segunda-feira, 29 de junho de 2015

Referendo grego: foi uma decisão racional?

Há uns dias, esbocei um post sobre se o referendo teria efeitos práticos e se não seria redundante face à legitimidade popular das últimas eleições, que nem um ano têm. E se o Syriza não estaria a arriscar o seu mandado popular em caso da vitória do "Sim".

Achava eu que referender a proposta do Eurogrupo era deixar tudo na mesma. E que o povo grego deveria ser chamado a pronunciar-se - sim - sobre a ideia de que o governo grego tentou defender o seu mandato popular, não encontrou flexibilidade do outro lado e que, portanto, agora, o povo deveria dizer o que fazer: aceitar a proposta comunitária ou assumir as consequências de uma recusa, incluindo a autonomia monetária.

Dois dias bastaram para perceber que esta ideia foi perfeitamente cilindrada pelos acontecimentos e pela nova vaga de pressões vindas de Bruxelas e do Eurogrupo que contaminou o ambiente, a ponto de colocar a questão como sendo um verdadeiro referendo ao euro. E, claro está, os arautos nacionais ecoaram a mensagem. E são vergonhosos os argumentos usados:

1) Então só apresentam o referendo a 2 dias do final do prazo? A resposta deveria ser feita à letra: "Então não foi o FMI e o Eurogrupo que apresentaram uma nova série de exigências a uns dias do final do prazo?". Face à convocação do referendo, não foi o Eurogrupo que decidiu recusar a extensão do prazo? Não foi o BCE que fechou a torneira aos bancos gregos provocando o corralito? Ou seja, a crítica à chantagem apenas é feita se for realizada por um dos lados. Se for o lado "bom" a fazê-la, trata-se de "negociações"...

2) Se votarem "Não", isso representa a saída do euro. Ou seja, é o próprio lado "eurogrupo" que define o que vai ser o resultado do referendo. Não pode haver consultas populares na negociação, porque senão todos fariam o mesmo. De gargalhada. Não haverá negociação após o referendo, disseram em eco. A questão do referendo está ultrapassada porque a Grécia rompeu as negociações, repetiram. E depois vem o terrorismo político: o "adeus ao euro" é igual a corralito. Raciocínio tautológico: Vejam o caso grego: fazer promessas irrealistas dá nisto, ver a própria "casa a arder". Foi isto que disse, hoje, Paulo Rangel na Antena 1, de forma suficientemente equívoca para ser uma farpa para o PS.

Só o facto de ver coisas inéditas - como o Eurogrupo divulgar a proposta que fez, alterar os seus termos horas depois, choverem novas propostas de revisão à proposta que estava sobre a mesa, que afinal já discutem a renegociação da dívida em moldes iguais aos de 2012, sentir o nervosismo dos ministros do Eurogrupo (incluindo o alemão!), ouvir a ministra portuguesa ter aquela candura ao afirmar que a situação de Portugal está tranquila... por uns meses, sem pensar que isso quer dizer que de nada serviu o acesso aos mercados e 4 anos de ajustamento terrorista, as comunicações marcadas para esta manhã dos chefes de Estados dos principais países da UE, a chamada à mesa de negociações que, afinal, se mantêm abertas, ainda - só facto de ver isto, mostra que a decisão foi a correcta.

Como dizia o João Rodrigues, pode ser o princípio de um movimento de soberania nacional. A palavra está agora onde deve estar: na decisão popular. E não em meia dúzia de pessoas, numa sala fechada.

15 comentários:

Anónimo disse...

"A palavra está agora onde deve estar: na decisão popular."

Dado que, após este referendo, pode ser necessário fazer outras opções, sugiro desde já ao governo Grego o desenvolvimento de uma App para smartphone que agilize referendos. A cada nova proposta, a cada novo dilema, um novo referendo onde cada um pode responder via smartphone (se necessário for com o patrocínio de um fabricante que disponibilize equipamentos - tipo Fundação para as Comunicações e computador Magalhães).

Chegou a hora de acabar com o sistema representativo: democracia directa já! A Grécia volta a revolucionar a Democracia.

