaram pela compra dos CTT e aproveitar a rede dos CTT para implantar um Banco – que sempre foi adiado quando a empresa era pública.

O caminho de degradação do serviço postal é uma realidade que foi acentuada com a privatização da empresa. Entre 2009 e 2016, encerraram 564 estações e postos dos CTT; ; reduziram-se em largas centenas o número de trabalhadores e aumentou a pressão e o assédio com vista à sua saída, quando, na realidade, faltam trabalhadores nos correios; há vastas zonas do país onde o correio só está a ser distribuído uma vez por semana; recentemente chegou a haver 15 dias de atraso na chegada dos vales postais com as pensões de reforma; estão identificadas centenas de situações em que a distribuição postal é efectuada com “giro em dobra”, isto é, recorrendo à disponibilidade de carteiros que trabalham para além da distribuição que lhes está atribuída na sua jornada.

Anónimo disse...

Entretanto, desde 2014, a empresa já distribuiu em dividendos aos acionistas mais de 240 milhões de euros. Nos anos de 2014, 2015 e 2016, distribuíram a totalidade dos resultados líquidos, obtido no ano anterior, retirando apenas a reserva legal contabilística mínima. O escândalo maior verificou-se este ano: o resultado líquido em 2016 foi de 62 milhões de euros, mas a administração propôs, e a Assembleia Geral aprovou, um total de 72 milhões em dividendos. Mais 10 milhões do que o resultado líquido.

Desde a privatização, as receitas só não desceram porque, apesar da evidente degradação da qualidade do serviço prestado, a ANACOM autorizou a subida dos preços dos serviços concessionados. A título de exemplo: a tarifa do correio normal (escalão até 20 gramas) aumentou 47 por cento.

Anónimo disse...

Em dezembro de 2013, o governo PSD/CDS concretizou uma velha aspiração do capital monopolista e que vinha sendo preparada por sucessivos governos, incluindo do PS, iniciando a privatização dos CTT, alienando cerca de 70% do seu capital. Em setembro/2014, privatizou os restantes 30%.

Tal como foi claramente assumido pelo próprio governo na altura, os objectivos da privatização foram exclusivamente dois: encaixar o produto da venda com vista a uma hipotética redução do défice e da dívida; e criar condições para que os lucros que a empresa vinha gerando fossem parar aos bolsos dos novos donos privados. O primeiro objectivo nunca é alcançável, pois a receita que ajuda a disfarçar a realidade no ano da venda tem como contrapartida o agravar do problema estrutural nos anos seguintes: anulação dos lucros e menos impostos pagos pela empresa ao erário público. E o que se tem verificado de forma avassaladora desde então tem sido uma clamorosa depredação de recursos e património da empresa.

Konigvs disse...

Há muitos anos que eu dizia que os CTT eram a melhor empresa pública, pois funcionava e eram reconhecidos como um dos melhores do mundo. Mas destruir é sempre muito fácil. Bastou privatizar-se para que o serviço passasse a ser uma valente merda. Há meses enviei uma carta para Barcelos e demorou mês e meio. Se eu tivesse ido a pé, podia ter ido pelo Algarve que ainda chegava primeiro. Um colega meu encomendou umas lentes de contacto, que viam por Expresso, é uma carrinha que vem entregar no dia seguinte, e demorou uma semana. Foi quê? Dar a volta à Europa? Pagamos para que uma encomenda chegue no dia seguinte ou na modalidade "correio normal" chegue até três dias úteis mas às vezes é mais de uma semana.
Além de que, agora andam particulares, com o seu próprio carro (???) a recibos verdes a entregar correspondência. A minha própria mãe, no posto dos correios viu uma menina, a despedir-se lá no posto, que naquele mês só lhe tinham pagado 300€!! Disse que para isso ficava em casa e cuidava do filho e poupava na creche. É impensável o que aconteceu com os Correios que, depois de privatizados abriram um banco, em vez de prestarem o serviço para o qual foram concebidos: entregar correspondência. Banco esse, privado, que se calhar daqui por uns anos vamos ter ter de pagar porque foi à falência. Foi mau demais o que aconteceu à instituição pública que melhor funcionava em Portugal.

Anónimo disse...

Recupero um excerto de um texto de Maio de 2013 de João Rodrigues:

"Vale tudo para preparar os correios para a privatização: reduzir de forma significativa o número de estações, com óbvios sacrifícios em termos de coesão social e territorial ou de confiança na fiabilidade do serviço público prestado, reduzir o número de trabalhadores e, claro, o estatuto e segurança laboral dos que ficam. Assim se corrói um dos pilares de uma comunidade política, uma das instituições que capacitam os que por aqui vivem, igualizando o acesso a um serviço fundamental. Recentemente, fiquei agoniado ao ouvir na rádio o responsável pelas “lojas” dos CTT (as palavras são mesmo importantes e as realidades a que elas se referem ainda mais) a falar de “players do mercado” e de outras trampas da novilíngua mercantil que há muito infesta e mata tudo o que é público, acompanhando o processo em curso de vulnerabilização dos cidadãos e de reforço de um poder empresarial que já só cuida dos lucros dos seus futuros accionistas e das remunerações dos seus gestores de topo à custa da pilhagem do que era de todos. Assim se confirma que é chegado o tempo da corrupção geral, da venalidade universal, o tempo da mercadorização sem fim. Contra isto, está a economia política e moral dos bens comuns, ou seja, a capacidade colectiva que garante as bases materiais da comunidade, indispensável para que certos valores, que temos boas razões para defender, possam florescer. Os correios enquanto serviço público do Estado, ou seja, de todos nós, são parte dessa base".

Anónimo disse...

Os partidos responsáveis pelo escândalo da privatização dos CTT com a entrega adicional de licença bancária afirmam agora com todo o descaramento que defendem uns Correios de proximidade - A. Cristas - e que a culpa do que se está a passar é do regulador - PSD -.
O descaramento e a hipocrisia desta direita dos negócios não tem limites

(Pena Preta)

Anónimo disse...

Lembram-se do antigo secretário de Estado Sérgio Monteiro, que no executivo PSD/CDS tinha a tutela dos CTT? Aquele envolvido em negócios no mínimo "esquisitos", em privatizações esconsas e em operações dúbias?

Em Outubro de 2013 Sérgio Monteiro afirmava que "quaisquer perspetivas de degradação de serviço" dos CTT, em virtude da privatização, "não passavam de fantasmas"

É o que se vê.

Entretanto ficámos hoje a saber que o actual administrador dos CTT recebeu por ano, de acordo com os últimos registos públicos, 925 404 euros"

Anónimo disse...

"O processo de privatização dos CTT é mais um exemplo obsceno de deliberada «irracionalidade económica» (a empresa acumulou, desde 2005, mais de 440 milhões de lucros que reverteram para os cofres do Estado) e de despudorada mercantilização de um serviço cuja natureza é intrinsecamente pública. Não é por acaso, aliás, que 8o% dos correios na Europa se encontram nas mãos do Estado."

(Nuno Serra)