domingo, 4 de março de 2018

Aprende-se muito entre ruínas


Em dia de eleições legislativas italianas é absolutamente deprimente, mas bastante esclarecedor, observar a total ruína política da esquerda italiana, reduzida a pouco mais de 5% nas últimas sondagens (Renzi é, como Macron ou Alberto Rivera, um político do neoliberalismo maquilhado, um político de direita, na realidade, que nada tem a ver com qualquer tradição das esquerdas).

Note-se que estamos a falar do país ocidental com a mais importante e sofisticada tradição comunista no pós-guerra. A esquerda italiana, na sombra de 1989, talvez mais do que qualquer outra, aderiu a moda intelectuais perversas ou inconsequentes, deixando um vasto cemitério de siglas, um vazio ocupado por outros, como tem sido recentemente o caso do movimento cinco estrelas ou da própria liga. O que pode explicar isto do ponto de vista político-ideológico, elemento que não esgota a explicação, claro?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar a passagem da maioria do Partido Comunista Italiano a Partido Democrático da Esquerda e deste a Partido Democrático, aderindo à social-democracia de terceira via, culminando num partido liderado por esse bufão autoritário, oriundo dos restos da democracia-cristã, chamado Renzi. Recentemente, os artífices de tal involução, incluindo Massimo D'Alema, com os restos de outras experiências, formaram a enésima coligação social-democrata, abandonando um Renzi que chegou a ser a esperança para muitos euro-iludidos.

Em segundo lugar, é preciso não esquecer que a Itália é o país onde o europeísmo mais insano colonizou praticamente toda a esquerda, do apoio à UEM, que condenou o país à estagnação e à crise prolongadas, à luta inconsequente “por uma outra Europa”, entre os que aparentemente não desistiram e que culminou nas últimas eleições europeias na pindérica lista “com Tsipras”, associada à farsa da eleição do Presidente da Comissão Europeia; como se a política nacional pudesse ser feita a partir de fora.

Em terceiro lugar, é preciso relembrar a participação, quase sem condições, num governo sem alternativas, uma aventura que esvaziou a promissora Refundação Comunista.

Em quarto lugar, e isto vale também para a Refundação Comunista, é preciso avaliar criticamente a abertura excessiva à ultrapassada moda movimentista do alter-globalismo, de que alter-europeísmo, foi uma declinação.

Sim, a esquerda pode por vezes acabar. Recomeçará também quando se livrar de muita da tralha ideológica criada nestas últimas décadas.

A partir de uma base de apoio muito reduzida, pode ser que  o Poder para o Povo seja a prazo a solução populista de esquerda para dar voz a uma base social causticada, forjando um programa soberanista e democrático consequente, elemento que tem primado pela ausência. Ou pode ser que seja apenas mais uma sigla.

Aprende-se muito entre ruínas estrangeiras, incluindo sobre nós próprios, sobre os nossos erros e acertos políticos.

17 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez um post oportuno e lúcido.

Jose disse...

ão podia estar mais de acordo com a análise.
Esquerda verdadeira, autêntica, só se conheceu uma até aos dias de hoje.
Chamar-lhe 'soberanista e democrática' é que já é invenção desviante: será seguramente imperialista e ditatorial.

Abraham Chevrolet disse...

Querido José:
- Conheces o Duomo,em Milão,junto à Catedral? Sabes quem lá estacionou,numa posição incómoda,depois de muitos erros e aleivosias?
Quem não aprende com a História está condenado a repeti-la,como uma farsa.Sem nenhuma graça,se lá deixamos o pescoço.

Anónimo disse...

Um bom post. Com os olhos bem abertos.

Ao contrário dum sujeito que mais uma vez não dá uma para a caixa.

Primeiro era um "não podia estar mais de acordo". Parece que isto é todavia conversa para boi dormir. porque depois se queixa que há uma "invenção desviante", donde o "não podia estar mais de acordo é treta. Mais uma intervenção "lúcida e clara", como o seu mestre?

Sem se perceber bem porquê relembra os seus preceitos ideológicos: imperialista e ditatorial.Falará ainda dos tempos de Salazar?

