Recebi do Prof. Júlio Marques Mota, a quem agradeço o envio e a autorização de divulgação, uma mensagem que ele recebeu de ex-aluno:
Bom dia caríssimo professor.
Venho-lhe enviar as condições que me propuseram na entrevista de emprego em (X).
As funções que tinha que desempenhar consistiam em: procurar clientes, convence-los a aceitar propostas de seguros, de vendas de imóveis, de abrir contas bancárias obscuras, resumindo, seria convencer os clientes a assinar um conjunto de serviços financeiros que deixam muito a desejar.
As condições que ofereciam eram as seguintes: teria que me deslocar na minha própria viatura, encontrar os respectivos clientes, tratar dos documentos todos e todas as burocracias a que esses serviços financeiros obrigam, teria que ser eu o responsável caso essas contas bancárias misteriosas [contas de aplicações em produtos estruturados] e serviços não decorressem da melhor forma e, no final ficaria com 15% dos lucros, tendo ainda que repartir esse 15% com a equipa (vendedores) a que iria pertencer.
O entrevistador sugeriu-me que achava por bem contratar-me como licenciado e não futuramente como mestre, pois isso implicaria mais custos, custos esses que para ele seria algo supérfluo. Seguidamente, após o entrevistador ter tentado de todas as formas que eu assinasse de imediato o contrato, comunicou-me que o ordenado base seria de ZERO, pois eu poderia constituir o meu próprio ordenado, dado, que quantos mais produtos financeiros realizasse, melhor ordenado poderia obter. Confrontei-o de seguida, com a situação em que me encontrava, ou seja, uma vez que não conheço a cidade de (X), seria complicada a tarefa de nos primeiros tempos constituir uma carteira de clientes, respondendo-me ele de imediato que caso eu não encontrasse clientes, teria que suportar todas as despesas.
Aproveito também para lhe comunicar que foi esta a minha primeira entrevista de emprego como licenciado, onde o entrevistador me comunicou que estava já constituída uma equipa com outros quatro licenciados, o que me deixou estupefacto, dado que esses outros elementos aceitaram as condições em cima descritas.
Confesso que estou muitíssimo apreensivo e assustado com esta realidade terrível com que me deparei.
15 comentários:
Esta carta é a real falta de pudor social, e de uma falta de responsabilidade social que estas empresas que querem contratar individuos nestas condições. De facto empresas destas deviam de ser banidas do nosso meio empresarial, pois considero que não aportam mais valias para o país, para o trabalhador e para a sociedades em geral. Mas temos aquilo que temos. Esta estranha forma de contratar não é de país que apregoa o estado social???.
Nem as empresas Americanas tem o desplante de contratar colaboradores nestas condições, para realçar que de facto a sociedade Portuguesa está numa fase em que se depara com estas situações de ESCRAVATURA, aproveitando o clima em que o País vive e o medo do desemprego.(é melhor isto que nada....).
Chegar ao final de um mestrado e ter uma proposta deste genero, é no minimo chocante.
É escandaloso!
Isto só é possível devido à conivência de uma sociedade hipócrita.
E nao teria sido bem melhor o entrevistador deixar-se de tretas e explicitar no anuncio que aquilo que procurava nao eram empregados mas sim vendedores comissionistas? Provavelmente o negocio dele e tao reles que nao atrairia candidatos se ele dissesse a verdade.
Assim dispensava-se o anonimato e toda a gente prosseguia o seu caminho sem se sentir enganada ou apreensiva quanto ao estado do mercado de trabalho.
uma realidade quase de um pais do terceiro mundo,arabe
sempre houve comissionistas
desde vendedores de bibliotecas e enciclopédias
a vendedores do insubstancial
se vendem zero aos papalvos
e lucram com isso
recebem zero
é a economia dos zeros
é a Sociedade Zero
Não sei se me deixa mais triste o espanto (notado nos comentários), ou se a realidade (encontrada todos os dias no mercado laboral). Pensava eu, que estúpido eu sou, que este e outros (imensos) casos semelhantes, eram do conhecimento de todos. Tirando (pelo menos para mim raras excepções) esta situação é "normal" neste País.
