terça-feira, 6 de novembro de 2012

Para entender a germanização da zona euro


aqui sugeri que há uma lógica subjacente às políticas impostas aos países da UE sob tutela: camuflada pela retórica da defesa do euro a qualquer preço, de facto a intenção do governo alemão é fazer sair pelo seu pé, um a um, os países da zona euro economicamente mais frágeis. O que restar da zona euro deverá sujeitar-se a uma Constituição económica. Como é evidente, o resultado final desta crise não é controlável pela Alemanha. No entanto, é importante entender os princípios orientadores da estratégia de Angela Merkel e, para isso, vale a pena ler um artigo publicado no Libération, no ano passado, de que traduzi alguns parágrafos:  

“Em Setembro [2011], Angela Merkel disse aos deputados democratas-cristãos e não parou de o repetir desde então: a política orçamental dos Estados deverá ser colocada sob o controlo dos juízes do Luxemburgo que, daí em diante, punirão os Estados “faltosos” (por exemplo privando-os do benefício dos “fundos estruturais”). (…) a orientação está definida e confirma mais uma vez a precariedade da legitimidade política na União Europeia: a credibilidade do euro só pode jogar-se no plano do apolítico.
Aqui (…) temos o relançamento de uma das correntes do liberalismo melhor estabelecidas, o ordoliberalismo, nascido na Alemanha entre as duas grandes guerras e popularizado no pós-guerra sob o nome de “economia social de mercado” pelo influente ministro alemão da economia (1949-1963) e chanceler federal (1963-1966), o democrata-cristão Ludwig Erhard.(…)
[O ordoliberalismo] é feito de regras de direito (constitucional) e do juiz, as principais alavancas e garantes da construção de uma ordem política fundada no estrito respeito das liberdades económicas e da livre concorrência. Face a uma “política” considerada incapaz de criar um ambiente de expectativas estáveis para os operadores económicos, apenas a regra constitucional (a famosa “regra de ouro”) os protege das “incoerências temporais” dos governos democráticos. É a esta luz que se pode avaliar a proposta alemã que assim coloca o poder parlamentar maior que é o poder orçamental sob o controlo dos juízes.  (…)
Em suma, a proposta alemã encerra muito mais que uma solução temporária para uma situação de emergência. Ela inscreve-se numa autêntica doutrina do federalismo europeu e marcaria um ponto final no lento desenvolvimento de uma lógica democrática no seio das instituições supranacionais nascidas sob o signo da modernização económica. Por outras palavras, ela decretaria o último fracasso das repetidas tentativas de construção de uma Constituição política e o início de uma Constituição económica europeia.”

Não falta quem pense que um governo SPD-Verdes poria fim a esta estratégia de germanização da Europa. Contudo, não é provavel que a orientação de fundo mude. Importa recordar que foi com o chanceler social-democrata Gerhard Schröder que a Alemanha adoptou um pacote de reformas neoliberais (“Hartz IV”) para fazer da Alemanha um actor global mercantilista, uma máquina de acumulação de excedentes comerciais. Na realidade, o pensamento ordoliberal foi assimilado pela esmagadora maioria dos economistas alemães e está presente no programa do SPD. Para mais informação sobre a hegemonia ordoliberal na Alemanha, ler este texto de que traduzo algumas linhas:

“Contra o que seria de esperar num partido do centro-esquerda europeu, o SPD veio defender um Pacto de Estabilidade e Crescimento mais rigoroso. Concordou com o governo na necessidade de introduzir “travões constitucionais” aos défices em todos os países da zona euro e votou a favor do pacto orçamental. (…) Alguns líderes do SPD também já tomaram posição a favor das Euro-obrigações, embora os documentos oficiais do partido realcem que elas apenas podem fazer parte de um acordo que inclua regras de austeridade mais estritas em outros países. O SPD também se opõe à compra de títulos de dívida pelo BCE.”

7 comentários:

Anónimo disse...

Estamos tramados assim.... Se até o SPD pensa dessa forma, isto fica muito complicado.

Anónimo disse...

Em resumo:A quadrilha destes Selvagens que (des)governa Portugal é/ou tem sucursal na Alemanha e noutros países.
Com governos e partidos "amigos" destes quem é que precisa de inimigos.!?
Há qualquer coisa de muito insano e podre, nisto tudo.
O futuro que nos espera e aos nossos não é risonho nem de esperança.
Só espero e tenho esperança, aqui sim, que os obreiros do desastre no nosso país sofram a bom sofrer.

fec disse...