Depois fala numa esquerda "verdadeira autêntica" quando JR fala em esquerdas. Se este fulano de nickname jose, em vez de tiques salazarento-pesporrentos, procurasse informar-se não fazia estas figuras tristes:

https://4.bp.blogspot.com/-Qv6Ul4yNiwA/WpgugbPvnzI/AAAAAAAAtPY/wkV4H98a1boKUvr6PoARBJZNJeiZ9AK3gCLcBGAs/s1600/apotere3.jpg

Jose disse...

Isso das 'esquerdas' é uma grande treta que alarga e encolhe conforme dá jeito. O PC mais o nexo Verde é das esquerdas, a Geringonça é das esquerdas e até o Papa é das esquerdas.

No final só há uma: a que recusa a propriedade privada dos meios de produção.
Bem decerto que pelo caminho é capaz de tolerar uns tantos patrões, desde que se comportem como cooperativistas e adoptem o léxico do serviço aos coitadinhos proposto pelos pastores das esquerdas.

Anónimo disse...

Essa das esquerdas é tudo o que o fulano de nickname jose quiser.

Mas não é isso que se discute e que se aponta. Aponta-se para a idiotia dum fulano que fala em que "não podia estar mais de acordo".

E que depois desbobina as tontices e as palermices aí apensas, contrariando o que começara por dizer.

O resto é apenas o paleio triste e limitado dum beato fundamentalista a fazer pela sua ideologia.

Em que nem escapa a crismação do Papa como de esquerda, atestando o extremismo desta direita roufenha e em trajes menores

Anónimo disse...

Aprende-se mesmo muito com ruínas

E Passos a ir para professor duma universidade pública? Com o apoio de Sérgio Sousa Pinto...

Anónimo disse...

"O sistema da moeda comum está condenado a um fim," disse Salvini. "Não porque Salvini o quer mas porque os factos, o bom senso e a economia real o dizem. Por isso queremos estar preparados quando o momento chegar."

Se tomarmos estas afirmações do Sr Salvini à letra e lhe juntarmos outras declarações em que afirma que um referendo sobre o Euro está excluído, é fácil concluir que caso forme governo em condições que o permitam o Sr Salvini terá preparado um plano B para o caso de as negociações sobre a reforma da Zona Euro não contemplarem as exigências italianas.

O que denota que alguém aprendeu com o caso grego...

“The euro was, is and remains a mistake,” he said, adding, however, that a referendum over the continued participation of the euro zone’s third-largest economy in the single currency was“unthinkable”.

"O Euro foi, é, e continua a ser um erro," disse, acrescentando contudo que um referendo sobre a continuação da participação na zona Euro da terceira maior economia da moeda única era "impensável".

In Reuters

https://www.reuters.com/article/us-italy-election/italys-league-claims-right-to-govern-after-inconclusive-vote-idUSKBN1GH0GI

Não é por acaso que o Sr Salvini se rodeou de economistas anti-Euro apesar de estes declaradamente não serem da sua côr politica.

Parece-me que juntando todos estes elementos se pode esperar uma saída relâmpago da Itália da Zona Euro, não imediata mas súbita, pela simples razão que é a forma mais indolor de o fazer.

É como arrancar cera de depilação. Qualquer senhora sabe que é melhor ser feito de repente.
:) :) :)
S.T.

Anónimo disse...

Essa da cera é muito boa.
E nós? Há algum plano B preparado?

Lowlander disse...

@ST
Aguardemos os desenvolvimentos em Italia antes de fazer previsoes tao tremendistas.

Al disse...

Bravo. E não esquecer que em 2011 a Alemanha forçou a queda do governo Berlusconi, na 4a maior economia da UE.

Anónimo disse...

@Lowlander

Longe de mim pretender ser tremendista, mas até me parece ver os bonecos a alinharem-se.

Claro que a dar-se, o "evento" só poderia ter lugar após uma coligação ou acordo programático da Lega com o M5S que seria a única forma de garantir a maioria necessária para algo dessa envergadura. Mas se juntarmos ainda a ascensão de Navarro a chefe do conselho económico de Trump e a maior facilidade de comunicação entre populistas de direita americanos e italianos, poderíamos ver o "amigo americano" dar a sua benção a um "evento" que acabasse de vez com a irritante vantagem mercantilista alemã.