Esta situaçäo é "normal" porque o país é totalmente amoral, e povoado por uma cambada de carneiros que näo se mexem.
Fizessem todos como o meu irmäo e já os patröes näo poderiam nem sequer *tentar* estas maringäncias!
Mas quê, antes de se graduar já têm carro novo e casa próprias, claro que depois quem tem dívidas até ao pescoço em seguida tem que se agarrar à primeira coisa que aparece.
Näo acordem, näo... olhai os tunisinos, desempregados porque querem um emprego à altura das suas capacidades, näo o encontraram, DEPUSERAM O GOVERNO nas ruas!
Divulguei o post através do FaceBook. É irresistível de tão revoltante que é a situação.
Mas faço reparar que a "democracia" está em tal estado de degradação que esta proposta de "emprego" ilegal nem sequer pode ser denunciada por completo, a localização e o nome da empresa estão ocultos. Não condeno por fazer isso, porque sei que era bem possível que o condenado em tribunal fosse o denunciante por difamação e não o denunciado... Não seria a primeira vez...
Apenas quero salientar esse facto, de que para sobreviver, e até para poder responder a outras ofertas de emprego no futuro, este aluno teve que deixar a empresa no anonimato e a ele próprio também.
Esse é o estado de "democracia" que temos, em que não nos sentimos seguros para poder denunciar ilegalidades livremente.
tenho um amigo q por estar mesmo arrasca a procura de algo teve q aceitar uma proposta deste tipo.
Sou a única pessoa a não ver nada de mal nisto? Só se oferece este tipo de trabalho porque há pessoas que aceitam. É melhor que não trabalhar. E uma pessoa pode sempre recusar, ninguém a obriga. Tem essa opção. Se toda a gente recusar deixa de haver ofertas de trabalho assim. E não venham dizer que é pelo dinheiro. Porque quem tem falta de dinheiro não aceita estes trabalhos. A única coisa negativa que vejo é uma pessoa com o grau de mestre receber mais que um licenciado. Isso é pura discriminação. Mas essa está institucionalizada e é aceite pela maioria das pessoas.
Só oferecem porque alguém aceita. Nas minhas muitas viagens malucas pela América do Sul, fiquei várias vezes sem dinheiro. Com vergonha de pedir dinheiro aos meus pais, limpei casas de banho a troco de estadia e comida. Trabalhei em restaurantes a viver somente de gorjetas. Atravessei o Atlântico de barco a troco de limpar a cozinha e de uma garrafa de vinho do porto que me custou uma pequena fortuna.
Se pusesse um anuncio a dizer que oferecia emprego para lavarem-me a casa mas que não oferecia dinheiro. Fazia de mim uma pessoa imoral?
Só aceitava quem queria. E quem não tivesse dinheiro simplesmente não aceitava.
Se me permitem acrescentar mais um pedaço desta "normalidade", pedindo desculpa desde já pelo tempo que vos irei tomar. Porém, a troca de correspondência que se segue teve lugar em 2009, após a conclusão da licenciatura do meu filho, "web design e multimédia". Devo esclarecer que em 2005 a universidade "oferecia" estágios que deixaram de existir após o processo de bolonha.
Minha resposta : quarta-feira, 6 de Maio de 2009 23:47 ao email recebido através do IEFP:
«Aos responsáveis de Verlag Dashöfer - Edições Profissionais, Sociedade Unipessoal, Lda.
É verdadeiramente inconcebível que em pleno século XXI hajam empresas (neste caso particular, (sic)«uma editora altamente competitiva e sempre atenta às necessidades e expectativas do mercado») que pretendem utilizar recém-licenciados para trabalharem de graça. É assim que o país jamais sairá da “cepa torta” com empresários que pensam que um estágio não remunerado é a melhor forma de incentivo a novos e melhores profissionais atentos às necessidades e expectativas do mercado.
Por outro lado, estamos em plena Primavera a caminho do Verão, não é propriamente uma altura do ano que justifique “trabalhar para aquecer”. Mesmo que não hajam estágios ou primeiros empregos onde os estagiários possam ganhar “consciência” profissional sempre é melhor ir para a praia, ao menos trabalha-se não apenas para aquecer mas para o bronze!
