segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Lumumba, 50 anos depois


Faz hoje cinquenta anos que Patrice Lumumba, primeiro Primeiro-Ministro democraticamente eleito da República do Congo, foi assassinado por mercenários belgas com a cumplicidade activa da CIA. Assim se abriu caminho para trinta anos da sanguinária ditadura de Mobutu, para um ciclo interminável de violência que provocou a morte a milhões de congoleses, para uma longa história de intervenções neo-coloniais em África e para o assassinato de outros líderes democraticamente eleitos pelo mundo fora, como Salvador Allende. Não fará mal refrescar a memória, para que a retórica da "democracia liberal" não obnubile os crimes do Império.

2 comentários:

Anónimo disse...

Assassinato é um galicismo. Será que estamos pernate tiques neo-colonialistas na linguagem ou é só ignorância?


João Paz

João Carlos Graça disse...

Caro Alexandre
"Democracia liberal" constitui no fundamental um oximoro. Originariamente havia regimes liberais de um lado, isto é, relativos às pessoas ocupando-se com “artes liberais” (trabalhando por conta própria e “com a cabeça”, ou de todo não trabalhando), e do outro lado regimes democráticos, ou seja, onde o poder estava do lado da maioria, que tinha ocupações “mecânicas”, isto é, assalariados e com trabalhos fundamentalmente manuais.
A história do liberalismo nos últimos séculos é no fundamental a forma como, em face do desafio e das pressões constituídas por ideários de raiz não liberal, nomeadamente o jacobinismo e o socialismo, aquele se democratizou pouco a pouco, às vezes com mais sucesso, outras menos. Os processos de democratização dos regimes liberais, entretanto, vieram invariavelmente associados à reprodução sob outras formas das lógicas de exclusão que antes visavam os assalariados. No século XIX, e tipicamente, o regime liberal norte-americano democratiza-se cedo quanto aos brancos, mas estando isso associado à escravização dos negros e ao extermínio sistemático dos peles-vermelhas. É um caso clássico, e corresponde à costela “rodesiana” que aliás acompanha a história política dos EUA até aos dias de hoje (a escravatura não apenas sobreviveu a 1776, ela de facto floresceu graças a 1776, tendo mesmo sido reintroduzida pelos ianques no Texas, depois de os mexicanos a terem suprimido). Correspondentemente, o regime da “white South Africa” é uma democracia liberal, sim, mas no seio do Herrenvolk e apenas. Analogamente, hoje em dia, com o estado étnico de Israel. O reverso destes casos de “democracias liberais” é, por todo o lado, o extermínio e/ou a escravização em massa dos "aliens". Mas foi por ser assim que, precisamente, a “democracia na América” se tornou objecto de um comentário indulgente de um liberal (que sabia perfeitamente não ser um democrata) como Tocqueville, enquanto a democracia em França, jacobina e socialista, que implantara o sufrágio universal, que fora abolicionista, que tinha inventado o imposto progressivo e constitucionalizado o “rendimento garantido” e o objectivo macroeconómico do pleno emprego (o “direito ao trabalho”) eram conscientemente abominadas de forma radical e visceral pelo mesmo Tocqueville…
Durante o século XIX, face à derrota dos jacobinos, e depois deles dos socialistas, no fundamental o eixo de inclusão-exclusão foi transferido da classe para a etnia, o patriotismo deixou de ser universalista para se transformar em nacionalismo étnico … e foi isso que permitiu a colonização em massa de África, ao mesmo tempo que a ideologia imperial fidelizou as massas europeias às respectivas elites (como se verificou plenamente e tragicamente em 1914, com o “social-patriotismo”).
O aparecimento do bolchevismo, em princípios do século XX, fez entretanto reabrir todos os dossiers que tinham ficado enterrados com o Thermidor e com a queda da república de 48. Quer no que diz respeito às metrópoles, onde o sufrágio universal e o “estado social” se impuseram finalmente (ou pareceram impor) de forma consumada, quer no respeitante à relação com as colónias. Mas a derrota histórica do mesmo bolchevismo, por outro lado…