domingo, 6 de novembro de 2011
Sinais de morte, sinais de vida
Repito uma pergunta: a frase bem torneada compensa o mais odioso preconceito de classe, a flagrante falta de rigor histórico, o desconhecimento de economia política ou o extremismo ideológico neoconservador mais empedernido? Repito esta pergunta mais uma vez a propósito das crónicas de Pulido Valente no Público. A resposta é negativa, claro.
O artigo de hoje, “sinais de morte”, sobre a suposta nulidade de uma parte da esquerda que nunca desistiu, onde questões políticas e intelectuais são propositadamente confundidas por alguém cuja acção política, que a foto ilustra, está ao nível do resto, leva-me a um tema que me parece importante nestes tempos sombrios: lembrar como muito à nossa volta parece ter dado razão a uma tradição plural que estará viva enquanto não desistir de fazer análises e propostas à margem da sabedoria convencional dos valentes desta vida. Será esta o sinal de morte?
Alguns exemplos? Aqui vão eles, sob a forma de perguntas. Seria fastidioso fazer ligações para tantas análises e posições individuais e colectivas que os leitores deste blogue conhecem.
Quem é que ainda defende a bondade de termos entrado neste euro de estagnação, triplicação da taxa de desemprego e inevitável dependência financeira e comercial? Quem a criticou a tempo e horas?
Quem é que identificou, também a tempo e horas, a chamada regulação assimétrica da Zona Euro, contra os euroidiotas do bloco central, que, a menos que seja corrigida, nos levará a crises cada vez mais graves e à implosão deste arranjo disfuncional e enviesado?
Quem é que defende, desde há muitos anos, que não pode haver moeda sem emissão europeia de dívida pública, as euro-obrigações, cuja lógica e funcionamento Valente desconhece?
Quem é que, contra a esmagadora maioria dos economistas sem memória, criticou a tempo e horas o que hoje é óbvio até para tantos desses economistas: os estatutos do BCE e os limites à sua acção monetária destroem a Europa e é preciso recusar os infundados papões da inflação “descomunal” que em tempos de crise aguda, de desemprego de massas e de problemas de financiamento só ignorantes ou rentistas podem agitar? Estará Pulido nas duas categorias? Na primeira está certamente neste e noutros campos.
Quem é que ainda defende a acção das agências de rating? Quem é que também contribuiu para introduzir este tema no debate público?
Quem é que sempre criticou privatizações ou parcerias público-privadas ruinosas que criaram grupos económicos medíocres, os tais donos de Portugal, e defendeu um Estado estratego robusto capaz de os disciplinar e de os travar? Quem é que nunca acreditou na regulação, ainda para mais ligeira, como substituto da propriedade em sectores estratégicos?
Quem é que nunca acreditou na infantil hipótese dos mercados eficientes e sempre apontou para a relação entre liberalização financeira, financeirização e instabilidade económica, defendendo controlos de capitais?
Quem é que identificou há muito uma incompatibilidade entre a globalização económica e processos de integração que lhe foram tributários, por um lado, e as democracias de base nacional, por outro? Quem é que assinalou que uma economia viável tem de estar enraizada social e territorialmente?
Quem é que introduziu em Portugal o tema da taxação das transacções financeiras ou dos paraísos fiscais, criticando, com tantas propostas alternativas, o Estado fiscal de classe à vista de todos?
Quem é que introduziu no debate a reestruturação da dívida, perante a ignorância e preconceito generalizados de desprezíveis elites, hoje reconhecida como inevitável?
Quem é que criticou a hipótese da austeridade expansionista em nome do bom senso keynesiano com escala europeia? É a procura, estúpido.
Quem é que sempre identificou as desigualdades económicas abissais como um dos problemas do país, antes deste tema ter sido suficientemente identificado, dos EUA ao Reino Unido, como um dos mecanismos mais eficientes para gerar problemas sociais e desequilíbrios económicos?
Paro por aqui, mas hei-de continuar. Estes são sinais de vida das esquerdas, sublinho o plural, que não podem desistir. Os seus problemas estão mais no campo puramente político, de poder, embora os dilemas intelectualmente bicudos não cessem, claro. Saibamos então identificar as forças que são portadoras dos sinais de vida.
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11 comentários:
Excelente.
Penso que o centro/direita se apropriará de parte destas questões (uma pequena parte)e, dissimulando-as de alguma forma, se verá forçado a aplicá-las.
Agora, falta tudo o resto. Mas, como bons avençados que são do poder financeiro, só mesmo uma grande tragédia os obrigará a arrepiar caminho.
(Foi ilusão ou o Sarkozy disse mesmo que os paraísos fiscais iriam acabar?)
Caro Alexandre
A verdade é que sempre me espantou o fascínio de tanta gente com o VPV. Acho que há uma parte da suposta opinião pública de esquerda, entre nós (e se calhar não só) que é fundamentalmente masoquista. Bom, em todo o caso, quanto ao VPV há muito que é "time to move away": http://www.youtube.com/watch?v=AJDolFFndjc
"Time to live
Time to lie
Time to laugh
Time to die..."