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo:
Eu seria da sua opinião se não fosse um caso demasiado grave. Mas referendar grandes decisões nunca pode ser apelidado de "democracia referendária". Foi a pretexto dessa ideia que nenhum dos grandes entorses europeus foi sequer passado a votos. Fizeram-no o Parlamento sem mandato para isso...
O Syriza estava no seu direito de achar que, tratando-se de um assunto grave, era melhor estar devidamente espaldado no seu povo. Não foi para decidir se haveria um aumento do preço dos passes sociais...

Proponho que remeta a sua proposta à Comissão Europeia :-)


R.B. NorTør disse...

João, o que falta explicar, na questão de estarmos protegidos é explicar porque é que os Japoneses, os Chineses ou os Australianos foram os primeiros a sentir na pele a consequência do «apelo à vontade popular». E acho que Nova Iorque ainda não abriu... Alguém me explica como é que nós estamos protegidos se nem os Japoneses estão?

Isso da democracia directa é muito bonito no papel, mas relembro que no papel também a austeridade seria expansionista, só a malvada da realidade é que atrapalhou. Aliás, não foi a democracia directa que nos deu coisas como o nosso Presidente e o seu papel validador «disto tudo»?

Quanto à racionalidade do referendo grego, parece a primeira decisão racional de uma instituição em muitos anos.

Anónimo disse...

Caro JRA,

A situação do povo grego é efectivamente grave, e espero que o facto de ter usado de alguma ironia não o leve a pensar que essa situação me é indiferente.

O receio que levantei é que, uma vez aberto o caminho referendário, esse caminho não tenha fim.
O referendo chega tarde, vai ser feito "em cima do joelho" e, na minha opinião, qualquer que seja o resultado, vai inevitavelmente conduzir a novos dilemas. É, para mim, uma ilusão pensar que uma negociação tão complexa como esta (que envolve 3 instituições, por sua vez compostas por dezenas de representantes de países) pode ser feita quando uma das partes necessita de recorrer a referendos a cada passo. Do meu ponto de vista, um referendo só deve ser feito se a escolha dele resultante for clara e decisiva, concluindo o assunto. O que não me parece que vá ser o caso.
Basta ver que:
- se ganhar a opção pela aceitação dos termos das instituições (quais são exactamente?) serão necessárias eleições gerais? E o governo delas resultantes, que mandato terá? Para aceitar o quê?
- se, pelo contrário, ganhar a posição contrária a negociação prossegue? Ou não? Neste caso a Grécia sai do Euro?

No fundo cada um tirará depois as conclusões que quiser a partir de qualquer um dos resultados. Em suma, na minha opinião, em termos práticos, o resultado do referendo será completamente inútil por inconclusivo e incompleto.

Voltando ao registo irónico (com as devidas desculpas ao povo grego), talvez a decisão de aumento do preço dos passes sociais fosse até mais adequada a um referendo.

Jose disse...

Em que ficamos afinal?
É o Syriza o libertador do povo grego da canga do euro ou é mais um mamão a querer ficar no poleiro com a Europa a pagar o pato?

Em que momento é que o Syriza se aproximou das posições europeias?
Inventando impostos que não sabe nem poderia cobrar?
Garantindo crescimento da economia pelo consumo interno que é feito à custa da ajuda externa?

Uns palhaços que só podem ter um destin....RUA!

Anónimo disse...

Quer queiram ou não o Referendo Grego vai ser uma realidade. Coisa esta que os portugueses deviam exigir ao PS PSD CDS.
Compete somente a eles resignarem ou não resignarem!
E´ como diz o outro – depois de casa roubada, trancas na porta – e quem não quer ser lobo não lhe veste a pele –
Os europeus da comunidade europeia do carvão e do aço tem-se mantido no eixo das guerras de dominação económica, social e politica. Essa da democracia e de amplas liberdades solidarias e´ só com eles!
A CEE foi criada para isso mesmo – como complemento das políticas imperialistas – interbancárias com a Wall street a` frente. De o “Catraio” com respeito.

Anónimo disse...

