O primeiro-ministro deu uma entrevista à RTP na passada quinta-feira. Digo "deu" porque, de facto, não houve muito contraditório consistente. E houve várias afirmações de Pedro Passos Coelho que mereciam contestação. Uma delas foi:
"O modelo económico que era prosseguido até à intervenção externa era um modelo gerador de desemprego. E nós temos de mudar o paradigma de crescimento em Portugal (...) E penso que já estamos a inverter isso" (
ver, ao minuto 42:40).
Na verdade, o primeiro-ministro acabou por não elaborar muito sobre esse novo modelo. Mas supõe-se que a
ideia seja a
repetida longamente pelo Governo e que pretende mostrar que, afinal, estão aí os resultados da austeridade virtuosa, que visou alterar o défice de competitividade da economia portuguesa e prepará-la para os enormes desafios da globalização. Algo assim:

O gráfico representa a variação homóloga (em valor nominal) das várias componentes do PIB.
Leitura oficial: a contração da procura interna fez cair as importações, acabou por criar um superávite comercial que puxou para cima o PIB, o investimento, e com ele o emprego e o consumo privado.
Mas é um pouco mais complexo.
Em primeiro lugar, parece haver uma relação entre o crescimento da produção e a procura externa e interna, como é visível no saldo das respostas extremas nos questionários de opinião aos empresários, compilados pelo INE e que dão uma ideia das suas expectativas.

Algo aconteceu no final de 2012 e que marcou o andamento da economia. E esteve relacionado com a procura externa. Foram as nossas mercadorias que se venderam melhor, houve um aumento abrupto da competitividade a ponto de termos conseguido penetrar tão rapidamente nos mercados externos ou foi apenas uma subida da procura externa? Ou foi o aumento da produção de refinaria petrolífera? O certo é que parece ter se reflectido igualmente na procura interna. Foram as pessoas que pouparam menos, depois de um primeiro choque? Foi o Tribunal Constitucional? Era importante analisar melhor esta alteração.

E depois, um pouco depois, já no 2º trimestre de 2013, acabou por se reflectir no andamento do emprego. E teve um comportamento parecido no início de 2014, após uma ligeira inflexão na procura externa e interna.
É "isso" sinal de mudança de paradigma?
A situação que se vive em 2014 nem tem um perfil distinto da vivida antes da intervenção externa. Veja-se o contributo de cada componente da procura agregada para o crescimento do PIB, estimadas pelo INE, mas desta vez em volume (expurgado o efeito dos preços):

Ou seja, desta vez a recuperação do PIB parece ser explicada, antes, pela subida do consumo privado e do investimento (em menor grau) e que essas componentes acabam por prejudicar aquilo que - para Passos Coelho, Paulo Portas e a direita - seria um sinal de uma retoma mais saudável, com um equilíbrio das contas externas. Em volume, o saldo comercial já é negativo e é explicado pela elevada componente importada do consumo e do investimento. Ou seja, nada parece ter mudado em três anos, desse ponto de vista.
O que fica pelo caminho desta terapia é antes um enorme
"exército de reserva" de desempregados e da delapidação do capital fixo (outro bom tema a abordar) que puxa a retribuição salarial para baixo, agrava os efeitos do envelhecimento populacional e com ele da estabilidade das contas da Segurança Social e do próprio âmbito da cobertura do Estado Social. Algo que, por acaso, nem está fora da estratégia da direita em Portugal. Só entre 2011 e 2014 foram destruídos 209,9 mil postos de trabalho, dos quais 42 mil na indústria, 147 mil na construção e 82,4 mil na agricultura. Os serviços criaram 73 mil.
Mas a recente subida do emprego não parece ser um sinal de mudança de paradigma. É mais o regresso ao velho modelo que Passos Coelho tanto condena e que finalmente, e
malgré lui, está a respirar melhor. Mas que ainda se constipa quando a procura externa espirra e que se expande e encolhe consoante a procura interna. Será, antes, um sinal de que o Governo mudou de política e nem vê que isso está a acontecer diante dos seus narizes?
A prova é que, quando comparamos a estrutura do emprego por ramos de actividade (ainda que tendo em conta a alteração do inquérito ao emprego a partir de 2011), antes da crise e depois da intervenção externa, não se vêem mudanças significativas.

Veja-se onde estão a ser criados os novos empregos entre o 2º trimestre de 2013 e o 3º trimestre de 2014 (dados coligidos pelo INE, já revistos em 2014):
Por outro lado, quando se analisa as variações homólogas, verifica-se a recuperação dos "velhos" sectores, até dos ligados à construção e dos serviços com ele relacionados.
Estamos a voltar ao "velho" modelo "gerador de desemprego" porque a questão de fundo - a cambial - ainda não foi tratada como deve ser e tem sido omitida sistematicamente.