quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
Atitudes que persistem
Confesso que tenho cada vez mais dificuldade em compreender o que leva ainda tantos comentadores críticos da zona euro a contribuir para a notícia falsa de que há um “debate europeu” em curso, do qual poderá sair uma qualquer reforma da arquitectura da zona euro favorável aos subalternos, isto se nos esforçarmos intelectualmente muito e fizermos propostas muito construtivas e tudo.
Esta atitude é filha de ilusões sobre a natureza da UE, potencialmente democrática e deliberativa, onde venceriam os melhores argumentos, dada a razoabilidade das elites do poder. Esta atitude persiste porque aquilo que passa por esfera pública transnacional é no seu melhor necessariamente monopolizada por intelectuais/académicos, naturalmente cada vez mais desligados dos eventuais movimentos de massas cá em baixo e muito propensos a valorizar ideias que supostamente resolvem problemas, apelando ao interesse próprio esclarecido das elites, até por causa dos incentivos existentes. As elites do poder chamam-lhes um figo. Os que apontam para os problemas que estão mesmo nas estruturas irreformáveis, os verdadeiramente críticos da UE, são bem menos úteis e, só por si, ignorados com relativa facilidade. E isto para usar e adaptar uma distinção já clássica de Robert Cox nos primórdios da economia política internacional.
Reparem que não se trata de defeito da UE, mas antes parte do seu feitio, desta lógica multi-escalar, uma máquina de cooptar e de anular potenciais intelectuais críticos e orgânicos, perigosos quando integrados em blocos contra-hegemónicos de base nacional. As ideias europeístas supostamente críticas são também filhas da fraqueza dos quadros teóricos mobilizados e nunca se transformam em força material porque não penetram nas massas, estando destinadas a ficar perdidas nos corredores de Bruxelas, que foram de resto desenhados para isso. As ideias dos grupos dominantes, por sua vez, têm todo o poder institucional do seu lado.
Esta atitude subestima ainda o mais importante nas relações internacionais, num quadro tão assimétrico e institucionalizado: o poder, de base geopolítica e de classe. O euro-keynesianismo só terá eventualmente alguma hipótese de despontar se servir para esconjurar espectros reais. Os espectros são fracos e antes disso há mais alternativas de política no bem municiado arsenal plutocrático de quem manda numa integração de resto anti-keynesiana desde que conta, ou seja, desde os anos oitenta, precisamente quando as elites perderam o medo do colapso.
Enfim, já se pagou muito caro por esta atitude intelectual e política, mas vão ser necessárias ainda mais derrotas, pelos vistos, embora seja realmente difícil no futuro próximo vir a repetir a performance da esquerda grega. Mas lá está, a farsa é se calhar muito mais variada do que a tragédia.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
17 comentários:
João a propósito das elites que perderam o medo acabo de ler isto no "World Socialist Web Site:“Fractures, Fears and Failures:” World’s ruling elites stare into the abyss. The Global Risk Report released in advance the World Economic Forum in Davos exposes mounting anxiety in ruling circles over the threat of war and social revolution."
Pelo menos o argumento está bem construído e uma qualquer análise fundada na teoria das organizações diria algo de muito semelhante.
Tudo o que importa é: como fazer e com destino a que propósito.
A definição do objectivo cai inevitavelmente num pasquim eleitoral dirigido às massas.
Como fazer, é invariavelmente um chorrilho de actividades de improvável realização e de consequências indefinidas.
A questão mais óbvia: concertação europeia ou cada um por si, sempre fica numa mistura de afirmações soberanistas e invocação de vagos direitos indemnizatórios ou de tratamento preferencial.
E o Keynes, que nunca ouviu falar no acordo de Paris, sempre desinquietado na sua cova dos anos 40 do século passado.
ah, já se nota o esforçado esforço para vender a alma ao diabo
Agora é a teoria das organizações.
Mais o argumento bem construído
Onde ficaram os apelos feitos em alemão?
Mais uma vez um lúcido, objectivo e demolidor artigo de João Rodrigues.
Mas esta posta de João Rodrigues oferece-nos outra pérola.
A forma verdadeiramente anedótica como um tipo em processo de venda da alma ao diabo tenta esconjurar o tema e o debate.
Vislumbre-se um pouco a patetice:
" argumento bem construído uma qualquer análise na teoria das organizações diria algo de muito semelhante.
Tudo o que importa é: como destino a que propósito"
Magnífico.(O que falta pode ser comparado com o original).
