quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A realidade milita contra os amigos de Gaspar


O Banco que não é de Portugal fez esta semana uma vez mais aquilo que sabe fazer melhor desde que se tornou numa sucursal de Frankfurt e num centro de irradiação das ideias mais extremistas em matéria de política económica: rever previsões em baixa e apoiar as políticas de austeridade que explicam este exercício regular. O novo ano da viragem já vai nuns optimistas -1,6% de quebra prevista. Na realidade, e ao contrário do que diz o Banco que um dia terá de voltar a ser daqui, não é o “ajustamento orçamental” que é “inadiável”, puro pretexto, mas sim o uso do orçamento como instrumento no combate político que visa assegurar a transferência de rendimentos de baixo para cima, do trabalho para certas fracções do capital, com promoção da concorrência fiscal autorizada pela troika, ao mesmo tempo que se destrói o Estado social. Em contraste com as inanes prescrições, até a realidade empresarial milita contra os amigos de Gaspar e lá vai assomando discretamente no Relatório do Outono do nosso descontentamento:

“[O] comportamento do setor empresarial reflete a deterioração das expectativas quanto à evolução da procura interna e a redução da confiança dos empresários, num ambiente de elevada incerteza e de baixa utilização da capacidade produtiva na indústria. De acordo com o Inquérito de Conjuntura ao Investimento do INE, divulgado em julho de 2012, a percentagem de empresas que afirma ter limitações ao investimento voltou a apresentar um aumento, atingindo 59.1 por cento em 2012, após se ter situado em 55.2 no ano anterior. Entre as empresas que consideram ter limitações ao investimento, a deterioração das expectativas em relação à procura continua a ser inequivocamente o principal fator limitativo tendo-se registado em 2012 um reforço da sua importância” (p. 53).

O INE ainda faz jus ao seu nome, produzindo estatísticas nacionais que nos mostram a crise económica que se agudiza, a subida galopante do desemprego. Os gráficos do Público são ilustrativos. E ainda há quem fale em rigidez laboral. Agora, até as exportações estão em quebra. Isto não parece dever-se à greve dos estivadores, o volume de carga nos portos aumentou, mas sim a um dos muitos paradoxos da austeridade depressiva com escala europeia e para lá dela: a despesa de uns é o rendimento de outros, as importações de uns são as exportações de outros. É o paradoxo salarial desta desunião europeia que aqui repetimos pela enésima vez: tratar os salários como um custo a conter a todo o custo pode parecer racional para tentar incrementar a procura externa, mas, como todos os países estão na mesma linha, temos a procura externa deprimida em cima de uma procura interna que colapsa e lá se vai o único motor. A chamada flexibilidade, pura ideologia ao serviço de quem só pensa em gerar e transferir custos sociais para terceiros, só aumenta os encadeamentos perversos.

1 comentário:

José Guinote disse...

Sobre as razões que justificam o abrandamento das exportações o Governo falou a diferentes vozes e de diferentes maneiras. O ministro da Economia elegeu (1) como principal razão para o facto o “abrandamento da economia europeia” particularmente de alguns parceiros da zona euro. Imediatamente a seguir Passos Coelho atribuiu a responsabilidade do abrandamento das exportações exclusivamente à greve dos estivadores. Foi, depois, secundado por Paulo Portas que, na Comissão de Finanças/Negócios Estrangeiros do Parlamento, identificou a greve dos portos com o abrandamento das exportações.
A não adesão à greve dos portos de Sines, principalmente, e de Leixões retira credibilidade aos argumentos de Passos e Portas como, aliás, mostra o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos no link incluso no post.

(1) http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=603163&tm=6&layout=123&visual=61