Estamos num tempo em que todos os países do mundo tendem a apresentar as mesmas vantagens competitivas. A rapidez global de circulação da informação, a eficiente circulação de mercadorias em termos mundiais, o crescente investimento na inovação, educação e formação, fazem com que a única maneira de fazer a diferença seja nas variáveis fiscais, sociais e salariais.

E para isso só há uma solução: regras mundiais uniformes.

Sem elas existe apenas e de facto uma guerra económica mundial em que dois dos actores são a Alemanha e a China. E a Alemanha e a Europa só sobreviverão se o modelo competitivo alemão que lhe permite competir com a China for alargado a toda a Europa. E eu prefiro uma Alemanha e Europa democrática com poder mundial do que um mundo dominado por valores profundamente anti-humanos (violação da dignidade humana, dos direitos humanos, pena de morte, totalitarismo, etc.)

Diogo disse...

Isto não é nenhuma guerra da Alemanha contra o resto da Europa.

A Alemanha está quase tão mal como Portugal. Tem um desemprego e precariedades maciças.

Não confundir os governos de um país com as respectivas populações. Nós, tal como a Alemanha, também estamos a ser governados por lacaios do Grande Dinheiro.

Merkel é apenas uma velha gorda e corrupta.

José Nascimento disse...

A germanização do euro só decorre da força da economia alemã. Porque os alemães trabalham mais e melhor, mas principalmente porque fazem melhores as coisas.
Para participar numa sociedade com outros países com uma moeda comum, não percebo porque razão os alemães não poderão exigir mais dos elementos dessa sociedade.
Alguém nos obrigou a entrar no euro?
Ou alguém nos obriga a comprar produtos alemães?
Ou ainda, é assim tão dificil perceber que pertencer à europa, mesmo sem euro, é também uma responsabilidade que merece no minímo, andar com contas certas, mesmo que isto obrigue a um esforço na definição de políticas possíveis de executar, pelos próprios meios de cada estado e nação.
Acusar da Alemanha de exigente quando não se tem as contas em dia é no minimo bizarro, par não dizer outra coisa.

Anónimo disse...

"E a Alemanha e a Europa só sobreviverão se o modelo competitivo alemão que lhe permite competir com a China for alargado a toda a Europa."

Se a Alemanha quer mesmo alargar o modelo tem que efectuar um plano Marshall forte para os paises od Sul, para atenuar a austeridade sucessiva. O que está a fazer agora é só uma parte do modelo e está a destruir tudo e não vai resolver nada. Porém, duvido que a Alemanha queira mesmo alargar o modelo e apenas manter a estabilidade do seu euromark, que tão bem lhe convém nos dias que correm. E a elite alemã prefere manter uma balança de pagamentos positiva com os países do Sul, ao invés do que realmente deveria acontecer até a situação normalizar. E já nem falo da inflação...

Sobre o comentárioa do José Nascimento teríamos muito a falar. Eu trabalhei na Alemanha como engenheiros em 3 empresas distintas e direi que : não trabalham mais, pelo contrário, trabalham menos horas; trabalham melhor nalguns sectores, mas não em todos(também tive o prazer de ver muita incompetência); têm empresários a sério, não choramingas que se queixam dos chatos dos sindicatos, que maçada!
Sobre o euro estive e estarei contra. Aliás, o tempo veio dar a mim e a muitos outros, razão.
Se queremos ser como os alemães que tal expropriar PPPs, eliminar rendas às energéticas, suprimir cargos políticos, extinguir 70% das empresas municipais, renegociar dívida para atenuar a quebra da procura interna, exigir fundos comunitários em valor elevado para reconversão da nossa indústria(que exige contratar pessoas, dar-lhes formação, substituir os párias boys and girls de organismos de Estado responsáveis pela gestão desses fundos e colocar gente competente )?Conheço vários alemães que não estão dispostos a isso e por isso também não vejo Portugal a ser uma Alemanha. Antes disso, os tanques entram em S.Bento.

António Silva

L. Rodrigues disse...

O José Nascimento chegou a ler o post?
É que parece que não percebeu que a Alemanha é o que é em boa parte à custa do que não nos deixou ser.

Temos os nossos pecados e as nossas virtudes. Ainda há dias ouvi na rádio uma entrevista com o trabalhador do ano da Bayer. Um português.

Mas se temos um contexto financeiro que apenas estimula o que temos de pior e reprime o que poderiamos fazer melhor, não é preciso espiar pecados no inferno, porque ele é aqui mesmo.