Para um referendo ser eficaz as duas opções apresentadas, bem como as consequências resultantes da escolha deviam ser claras. Nesse sentido o Syriza devia começar por reconhecer:
- Recebeu um mandato popular para negociar com os credores uma permanência no Euro sem austeridade (linhas vermelhas);
- Após 6 meses de negociação verificou-se que o cumprimento do mandato inicial é impossível;
- As alternativas são:
a) Saída do Euro;
b) Permanência no Euro com a negociação de um novo programa cautelar que inclua medidas de austeridade;
- Caso vença a opção a) o Syriza continua no governo e compromete-se a gerir a saída, responsabilizando-se por todo o processo;
- Caso vença a opção b) o povo grego terá de escolher em eleições antecipadas quem conduzirá as negociações. Só se devem apresentar a eleições os partidos que se disponibilizem a representar o povo grego nessas negociações (ito é, os partidos que no referendo apoiarem a opção b). Nesse sentido o Syriza não se apresentará a eleições, uma vez que, se por hipótese as ganhasse, voltaria o impasse.

Estas são as condições mínimas para que do referendo saia uma decisão clara e que possa fazer avançar o processo. Caso contrário o referendo só contribuirá para agravar a indecisão e arrastar a Grécia para o caos.

R.B. NorTør disse...

Caro das 12h30, e se por incrível que seja a sua opção b) ganhasse o referendo mas em eleições gerais ganhasse uma versão da a)? Conhece muitos gregos, ou tem falado com muitos nas últimas 24 horas? Porque parece que indo a eleições nos arriscamos a ter uma alternativa, mas em tons mais para o dourado...

Anónimo disse...

"e se por incrível que seja a sua opção b) ganhasse o referendo mas em eleições gerais ganhasse uma versão da a)?"

Essa sua questão, totalmente pertinente, só vem demonstrar que o referendo não serve para uma questão deste tipo porque o que dele resultar não é claro e inequívoco. No final, qualquer que seja o resultado, as questões em aberto serão ainda mais. Só o Syriza terá ganho alguma coisa, ao lavar as mãos em "democracia directa" mas depois virá o caos: político, económico, social, ...

Mais valia passar já para eleições legislativas onde as opções fossem claras entre os que defendem a saída e os que defendem a permanência com austeridade (sem "linhas vermelhas" definidas à partida). Porque são estas as tão famosas "alternativas". Tudo o resto, como o Syriza já devia ter tido a coragem de reconhecer ao fim de 6 meses, são meras ilusões.

Anónimo disse...

Para se perceber o imbróglio do referendo:

"A consulta popular, sustenta Tsipras, não coloca em causa a permanência da Grécia na zona euro."

"Alexis Tsipras acrescenta que tem por objetivo retomar as conversações com os parceiros europeus imediatamente a seguir ao referendo, para 'alcançar um acordo imediatamente e em linha com a decisão do povo grego'."

http://www.dinheirovivo.pt/economia/interior.aspx?content_id=4650761&page=-1

Se não está em causa a permanência, afinal, a que corresponde cada uma das opções à pergunta do referendo?

R.B. NorTør disse...

O que resta é perguntar "como sem linhas vermelhas?" se são essas linhas vermelhas que constituem a base das diferenças ideológicas. E para mais, o que quer dizer com "caos" na Grécia.

Anónimo disse...

O que resta é perguntar "como sem linhas vermelhas?"

O Syriza já tentou negociar com "linhas vermelhas" que resultavam do seu mandato popular. Seis meses depois verificou-se que não foi possível um acordo que respeitasse essas "linhas vermelhas". Independentemente de quem tem a "culpa", é um facto.

Presumo que o referendo se destina precisamente a escolher entre:
a) Manter as "linhas vermelhas" e, consequentemente, sair do Euro (uma vez que, como disse, a negociação com essas "linhas vermelhas" não permitiu um acordo);
b) Abandonar essas "linhas vermelhas" prévias e tentar o melhor acordo possível que mantenha a Grécia no Euro.