Passem bem!
Ana Pereira
Resposta recebida a 7 de Maio de 2009 14:59:
«Cara Sra. Ana Pereira,
Agradeço desde já, o seu comentário e interesse na nossa empresa.
Aproveito também, para a informar um pouco da realidade empresarial, que aparentemente, parece não ter muito conhecimento, talvez dada a tenra idade.
Irei falar da nossa perspectiva e não, das outras empresas.
Acontece que, há no recrutamento de estagiários, uma troca de valências. Por um lado, o estagiário, que não tem experiência alguma de trabalho (jamais uma licenciatura, só por si, torna alguém apto a trabalhar na sua área com total eficácia), tem a oportunidade de ganhar experiência que a universidade habitualmente não dá. Por outro lado, ao aprender um ofício, não só coloca os seus parcos conhecimentos em prol da organização como, pode desempenhar tarefas que, não sendo fundamentais (pois não tem senioridade), são importantes no seu todo e implicam menos risco para a empresa. Óbviamente que, é discutível a questão da remuneração mas, temos vários exemplos de estagiários que passaram ao quadro após terminarem o estágio. É um investimento que cada um faz (tal como pagar para uma formação) e, quando o estagiário aceita o desafio e excede as expectativas, há todo o interesse em ficar com ele na empresa.
Depois, nas empresas não existe essa coisa de Primavera, Verão, Outono ou Inverno. As empresas laboram o ano todo, e não param para ganhar “bronze”. Quem assim pensa, não estará, realmente interessado em se manifestar como futuro profissional. Esse sim, um verdadeiro cancro de mentalidade da nossa sociedade. Tal como o pensar que, sendo licenciado, já será um expert e deverá ganhar de acordo com tal ilusão. Não é, e não será assim.
Felizmente, há pessoas com perfil de verdadeiros profissionais, que, com humildade e esforço pessoais, mostram-se disponíveis para aprender e aceitar o eventual retorno. Essas são as pessoas que procuramos e com as quais queremos partilhar o sucesso futuro.
Obrigado pela a atenção.
Dinis Neves
HR Manager»
Minha resposta de sex 08-05-2009 8:07 que nunca obteve resposta:
«Caro Exmo. Sr. Dinis Neves
HR Manager
Agradeço também a sua resposta e desde já informo V.Exa que me surpreendeu, pelo simples facto de ter respondido ao meu desabafo (não foi indiferente) duma forma corajosa e ao mesmo tempo paternalista. Porém, devo desde já salientar o seguinte:
1) Sou licenciada há muitos anos, profissional e mãe de um candidato a estágio na vertente Web-design;
2) Sem o meu filho saber fui bisbilhotar (as lan domésticas têm destas coisas!) que tipo de anúncios empresariais tinha ele pela frente, via IEFP e, francamente, fiquei deveras desiludida ao constatar o manancial de empresas que agora procura recém-licenciados a “custo zero”!
Quanto a: «jamais uma licenciatura, só por si, torna alguém apto a trabalhar na sua área com total eficácia»: Concordo! No primeiro emprego ninguém está apto a trabalhar com total eficácia. Ponto final. Embora o licenciado, sobretudo na área do design, tenha à partida mais hipóteses de ser eficaz que um autodidacta, ou um jovem com a escolaridade obrigatória e/ou tecnológica/profissionalizante, porque acima de tudo é um técnico treinado na sua área para criar e desenvolver soluções de comunicação aliciantes; com bons conhecimentos multidisciplinares e de usabilidade. Falta-lhe apenas a especialização, a chamada tarimba profissional. E, por muito que custe assumir, uma licenciatura (pelo menos, as do “ensino público”) não é um OFÍCIO. Nem tão pouco uma NOVA OPORTUNIDADE. É, apesar das más línguas, um investimento formativo que proporciona a qualquer aluno muitas bases que os autodidactas não têm, nem podem ter, porque essa preparação/formação é apenas empírica. Isto para não falar em espírito crítico, iniciativa, etc… etc…
3) Quando saí da universidade, tinha também a noção absoluta, de que os conhecimentos adquiridos (teóricos e práticos) ao longo de 5 anos não seriam o suficiente para me considerar uma “profissional”. Porém, a vontade (não apenas de ser independente da família) em desenvolver todo o meu konw-how académico ao lado de profissionais catapultaram-me para a derradeira batalha das respostas a anúncios (sem cunhas), manuscritas, por vezes em várias línguas, com caligrafia impecável (não existiam ainda e-mails em Portugal), nem curricula pré-configurados; ao fim de quinze dias e dezenas de respostas enviadas pelo correio tive a “sorte” de iniciar o meu primeiro emprego, i.e. – Trabalho Duro - numa famosa empresa sueca.
