As regras orçamentais europeias, que voltaram a entrar em vigor este ano, exigem um esforço significativo de consolidação orçamental a boa parte dos países. Tal como anteriormente, o objetivo declarado continua a ser o de reduzir a dívida pública, que aumentou durante o combate à pandemia. A Comissão reconhece que, ao restringir a despesa/investimento dos Estados, as regras podem ser um entrave ao crescimento, mas justifica a sua aplicação com a necessidade de reduzir o nível de endividamento dos Estados.
No entanto, há motivos para pensar que os impactos negativos desta estratégia estão a ser subestimados. Um estudo publicado recentemente na Intereconomics analisa as hipóteses assumidas pela Comissão Europeia para avaliar a sustentabilidade da dívida pública. Entre estas, a mais relevante é a do multiplicador orçamental de 0,75: por cada €1 de aumento da despesa do Estado, assume-se que o PIB cresce €0,75, e vice-versa. Mas a maioria dos estudos sugere que, em regra, o valor do multiplicador é superior, sobretudo em períodos de recessão, o que significa que o impacto da despesa pública na economia é geralmente maior. Ao assumir um multiplicador muito baixo, a Comissão está a subestimar o impacto negativo que a restrição orçamental tem no desempenho das economias.
A discussão sobre multiplicadores não é nova. Foi a que esteve no centro do debate sobre os programas de austeridade na última crise financeira. Como o próprio FMI viria a reconhecer, ao subestimar o multiplicador, subestimou-se o impacto negativo da austeridade. Os resultados em países como a Grécia ou Portugal levaram o líder do FMI, Olivier Blanchard, a reconhecer o erro: "os analistas subestimaram significativamente o aumento do desemprego e a redução da procura interna resultantes da consolidação orçamental".
Este tipo de problemas de cálculo parece não ter desaparecido. E tem um grande impacto na forma como a Comissão avalia a sustentabilidade da dívida. Alterando as hipóteses sobre o multiplicador, os autores do estudo da Intereconomics mostram que a evolução dos rácios de dívida de França, Alemanha, Itália e Espanha é bastante pior que aquela que a Comissão prevê como resultado da aplicação das regras (como se vê no gráfico ao lado).
Além disso, se a consolidação orçamental for aplicada em vários países ao mesmo tempo, o impacto negativo no crescimento de uns afeta as trocas comerciais e o crescimento de outros (incluindo Portugal). E isso dificulta, em vez de promover, a redução sustentada da dívida. Nesse aspeto, as regras orçamentais que voltaram a entrar em vigor este ano não trouxeram mudanças de fundo na lógica de atuação das instituições europeias, apesar dos maus resultados do passado.
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