Caro João Rodrigues,
Leio-o sempre com prazer, mas este post soube-me a pouco...
Soube-me a pouco porque elaborou, e bem, a lista dos problemas, dos desvios, dos abusos, até dos roubos identitficados e denunciados pelas esquerdas (imagino que se refira ao BE e PCP)
O que, infelizmente, não resulta desta lista são as "soluções" apresentadas. E não me refiro a chavões tipo "estado estratego"...coisas concretas.
A matéria de que é feita a acção politica concreta. As opções e as decisões. O custo de optar e de errar.
O facto é que as esquerdas que tão prolificas têm sido a ver problemas têm sido um deserto nas soluções. E refiro-me a soluções aceitáveis, claro.
Concretizo.
Por ex., por mais que um dirigente do PCP "identifique" a desigualdade social como um cancro do nosso pais, eu não posso esquecer-me que, esse mesmo dirigente, provavelmente considera a Coreia do Norte uma vitória do Povo.
O valor que abunda em diagnósticos, morre nas soluções.
E este é que é o verdadeiro problema das esquerdas.
miguel
miguel: soluções aceitáveis para quem? e para quê? a esquerda, e não apenas a esquerda portuguesa, tem apresentado soluções de fundo e alternativas substantivas. não agradam a quem define os termos da discussão, como é evidente. contudo, se é esse o critério, mais vale acreditar que serão as soluções políticas do costume a resolver os problemas que criaram.
alguém ainda acredita nisso?
Considero que VPV é uma “figura de estilo” do jornalismo do rectângulo, fazendo gala de “enfant terrible” com semblante amargurado. Talvez um sucesso de marketing.
Pelo ácido que destila amiúde pela “esquerda caviar” e pela “populaça”, ou pela forma como abomina tudo o que tenda a avizinhar-se de uma “middle class”, mostra de facto um preconceito de classe doentio (como era boa a vida das Cidades e das Serras do Portugal do século XIX).
Mas este desdém que ele mostra hoje nos seus “Sinais de Morte”, aventurando-se em áreas onde não tem qualquer conhecimento ou rigor, é um “fenómeno” novo. Ora isto é muito bom sinal…
Permitam-me um comentário não político. Pode parecer coisa menor, mas lembro que o homem se chama V P V Correia Guedes. Em Portugal, como em quase todo o mundo, a norma é a de dar primazia aos apelidos do pai. Fazer isto não tem qualquer significado, não é machismo, é seguir a norma, mas não o fazer, deliberadamente, já tem. Eliminar o nome do pai, aliás homem que foi muito respeitável, em favor do nome sonante da mãe, não abona do caráter de VPV.
Miguel vejo que reconhece que o João Rodrigues elabora uma lista concreta de situações que são inaceitáveis, ou seja, tem o mesmo ponto de partida que ele agora não consigo perceber porque acha que o João Rodrigues deva apresentar a "salvação" mesmo que ele até possa ter alternativas viáveis para as situações em causa, não será também da sua cabeça que têm de sair as alternativas ou será que está rendido à lógica do mal menor? Penso que o pragmatismo dos actos tem sido o que não nos tem possibilitado as escolhas inteligentes e é de facto uma escolha continuar a actuar assim.
Caro Luis Bernardo,
Nunca apresentaram "soluções aceitáveis" para os cidadãos que votam. A não ser, claro, que considere que os votos são dispensáveis...
Caro Anónimo,
No que escrevi, não me refiro a "soluções" do João Rodrigues, mas sim das "esquerdas" que ele refere. Bom seria, que as "soluções" do João Rodrigues fossem mais ouvidas...
miguel
Meu caro,
sou um leitor assíduo dos Ladrões. E felicito-o pelas suas análises.
Quanto a VPV, faço minhas as palavras do prof. Jorge Borges de Macedo: "Um caso raro da inteligência ao serviço da estupidez".
Anónimo Anónimo disse...
Meu caro,(e bem Caro )
sou um leitor assíduo (mais ou menos) dos Ladrões. E felicito-o pelas suas análises.
Quanto a VPV,(virus pernicioso valonguense)
VPV é um daqueles extremistas perigosos,porque é um mercenário reles,demagógico que mente e manipula os factos de forma intencional,mas de uma forma intelectualmente simplista e contraditória e portanto extremamente imbecil.
Pulido valente apenas serve um sector que lhe deu tudo.É um ser sem carácter e um hipócrita.Se dependesse dele o mundo vivia em guerra e o mundo devia submeter-se a uma ditadura do sector financeiro sem nada dizer para que parasitas inutéis como ele possam continuar a viver no luxo.
Quem é Pulido Valente?
Apenas mais um boy ao serviço do sector mais extremista ladrão e assassino da extrema direita,mas que no final, na sua cabeçinha ôca e alucinada, ele tem sempre razão nunca perde nem comete erros.
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