4) No entanto, asseguro-lhe que nunca, em nenhuma empresa me propuseram período experimental a prazo NÃO REMUNERADO. Nunca! Claro, que todas as empresas, nacionais ou estrangeiras, ofereciam um salário pequeno, em virtude de, tal como V.Exa afirma e muito bem – não haver experiência alguma de trabalho – eu diria antes, não haver ainda a chamada “consciência” profissional.
5) O primeiro salário era e ainda é, por mais reduzido, a primeira conquista. O início da verdadeira vida de adulto responsável. Possivelmente o Exmo. Sr. Dinis Neves ainda se deve lembrar tão bem quanto eu, do valor que deu – ao seu 1º salário, ou estarei errada e não recebeu absolutamente nada pelo trabalho desenvolvido?! Depois, era a luta para ficar, para ser melhor, para… enfim, ter orgulho em si próprio e ter prazer no seu trabalho. Infelizmente, a maioria não tem! Porque será?!
(continua)....
6) Meu caro senhor, também escolhi candidatos e por incrível que pareça, nunca admiti ninguém que se subjugasse, ou que fosse arrogante e pode crer que também aprendi muito com os nórdicos!
7) Permita que acrescente que a realidade empresarial nacional é muito cinzenta e bolorenta, ao ponto de preferir colaboradores passivos, subjugados, apavorados, porque o “mercado” actual, da forma como está a tratar a juventude não quer profissionais – quer súbditos! E tanto assim é que a utilização de estagiários tende a resultar altamente vantajosa em termos económicos para quem os acolhe, pois não existem custos de recrutamento e selecção, custos de produtividade, nem custos salariais durante o período de tempo que o estagiário permanece como um "membro temporário" da Organização; esta limita-se a usufruir do Know How do estagiário, fornecendo-lhe em troca a experiência profissional exigida. É no mínimo, altamente injusto para o pobre jovem que continua a ser um dependente do apoio familiar, ou da esmola do erário público. Algo que nós não fomos, nos tempos remotos em que a sociedade ainda era humana e apostava forte no futuro, nas novas gerações!!
8) Não é assim que se treinam profissionais com competências e mérito. Não é assim, repito, que o país, através das suas empresas irá ultrapassar a “crise” que se arrasta há longos anos. Não é também por decreto que se criam NOVAS OPORTUNIDADES. É com a mais valia de equipas motivadas que se cria riqueza para as empresas, para as famílias e para o país. Não chega escrever a palavra MISSÃO. Há que A sentir e vestir. Todavia, nós portugueses, provincianos de gema, deslumbramo-nos apenas com os outros, esquecendo que somos tão bons ou melhores. Infelizmente ainda não aprendemos a valorizar-nos e muito menos as novas gerações que não são mais do que a nossa imagem.
9) Quanto às estações do ano por mim evocadas e dado que não me fiz entender, têm a ver com a expressão - “trabalhar para aquecer” - num país que se diz, civilizado, Europeu.
Sem mais, subscrevo-me, agradecendo a atenção dispensada.
Ana Pereira»
Tive muitas, imensas entrevistas de emprego assim quando acabei o curso. Nada nos prepara para isto, sobretudo quando as melhores ofertas de emprego são pouco melhores que esta. Já houve tempos em que se chamava a isto escravatura.
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