quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mais justo?


Como Hugo Mendes assinala, Vítor Gaspar leva-nos para o plano inclinado da destruição do Estado social, repetindo a ideia de que concentrá-lo nos mais pobres tornará os arranjos mais justos. É uma ideia falsa, isto se por mais justo entendermos mais redistributivo, com maior capacidade de servir os interesses dos mais desfavorecidos, claro. O princípio da universalidade é muito mais eficaz. Leia-se João Cardoso Rosas: "Um Estado social justo é, necessariamente, aquele que assume a sua função redistributiva e geradora de coesão social. Nesse Estado social existe universalidade dos benefícios e universalidade das contribuições, adaptadas aos rendimentos e riqueza de cada um. Este Estado social é para todos e todos nele participam. Não é um Estado social apenas para os muito pobres." Aproveito a boleia para repetir o que já aqui escrevi:

O ideal da universalidade está na base dos Estados sociais com maior capacidade redistributiva e com maior qualidade dos serviços, onde é maior a confiança social porque são menores as desigualdades económicas e, logo, mais elevada a legitimidade dos arranjos sociais. É fácil perceber porquê: a universalidade é o meio mais eficaz para podermos dizer com algum realismo que estamos todos no mesmo barco, que temos, enquanto comunidade, bens partilhados. Desta forma, aumenta a “moralidade fiscal”, a disponibilidade para pagar impostos progressivos mais elevados e para taxar os rendimentos do capital, sobretudo o que não tem aplicações produtivas, cuja importância tem aumentado. A probabilidade de fuga dos serviços públicos por parte dos grupos mais instruídos diminui e, logo, a pressão para o aumento da sua qualidade mantém-se. O acesso universal diminui os custos administrativos, pois economiza em controlos burocráticos desnecessários para criar barreiras contraproducentes. Diminui também a probabilidade de guetização dos mais pobres, condenados, em alternativa, a programas medíocres e subfinanciados, e dos que têm algumas posses, condenados a ficar na dependência de grupos financeiros cujo poder aumenta na proporção da vulnerabilidade das pessoas, resultando em transacções de mercado sistematicamente desiguais.

1 comentário:

fec disse...

eu gostava que isto fosse verdade

mas nem sempre é

o caso dos países escandinavos é o que mais parece reflectir a ideia de que a redistribuição se encontra associada à competitividade

mas não sei se a "culpa" é apenas da redistribuição

e existem muitos casos (e é mais frequente) que uma intensa redistribuição impeça uma alocação de recursos mais conforme a uma competitividade ideal

permito-me reproduzir um comentário que fiz ao Paulo Mendo no Portugal Contemporâneo em que ele defendia o SNS:

"Cuba também tem um SNS fabuloso, e uma data de coisas gratuitas.

E depois, como não há almoços grátis (embora eu discorde desta afirmação porque sou cristão), tem um nível de rendimento médio baixissimo (muito, muito pobre pelos critérios ocidentais).

Cada país aloca os recursos de maneira soberana. E eu concordo com a alocação de recursos feitos por Cuba e à alocação de recursos aqui defendida pelo Dr Paulo Mendo (já o trato com respeitinho - Dr. - porque defende o mesmo que eu).

Mas, acha que a generalidade da população está pronta para assumir a pobreza generalizado que implica uma saúde óptima e gratuita e mais uma data de serviços públicos óptimos e gratuitos?

Eu permito-me dar-lhe a resposta: não. Vai imeditamente votar no partido mais ultraliberal que lhe prometa o crescimento económico e um um bom nível de consumo individual."

e isto tem que ver com um dos meus comentários anteriores aqui, aquele em que menciono o excerto do livro de 1925 de Trotsky, Towards Capitalism or Towards Socialism? p. 327:

"conforme passar o tempo, a nossa economia interna será mais e mais mantida pelas conquistas do balanço das nossas importações e exportações. Este ponto deve ser sublinhado pelas suas importantes consequências: quanto mais entrarmos no sistema da divisão internacional do trabalho, mais aberta e diretamente os elementos da economia soviética dependentes do preço e da qualidade de nossos produtos serão afectados pelo mercado mundial."