A actual estratégia do governo alemão na condução da crise europeia tem causado muitas perplexidades. Através da imposição de brutais programas de austeridade aos países periféricos, o governo alemão estaria a enveredar por um caminho económico suicida para a própria economia alemã, seja pela recessão induzida no espaço europeu, com óbvios efeitos na sua capacidade exportadora, seja pelo risco de colapso da união monetária cujas vantagens a economia alemã tão bem tem aproveitado. Mudanças no “espírito europeu” dos alemães (a segunda Guerra mundial já é uma memória longínqua), cegueira ideológica (influenciado pelo pensamento económico dominante) ou pura miopia política são algumas das explicações avançadas. Embora partilhe parcialmente desta perplexidade colectiva, penso que não é difícil encontrar uma explicação mais robusta para actual estratégia ancorada nos interesses materiais da elite alemã.
Os bancos alemães, beneficiando dos extraordinários excedentes da economia alemã e da falta de hipóteses de investimento lucrativo na sua economia doméstica que tem uma procura agregada estagnada, reciclaram os seus fundos através de investimentos mais ou menos especulativos noutras economias. Não foi por isso de estranhar que estes bancos fossem dos mais atingidos pela crise financeira internacional. Como o mostram as mais recentes notícias, esta fragilidade está longe de ter sido ultrapassada.
Um dos investimentos lucrativos e seguros foi a compra de dívida pública de países da zona euro que ofereciam melhores taxas de juro do que a do seu próprio país. Uma estratégia de investimento reforçada já depois do início da crise internacional (ver gráfico abaixo), mas que se revelou negativa com o desencadear da crise da dívida pública há um ano atrás. Ora, estando os bancos alemães (e também franceses e holandeses) imersos em activos potencialmente “tóxicos”, o governo alemão fez tudo o que podia para evitar uma nova crise bancária.
O Banco Central Europeu começou a comprar os títulos de dívida pública detidos pelos bancos, transferindo assim o risco privado para uma instituição pública. Ao mesmo tempo impuseram-se políticas de austeridade promotoras de transferências de rendimento dos estados periféricos (sobretudo dos seus trabalhadores) para os mercados financeiros. Ganhar tempo para que os bancos do centro recomponham os seus balanços é, pois, o mote desta estratégia. É esperado que, no médio prazo, os bancos possam participar, sem grandes danos, no que já foi anunciado pela Chanceler alemã para 2013: uma reestruturação “ordeira” da dívida pública dos países do sul. Os bancos, ao minimizar entretanto a sua exposição a estes activos, conseguem evitar um processo que, se fosse encetado neste momento, lhes seria ruinoso.
Dir-me-ão que esta estratégia não explica totalmente a imposição da austeridade, já que políticas mais ou menos europeístas de relançamento da economia poderiam igualmente salvaguardar os interesses da banca alemã. Certo, mas os eleitores alemães parecem pouco interessados em pagar a defesa o euro. Têm bons motivos para isso. Embora, o euro tenha permitido uma intensificação do modelo de desenvolvimento alemão assente nas exportações, os trabalhadores alemães associam a moeda a um período de compressão salarial e deterioração das condições de vida: “O marco comprava mais do que euro”. Assim, e com várias eleições regionais à porta, não existem condições políticas para qualquer estratégia de promoção do crescimento europeu com transferências fiscais alemãs.
Poderá a estratégia resultar? Dificilmente. A dinâmica viciosa da austeridade terá certamente limites na periferia devido à consequente instabilidade social e política. Por outro lado, como o Jorge Bateira argumentou, a insustentabilidade financeira da dívida pública provavelmente irá precipitar-se nos próximos tempos, mesmo com os empréstimos europeus e do FMI. A defesa pública e política do plano B é urgente. Antes que seja demasiado tarde.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Caro Nuno
Sabe qual é modo operativo habitual de um governo "republicano"? Promove a unidade, a concertação de esforços e a mobilização conjunta, visando resolver problemas colectivos. Desde o "juntos podemos más" do PC Chileno ao "yes we can" do Obama, é essa a marca inconfundível dum estado de coisas democrático e da correspondente retórica política. Mesmo procurando iludi-la, as elites têm aí de se vergar ao peso da opinião democrática: o vício, diz-se, presta homenagem à virtude...
Pelo contrário, quando o estado efectivo das coisas é "imperial", basta ir virando este grupo contra aquele, através dum interminável jogo de checks and balances através do qual o príncipe vai indefinidamente saindo ileso e "por cima"... Se nós não pensamos nos assalariados alemães como parte... do "nós", precisamente, e eles como é óbvio reciprocam, o único governo objectivamente viável para a (des)união europeia é esse mesmo: divide et impera... O condomínio "federal" serve nestes casos não para reforçar o contéudo democrático das instituições políticas dos estados-nação, mas para o anular.
Alguém me diz, per carità, onde é que estou enganado nesta desesperada linha de raciocínio?
Tem razão. O governo federal será na ausência de condições que enuncia, e outras mais, um princípio anti-semocrático.
Jorge Rocha
Enviar um comentário