sábado, 5 de novembro de 2011
Banco não pode ser só caixa
O Estado vai emprestar dinheiro aos bancos privados. Tornando-se seu accionista. Talvez mesmo maioritário. Mas não vai mandar. Faz sentido? Dito assim, não. Mas ainda bem que assim é. Para vergonha, já basta a Caixa (…) Não são nacionalizações, não são estatizações, são empréstimos.
Ao ler estas passagens do editorial montanha russa de Pedro Santos Guerreiro, lembrei-me de Orwell, mas também de Gramsci: "Enquanto a velha ordem morre e a nova não nasce ainda surge uma grande variedade de sintomas mórbidos." A morbidez da economia política nacional está presente na forma como se disfarça a entrada passiva e muitíssimo arriscada do Estado no capital de bancos. Bancos agora também financeiramente fragilizados pela austeridade que desejaram, pela insolvência que se multiplica num país que a isso não estava habituado, um país de gente vulnerável, expropriada financeiramente, mas cumpridora até à crise. Uma capitalização que é passiva na linha de um Estado neoliberal, ou seja, um Estado passivo para ser instrumentalizado pelos poderosos e activo para instrumentalizar os vulneráveis, assim redistribuindo de baixo para cima.
O Estado não pode interferir com a gestão dita privada, competente por troikista definição. O Estado não pode ter capacidade para cuidar duradouramente do bem público que é o crédito, para reconfigurar o sistema financeiro, aumentando a presença pública directa e regressando, em noves moldes, a um modelo bancário mais dirigido, o pilar da prosperidade das economias mistas. Essas veleidades desenvolvimentistas são para países independentes. E, já se sabe, dizem-nos muitos, também à esquerda, esse tempo acabou, mesmo que em muitos países esteja só a (re)começar.
Na realidade, o sistema financeiro privado e liberalizado fracassou clamorosamente: um balanço feito de crises e de destruição de capital. Em Portugal, este sistema tirou partido de se ter tornado a lucrativa porta de entrada de poupanças externas, favorecendo um modelo de estagnação e agora de recessão permanente que muito deveu ao euro. O euro incentivou um capitalismo financeiro de distribuição, construção e controlo de equipamentos, um capitalismo depedendente porque feito para ser pouco produtivo. Neste processo criou-se uma casta de gestores demasiado bem alimentados e com demasiado poder político. Sim, o sistema financeiro é político porque é um sector com bastante capacidade para gerar e transferir custos sociais, o tal stress de que temos falado, para os restantes.
A aposta deste governo é que o sistema se perpetue tanto quanto possível intacto, com novos donos onde for necessário; estrangeiros, claro. Dado que isto é mais mórbido e transparente, as palavras têm de ganhar novos e absurdos sentidos: nacionalização é empréstimo, dívida pública é passivo, caixa é bpn, risco é certeza, prejuízos são lucros. Aqui está uma das contradições principais da economia política nacional. É aqui que muitos dos investimentos políticos têm de ser feitos. Banco não pode ser só caixa...
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2 comentários:
Ainda hoje ouvi essa mesma citação do Gramsci. http://www.youtube.com/watch?v=6iXhAPTGyfQ
Artigo impressionante, do melhor e mais claro que já li . Não consigo comentar.
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