No final deste mês, a 25 e 26 de Junho, vai ter lugar em Bruxelas uma cimeira histórica da UE. Mais uma.
Depois de uma pausa de dois anos e meio (ver isto e isto), os principais dirigentes europeus vão novamente reconhecer que a União Económica e Monetária (UEM) apresenta insuficiências graves que têm de ser reparadas. Anunciarão, assim, o compromisso de aprofundar a integração europeia, dando passos decisivos na direcção de uma maior união política.
Os representantes dos partidos socialistas europeus irão congratular-se com estas decisões, vendo nelas avanços há muito esperados (há mais de 20 anos…) no sentido de uma Europa mais social e mais democrática, onde o rigor orçamental surja a par com o crescimento económico na lista de prioridades.
Os federalistas e europeístas mais crédulos irão rejubilar, acreditando que estamos a caminho da desejada democracia de escala continental.
Os comentadores de serviço interpretarão estas decisões como uma cedência por parte da Alemanha e dos sectores mais conservadores, tendo em vista conter os danos da crise grega e contrariar a tendência para o crescimento do eurocepticismo na UE.
E, no entanto, quando olharmos com atenção para as decisões que serão tomadas, a cimeira vai produzir mais do mesmo:
• Será posta de lado qualquer alteração aos Tratados que definem a arquitectura da UEM, cujas deficiências todos começaram por reconhecer.
• Será prometido um maior esforço de coordenação das políticas fiscais dos Estados Membros, não questionando porém a possibilidade de cada país fixar o seu nível de impostos sobre as empresas (mantendo assim a tendência para a concorrência fiscal, entre países, que delapida os recursos públicos, aumenta as desigualdades e põe em causa a viabilidade do Estado Social).
• Será defendida a necessidade de criar mecanismos que ajudem a lidar com a ocorrência de choques assimétricos nas economias de cada Estado Membro (um problema cada vez mais premente, desde que os países que integram o euro perderam os instrumentos monetário, cambial e alfandegário para esse efeito), mas será posto de lado qualquer aumento substancial do orçamento comunitário (quando muito, haverá uma promessa indefinida de um reforço futuro).
• Talvez seja até anunciado o aprofundamento da união bancária, através da futura mutualização das garantias de depósitos (que será apresentado como o exemplo máximo de solidariedade entre Estados Membros), mas manter-se-á o princípio de que cada país é responsável pelos custos de eventuais falências bancárias (apesar da regulação e supervisão do sistema financeiro estarem cada vez mais centralizadas em instituições europeias).
• Tudo isto, é claro, ficará sujeito a um princípio básico: só terão acesso a estes "avanços" os Estados Membros que implementem as "reformas estruturais" que as instituições europeias "recomendam" (ou seja, impõem), apesar de não terem qualquer legitimidade democrática para o fazer (e também isto não será alterado na cimeira de final de Junho).
Traduzindo: a lógica da UEM continuará a ser a mesma: para que uma economia estruturalmente fraca sobreviva dentro do euro continuará a ter de privatizar tudo o que for vendável, liberalizar o mercado de trabalho e delapidar o Estado Social; e sempre que houver uma crise que afecta apenas algumas economias (normalmente as mais fracas), a desvalorização de salários continuará a ser a resposta esperada, resultando em períodos longos de desemprego elevado e de aprofundamento das assimetrias de desenvolvimento no seio da UE.
Apesar disto tudo, a comunicação social vai falar de um salto qualitativo na integração europeia, dando voz à satisfação dos dirigentes dos partidos do governo (que apresentarão estes resultados como a prova de que os sacrifícios valem a pena), dos dirigentes do PS (que se vêem actualmente aflitos para explicar que não gostam da austeridade, mas que jamais porão em causa a UEM) e, ainda, dos europeístas mais pueris, para quem qualquer desculpa serve para continuarem a fantasiar com uma UE democrática e progressista.
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8 comentários:
Concordo consigo, na generalidade da previsão que faz. Mas em face disso, pergunto-lhe:
E nós, Ricardo, nós os cidadãos mais e menos comuns, que adivinhamos a previsível opera buffa, o que é que vamos fazer? Qual o nosso grau de envolvimento pessoal e colectivo em vista da promoção do desejável "falhanço" dessas previsões? A que mudanças aspiramos de facto? Em que rupturas mobilizadoras estamos dispostos a envolver-nos? Será que conseguimos marchar lado a lado com uma operária fabril, sem curso de economia e que usa roupas de uma loja de chineses, mas que apesar disso tem aspirações, vontade e direitos? É que sem esse compromisso, tudo o mais de nós, por muito importante que seja, nunca passará a fronteira de uma certa inutilidade barroca.
Tal qual, já vimos este filme.
É exactamente isso.
