quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Estado-providência é sustentável


O meu artigo no jornal i:

Confrontado com os disparates que leio e ouço na comunicação social, em texto anterior (“Um bolo muito apetitoso”) expliquei sumariamente em que consiste o mecanismo de repartição que sustenta a nossa Segurança Social. Hoje pretendo mostrar aos leitores que a ideia da falência da Segurança Social, e do Estado-providência em geral, faz parte de uma retórica inspirada na ideologia neoliberal. Essa retórica será repetida até à exaustão para inculcar nos cidadãos a inevitabilidade da privatização de boa parte da provisão pública. O objectivo é, criando um clima de anomia social, converter o Estado-providência num Estado de serviços mínimos, complementado com uma rede de assistência aos mais desamparados através das IPSS. O resto da população tornar-se-ia o mercado dos grupos económicos privados.

O pretexto para este golpe político é a crise financeira em que estamos mergulhados. Com uma política económica deliberadamente recessiva – o suicídio para que caminha a Europa, segundo Paul Krugman –, as receitas dos impostos e das contribuições sociais afundam-se e as transferências sociais disparam. Consequentemente, o subfinanciamento dos serviços públicos torna-se dramático e, com um nível de desemprego de Grande Depressão, a Segurança Social acabará por entrar em défice. Evidentemente, bastaria não pagar os juros da dívida para que o garrote financeiro ficasse no imediato aliviado. Mas também sabemos que essa despesa não é igual às outras e, face à conhecida irredutibilidade da Alemanha, esse incumprimento implicaria a saída do euro. Esta é a única opção que permite ao país lançar uma estratégia de desenvolvimento que lhe dê futuro. Infelizmente, alguma esquerda ainda receia assumir as implicações da denúncia do Memorando e o não pagamento dos juros, desse modo atrasando um debate público que já deveria estar em curso.

As dificuldades de financiamento da saúde e da educação que hoje vivemos, e a insustentabilidade da Segurança Social que este caminho induz, estão a ser deliberadamente criadas pela política económica suicida que a UE nos está a impor. O abandono da moeda única permite ao país voltar ao crescimento económico e ao normal financiamento do Estado-providência. Portugal pode enfrentar com seriedade o seu défice externo se dispuser de soberania monetária e de autonomia para conduzir políticas públicas, com destaque para as políticas cambial, de comércio externo e industrial. Quanto ao défice público, deixa de ser um problema a partir do momento em que o governo se financia no Banco de Portugal e a economia relança o seu crescimento.

Dirão alguns, então e o problema do envelhecimento demográfico? Mais que um problema, é sobretudo um espantalho ideológico esgrimido para justificar a introdução de uma componente de capitalização. Quando a economia começa a crescer, sobretudo através de um forte aumento da produtividade, então o aumento do consumo dos pensionistas, no futuro, será coberto pelo maior produto a repartir nessa data. Mais ainda, num contexto de crescimento, o desemprego diminui, dessa forma aumentando as receitas de contribuições e reduzindo a pressão sobre as despesas da Segurança Social. Por outro lado, nesse novo contexto, e sendo necessário, seria mais fácil aumentar a taxa social única, em alternativa à redução de prestações, ou ao aumento da idade da reforma, como até agora se tem feito.

Com a adesão ao euro, o nosso crescimento económico tornou-se medíocre, o desemprego disparou e o Estado-providência ficou sob pressão. Hoje está nas nossas mãos decidir que vamos ter um Estado-providência sustentável. Mas terá de ser fora do euro.

2 comentários:

Ricardo Reis disse...

Lá está o Jorge Bateira a ocultar todas as consequências políticas e económicas da saída do euro. Vejamos:

Saída do euro -> imposição de controlos de capitais para evitar a fuga de capitais -> violação das normas de livre circulação de capitais da União Europeia.

E agora? É favorável a uma saída da União Europeia a troco da liberdade de impor controlos de capitais? Podemos prescindir assim tão facilmente dos fundos estruturais europeus? Vamos buscar todo o dinheiro que nos faltaria ao Banco de Portugal? Era bom que estes problemas fossem mencionados quando os autores fazem estes posts a defender a saída do euro.

Jorge Bateira disse...

Caro Ricardo Reis

Escrevo sobre a saída do euro com a liberdade e a responsabilidade de já ter apresentado com grande detalhe as implicações da saída e a forma de minimizar os custos daí decorrentes. Pode tirar as suas dúvidas aqui: https://docs.google.com/file/d/0B00H3y0k3iMSbVpraktwT2hocjg/edit?pli=1

Agora, é o Ricardo que tem o ónus da prova. Espero que venha a escrever um texto com o mesmo grau de detalhe mostrando que a melhor opção para o futuro do país é permanecer na zona euro. Custe o que custar.