Admire-se assim esta profundidade ...)
Continua no mesmo tom:
"A definição do objectivo cai num pasquim eleitoral dirigido às massas... é invariavelmente um chorrilho de actividades de improvável realização e de consequências indefinidas".
Mais uma vez quem quiser completar o que falta é consultar o original. Mas é impensável repetir a treta inicial.
Admire-se antes a bruta perspicácia. O chorrilho.
(Precisamente isso mesmo: o chorrilho)
Mas a coisa não abranda:
"A questão mais óbvia: concertação europeia ou cada um por si, sempre mistura de afirmações soberanistas e invocação e vagos direitos indemnizatórios ou de tratamento preferencial".
O que fará este tipo para cumprir o seu fado?
A este discurso pegajoso e inútil, redundante e vazio, bolorento e quase que piegas, de auto-vendedor da sua alma, sobra num entanto uma única ideia:
Keines.
E o medo que este ainda provoca no universo de neoliberais em processo de venda da alma ao diabo, convencidos que podem passar bem sem ele...
mas proclamando desta forma tão deliciosa a sua morte como para esconjurar esse outro fantasma.
Tanta treta miserável e cobarde para "isto"
Pois, João Rodrigues, a farsa é mais variada que a tragédia, mas o ponto não é esse. Ela é, a modos que, bem menos sangrenta. Todas as soluções que você aponta deram, no passado, os resultados que se conhecem. Por isso, desde logo, não censure as pessoas por demonstrarem um bom senso que desconhece.
De certa forma, a atitude das massas russas que se revoltaram em Fevereiro de 1917 é compreensível, não tinham nada a perder e sobretudo, não faziam ideia do que aí vinha. Ora nós, sabemo-lo bem... Por isso, deixe andar as ideias do euro-keynesianismo e preocupe-se em fazer alguma pressão pela base. Mas não no sentido que aponta, porque esse já o provámos e já sabemos o que a casa gasta... E enquanto insistir nisso, vai continuar a acumular derrotas e é muito bem feito que assim seja...
Esta atitude assim para o gorduroso de Jose que no final do seu arrazoado se apressa a garantir que Keynes permaneça bem quieto lá na sua cova, contrasta de forma gritante com os esforços do mesmo Jose para desenterrar um dos seus.
Em viva voz, descompassado e descompensado, eis como se inquietava e protestava por não darem o nome de Salazar a uma Rua, a um teatro,a um ginásio, quiçá a um offshore
"Ó grande coirão!
Todo o bardamerda tem nome de rua e as de um dos mais eminentes portugueses do séc. XX , incomoda-te?
Lembra-te talvez um tempo – que provavelmente não conheces-te – em que a economia crescia monótona e consistentemente e a certeza era de que o ano seguinte seria melhor."
( Relegue-se a ignorância bacoca do "conheces-te".)
Isto era de um tempo em que ainda não tinha sido dada a palavra de ordem de se venderem ao diabo.
Era apenas o tempo de agitar o papão do dito cujo
A acumulação das derrotas de que fala Jaime Santos tem algo a ver com a derrota do Jaime Santos no Brexit?
Ou com a sua inesperada derrota no caso de Corbyn, em que desde o insulto até à calúnia tudo lhe serviu para desqualificar o líder trabalhista e para o arrumar na prateleira dos vencidos e ultrapassados?
Pena que se esteja a transformar este espaço que os autores do blog nos facultam, numa arena onde se esgrimam ideias pouco edificantes, que tendem a apagar ideias e estratégias de pensamento que nos poderiam ensinar algo. Deixem as frustrações de lado, porque tudo é relativo e não vos esqueceis que se assim não for, perdereis a capacidade critica e clarividente, relegando-nos tudo isso, para longe da verdade das coisas da vida.
Continuamos, a cavalgar, para que daqui a uns anos (ou dias, ou meses) levem um tiro na cabeça, como se faz aos cavalos, quando partem uma das patas! Até lá continuem a cursar a configuração de crerem ficar opulentos porque estão na União Europeia e no Euro… Como um velho amigo meu, "os neoliberais, já os conhecemos, mas o ultraneoliberais com tiques a roçar o fascismo, esses ainda são poucos"!
