quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Arrastamento

Quem resume a atual crise de habitação a uma mera falta de casas, como sucede no caso da direita política ou entre agentes do setor imobiliário e da construção, tende a negligenciar - ou mesmo negar - o impacto das novas procuras no aumento dos preços. Isto é, não só desvaloriza a transferência de casas para o setor do turismo (sobretudo através do Alojamento Local), como a procura imobiliária por parte de estrangeiros e nacionais, como forma de valorização de rendimentos e poupanças.

Para sustentar esta desvalorização do impacto das novas procuras na formação de preços - que o Banco de Portugal, num estudo recente, chegou a designar por «choque de procuras» - é recorrente o argumento de que estas não são relevantes. No caso da aquisição de imóveis por estrangeiros, por exemplo, assinala-se que o volume de transações é escasso, oscilando apenas, nos últimos anos, entre 5% e 7% do total (mesmo que, no caso do Algarve, essa percentagem tenha atingido os 27% em junho de 2024).

O primeiro equívoco a assinalar diz respeito ao facto de as novas procuras não funcionarem de forma isolada, mas sim em conjunto e segundo uma lógica de incidência territorial cumulativa. Por outro lado, importa considerar que em muitos casos essas novas procuras - como sucede na compra de imóveis por estrangeiros - têm uma maior capacidade aquisitiva, desencadeando naturalmente, por arrastamento, a subida dos preços.


De facto, quando se analisa o valor mediano das transações segundo o domicílio fiscal do comprador (como ilustra o gráfico aqui em cima), constata-se que a diferença por m2, à escala nacional, quase atinge os 700€. Ou seja, a mediana da transação é cerca de 700€ mais elevada no caso de compradores estrangeiros, face ao valor pago por compradores nacionais. Sendo que, não menos importante, esse diferencial tende a ser mais acentuado nas regiões onde os preços das habitações são mais elevados, com destaque para os casos de Lisboa (quase 1.800€ de diferença) e da Grande Lisboa (com a diferença a rondar os 2.000€), mas também no caso do Porto e do Algarve.

1 comentário:

Anónimo disse...

Algo que estas teorias não explicam:
Se a procura por habitação para a classe média e média baixa é enorme, porque razão não aparece oferta para este segmento?
Não me parece que seja o turismo ou a habitação de luxo que estão a impedir a construção nos subúrbios, que são os locais onde essa população se concentra. Pode ser que o AL e a construção de luxo sejam muito grandes em Rio de Mouro, ou em Corroios, ou na Serra da Mina, mas não acredito nisso. Se há procura nesses sítios devia haver oferta. Tem alguma teoria porque é que não há?
A minha teoria - tão inventada como a do AL ser a causa de todos os males - é de que a contínua degradação dos salários levou a que a classe média e a classe média baixa deixassem de ter dinheiro suficiente para as casas (os pobres nunca tiveram). Deixou de haver procura porque não há dinheiro. A desregulação completa da especulação imobiliária ajudou a essa situação.