Não vejo outra alternativa que justificasse um referendo. Se era para prosseguir a negociação sem abandonar (todas ou parte) das "linhas vermelhas" então não era necessário referendo. Bastava continuar.

No entanto, isto que a mim me parecia claro, afinal não é, a fazer fé no artigo do Dinheiro Vivo (http://www.dinheirovivo.pt/economia/interior.aspx?content_id=4650761&page=-1). Confesso que já não percebo afinal para que servirá o referendo.

Quanto ao caos, referia-me ao caos político que pode resultar de referendos e eleições legislativas sucessivas, com resultados contraditórios (como o exemplo que referiu num comentário anterior) e que não permitem perceber afinal que rumo querem os gregos tomar. Pode chegar-se a um ponto em que já não se sabe quem tem a legitimidade para prosseguir as negociações do lado grego, nem que tipo de mandato tem. Sem esquecer que de referendo para referendo, de eleições para eleições o tempo passa.

Anónimo disse...

Afinal parece que já há pergunta para o referendo:

"Deverá ser aceite o projeto de acordo que foi apresentado pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional no Eurogrupo de 25.06.2015 e que consiste em duas partes, que constituem a sua proposta unificada? O primeiro documento intitula-se ‘Reformas para a Conclusão do Presente Programa e Mais Além’ e o segundo ‘Análise Preliminar à Sustentabilidade da Dívida’.”
http://expresso.sapo.pt/internacional/2015-06-29-Ja-ha-pergunta-para-o-referendo-grego.-e-nao-e-simples

Ora aqui está uma bela pergunta, clara como água e que qualquer um compreende facilmente. E como é bom de ver, caso vença o Não o que vai acontecer é ... ?
Já se vencer o Sim, as consequências são ... ?

O Syriza só pode estar a brincar.

Anónimo disse...

Da coerência de um referendo deste tipo, com uma pergunta destas.

"Referendum idea 'not fair'
Varoufakis ruled out the possibility of a referendum on the terms of an agreement, saying it would effectively be a vote on whether to keep the euro as a currency.
'It would be unfair for Greek citizens to have to take a position on such a matter, answering with either a yes or a no,' he said"
Yanis Varoufakis, 19/05/2015 (http://www.dw.com/en/varoufakis-expects-greece-deal-in-about-a-week/a-18457693)


"Sobre o facto de muitas pessoas estarem a colocar o referendo na perspectiva de uma saída do euro, Yannis Varoufakis respondeu assim: "são então muito tolas, porque não há nenhuma regra para sairmos da moeda única. E não há regra porque se começa a haver uma série de saídas, é o colapso".
Quando questionado sobre o que vai acontecer se os gregos votaram "Não" às propostas dos credores no referendo de 5 de julho, Varoufakis disse apenas: "Continuamos"."
Yanis Varoufakis, 29/06/2015 (http://economico.sapo.pt/noticias/varoufakis-grecia-nao-sai-do-euro-de-maneira-nenhuma_222272.html)

Anónimo disse...

"O Syriza só pode estar a brincar."

O Syriza tentou fazer bluff para pressionar o Eurogrupo, acreditando que chegaria a um acordo mais favorável sem ter de realizar efectivamente o referendo. Mas vai sair o tiro pela culatra:
- O referendo é muito difícil de realizar (logística, custos, tempo que escasseia, falta de debate, ...);
- A pergunta e, principalmente as consequências associadas a cada opção, são absolutamente incompreensíveis;
- Qualquer que seja a opção escolhida o processo não avançará um milímetro e o Syriza não saberá o que fazer com os resultados.

Ao Eurogrupo basta esperar (aproveitando o argumento do Syriza sobre o aprofundamento da democracia) pela catástrofe do referendo ou pela desistência do Syriza. Entretanto:
- A Grécia passou a incumprir com o FMI;
- O resgate anterior acabou e já não pode ser prolongado;
- Já ninguém sabe muito bem que proposta está em cima da mesa para discussão;
- Os bancos fecharam e os multibancos estão a esgotar o dinheiro;

Em suma. O tempo corre corre contra o Syriza e o tiro saiu-lhe pela culatra. Para a semana o governo cai.