Entretanto quem verdadeiramente dita as regras desta Europa segue em frente sem sequer tirar o pé do acelerador. Dragui, à frente do "apolítico" BCE, dita os termos:
https://rcag1991.wordpress.com/2015/05/31/bce-inimigo-do-estado-social/
Ao mesmo tempo que insufla as reservas bancárias com mais de um milhão de milhões de euros em quantitative easing, já abre a porta para o seu falhanço justificado pela "rigidez no mercado de trabalho" que importa combater com a aceleração de "reformas estruturais".
É a Europa a prosseguir a passos largos para a sua destruição.
Daniel, deixe-me ser repetitivo e dirigir-lhe também as perguntas que dirigi ao autor do artigo: e nós? Até onde é que a nossa consciência (já) nos dita que vamos?
É que é também sobre o nosso imobilismo que a barbárie (desengane-se quem pensa que o termo é exagerado), avança.
Enfim a responsabilização dos liricos como os gregos que acham que basta votarem e a crise termina; com a Merkl a pagar o resultado dos lirismos.
A merkel a pagar o resultado dos lirismos?
Mas quem tem ganho e em grande e a alemanha....ah estes germanófilos a ensaiar a canção do bandido.
Vamos a dados concretos para depois não se vir alegar que se desconhecia a realidade?
De
""Até 2002, o PNB alemão era inferior ao PIB alemão, o que significava que uma parcela da riqueza criada na Alemanha ia beneficiar os habitantes de outros países. A partir da criação da Zona Euro em 2002, a situação inverte-se rapidamente: o PNB alemão passa a ser superior ao PIB alemão, ou seja, superior ao valor da riqueza criada na Alemanha. Isto significa que uma parcela da riqueza criada em outros países é transferida para a Alemanha indo beneficiar os habitantes deste país. Só no período 2003-2015 estima-se que a riqueza criada em outros países que foi transferida para Alemanha, indo beneficiar os seus habitantes, atingiu 677.945 milhões €, ou seja, o correspondente a 3,8 vezes o PIB português.
Na Grécia e em Portugal aconteceu precisamente o contrário como mostram os dados da Comissão Europeia. Na Grécia até 2001, o PNB grego (a riqueza que o país dispunha anualmente) era superior ao PIB (o que era produzido no pais). No entanto, a partir de 2002, com a criação da Zona Euro, começa a verificar-se precisamente o contrário. Uma parcela da riqueza criada na Grécia é transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes dos outros países. Em Portugal aconteceu o mesmo mas logo após a entrada para a União Europeia em 1996.
Como revelam os dados da Comissão Europeia constantes , se consideramos o período que vai desde a criação da Zona do Euro (2002-2015) a riqueza criada na Grécia que foi transferida para o exterior, indo beneficiar os habitantes de outros países, já atinge 48.760 milhões €.
Em Portugal tal situação começou poucos anos depois de entrar para a União Europeia. Em 1995, o PNB português, ou seja, a riqueza que o país dispôs nesse ano ainda era superior ao PIB, ou seja, à riqueza criada nesse ano em Portugal, em 353 milhões €. A partir de 1996, o PIB passou a ser superior ao PNB, ou seja, uma parte crescente da riqueza criada em Portugal começou a ser transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes de outros países. No período 1996-2015, o valor do PIB deste período (20 anos) é superior ao valor do PNB deste período em 70.751 milhões €. Tal é o montante de riqueza líquida criada em Portugal que foi transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes de outros países, incluindo os da Alemanha. E como mostram também os dados do quadro 1, após a entrada de Portugal na Zona Euro em 2002, a transferência da riqueza criada em Portugal para outros países aumentou ainda mais (só no período da "troika" e do governo PSD/CDS a transferência liquida de riqueza para o exterior que foi beneficiar os habitantes de outros países atingiu 20.807 milhões €).
Portanto, afirmar como fazem os defensores em Portugal da sra. Merkel e dos burocratas de Bruxelas que é a Alemanha que financia tudo é não compreender os mecanismos de funcionamento atual da economia mundial; é no fundo mostrar ignorância ou mentir."
Eugénio Rosa
(De)
Mas há mais. Muito mais.
Por exemplo:
"A Alemanha está a ter um benefício "considerável" com o aumento da imigração, revela um estudo do instituto ZEW. Os 6,6 milhões de imigrantes estão a ajudar o sistema de pensões".
O que sobra é este ódio à vontade popular tão bem expresso no "basta votarem a crise termina". Mais cedo ou mais tarde esta malta desemboca no sítio do costume. A "auscultação popular" é uma coisa perigosa. Por essas e por outras é que há que recuperar a soberania nacional, as soberanias nacionais. E acabar de vez com esta prisão chamada euro que tão fartos lucros tem dado à pobrecita da merkel e ao capital que ela defende.
De
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