E nessa altura duvido que Costa receba convite para o baile. É que neste caso o segredo é a alma do negócio, e quem fôr apanhado com as calças na mão... olha, azar!
Dava um belo filme, não dava? :)
S.T.

Anónimo disse...

O João Rodrigues, tem o condão de deixar muita gente "de cara à banda". Não por vontade do próprio, mas porque lhes abre uma janela mesmo diante da cara. Larga, ampla, de fronte para a qual fica mais difícil negar a realidade e as evidências.

Anónimo disse...

O guisado italiano já anda a apurar no tacho há muito tempo.

Neste artigo de 2016 já Claudio Borghi expunha estratégias de como fazer a transição para uma nova lira.

"“When the time comes we can then switch to this new currency. It can be done electronically. We don’t even need to print paper,” Prof Borghi said. “The losses would shift to the national central banks through the Target2 system,” he said. This means the Bank of Italy would repay euros 355 billion euros on liabilities to Eurozone peers (chiefly the Bundesbank) in devalued lira. The Bundesbank would face instant paper losses on its credits — reaching 700 billion euros in the likely event that an Italian exit would lead to a general return to sovereign currencies. The sums are in one sense an accounting fiction."

http://gulfnews.com/opinion/thinkers/avoiding-a-messy-withdrawal-from-the-euro-1.1942322

Gosto particularmente desta parte: "Isto significa que o Banco de Itália pagaria 355 milhares de milhões de Euros em responsabilidades (liabilities) aos seus pares da Eurozona (principalmente ao Bundesbank) em liras desvalorizadas. O Bundesbank enfrentaria perdas instantâneas (no papel) nos seus créditos que podiam alcançar 700.000 milhões de Euros no caso provável de um retorno generalizado a moedas soberanas."
S.T.

Jose disse...

«The sums are in one sense an accounting fiction.»

A golpada no capital é sempre o objectivo primeiro da esquerda. No passado davam-se ao incómodo de promover revoluções, ainda que sangrentas, agora já se contentam que os números lhes permitam reiniciar a desbunda da despesa e emprego público.

Anónimo disse...

A golpada no Capital?

Que choradinho idiota e sem sentido é este?
´
O capital a fazer as suas golpadas e este tipo a armar-se em vestal. Tal qual um dono disto tudo apanhado com a mão na massa.

Anónimo disse...

O objectivo primeiro da esquerda deve estar centrado no Homem e na sua dignidade. Assumindo-se as pessoas como iguais entre iguais.

Os promotores de teorias eugénicas, que tentam justificar o direito ao saque com base em diferenças raciais, de género, de religião, de riqueza, de herança, de sangue e de outras idiotices, querem a perpetuação ou o agravamento da presente situação. Um mundo em que a vampiragem domina e saqueia. As revoluções incomodam-nos sobremaneira. A grande Revolução Francesa abriu as portas à idade contemporânea e atirou para o lixo da História a tralha duma nobreza parasita e inútil. A Revolução Russa fez tremer os alicerces do seu mundo. O 25 de Abril fez ruir a canalha que se governava e aprisionava um país na miséria e na guerra.

Sonharam e sonham com a perpetuação dum mundo desigual e iníquo. Houve quem se apressasse a ver na troika e na governança a oportunidade para o ajuste de contas com Abril. Agora encolhem as garras porque a isso são obrigados e os tempos não são propícios a mostrarem as suas verdadeiras faces. A desbunda de que falam oculta a sua verdadeira desbunda parasitária, desde os seus bordéis tributários, às fraudes dos banqueiros, das falências fraudulentas, das privatizações criminosas.

Sonham com o desemprego. Querem mais. Uivam por mais. Dão-lhes azia o desemprego não subir 30% entre o público. Duma mesma onda querem um exército de mão-de-obra barata completamente disponível para alimentar a fornalha do Capital e sonham com o fim das ditas funções do Estado

Sonham com as balls de salazar. Um mundo feito à sua medida.

E que fede da forma que se adivinha