Não há razão para ter ilusões quanto ao "debate europeu" em curso para reformar a "arquitectura da zona euro", com Merkel, Juncker, Macron e Schulz como protagonistas nos palcos político e mediático. Mas não creio que os que exibem e fomentam ilusões nesse sentido estejam, eles próprios, em geral, com verdadeiras ilusões nesta matéria:
- Sucede que continuam convencidos - com alguma razão - de que a exibição de confiança no mítico "projecto europeu" é rentável em termos eleitorais, sobretudo se essa exibição de confiança continuar a ser unânime no âmbito do leque de forças políticas que configura o tradicional "arco da governação" na União Europeia;
- Além disso, podem sempre alegar que o dito projecto ainda só conduziu a uma construção incompleta, pelo que é imperioso participar no "debate" para que o que falta construir possa estar de acordo com as expectativas;
- Finalmente, já perceberam que são mesmo necessárias algumas mudanças para que tudo possa continuar na mesma no que diz respeito ao "projecto europeu" a que estão irremediavelmente ligados.
A. Correia
Há quem, à Esquerda, ponha a questão em termos de "Plano A / Plano B", depois da vitória eleitoral do SYRIZA e da amarga desilusão que, ao fim de poucos meses, se lhe seguiu. Mélenchon teve algum sucesso eleitoral com esta abordagem nas últimas presidenciais francesas (não tanto nas legislativas que vieram a seguir), embora a má qualidade das restantes candidaturas também tenha dado uma boa ajuda. Principais contornos desta abordagem:
- O "Plano A" é apresentado como a solução desejável, ainda que de difícil concretização, envolvendo uma reforma na "arquitectura da zona euro" que seja compatível com governações verdadeiramente "à esquerda", mas que seja também compatível com a sobrevivência do euro como moeda única;
- Se as elites que mandam na Eurozona não concordarem com o desejado "Plano A", supostamente compatível com governações verdadeiramente "à esquerda", pratica-se a desobediência em relação aos tratados europeus e usa-se como arma negocial a ameaça de recorrer ao "Plano B", incompatível com a sobrevivência do euro como moeda única;
- Se (e só se), devido à intransigência de quem manda na Eurozona, o desejado "Plano A" se revelar completamente impossível, avança-se mesmo para o "Plano B", entendido como uma solução de recurso, com possíveis saídas do euro (país a país), etc.
Uma crítica que os defensores do "Plano A / Plano B" fazem agora ao SYRIZA é que negociou sem ter um Plano B. Têm alguma razão, mas convém perceber que um não menor problema foi o "Plano A" a que, em consonância com sectores da família "socialista" europeia, o SYRIZA se deixou amarrar.
A. Correia
"Esta atitude é filha de ilusões sobre a natureza da UE, potencialmente democrática e deliberativa, onde venceriam os melhores argumentos, dada a razoabilidade das elites do poder."
Que saudades da União Soviética, onde o pluralismo a democracia reinavam, e onde os povos de todas as repúblicas, até das mais pequenas, eram verdadeiramente escutados!
Comunas a atacar o défice democrático da UE é mel para os meus ouvidos, é surrealismo de palavras! Dali pintar-te-ia um quadro!
O Aonio voltou, agora mais uma vez como anónimo.
Coberto de mel a ver se consegue esconder uma coisa muito simples:O défice democrático da UE.
O pobre teve que ir à URSS e a Dali. Confessemos que estes argumentos parecem uma variante de um dos discursos do Passos. Ainda pro cima têm o mesmo cheiro
Preparem-se para a distopia que se segue:
A EURSS, em que os povos subjugados pagarão alto tributo aos mafiosos da finança alemã e onde a liberdade de expressão vai ser uma caricatura, espartilhada entre uma média oficial comprada e soporífera e leis que a pretexto de "fake news" nada mais serão (ou até já são) do que censura.
Censura não!
Continuamos, a cavalgar, para que daqui a uns anos (ou dias, ou meses) levem um "tiro na cabeça", como se faz aos cavalos, quando partem uma das patas! Até lá continuem a cursar a configuração de crerem ficar opulentos porque estão na União Europeia e no Euro… Como diz o outro, os neoliberais, já os conhecemos, mas o ultraneoliberais com tiques a roçar o fascismo, esses ainda são poucos….
A quem interesse, o debate e síntese que tem sido feito entre franceses e alemães, que é o que tristemente conta, vem explicado neste artigo da Bloomberg.
Leiam e chorem!
https://www.bloomberg.com/view/articles/2018-01-18/how-to-fix-the-euro-zone-without-setting-off-alarms
S.T.
Enviar um comentário