Um dos gráficos essenciais do recente estudo da Causa Pública («Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa»), coordenado por Guilherme Rodrigues, é o que estabelece relação, desde 1995, entre o rendimento médio disponível das famílias e o preço médio da habitação. Desde logo por evidenciar que a deterioração da capacidade de acesso a um alojamento para viver tem início em 2013, invertendo a tendência favorável registada até então.
Este indicador deveria ser suficiente para fazer refletir todos quantos incorrem no simplismo dominante de interpretar a atual crise como resultando de uma mera falta de casas. Por um lado, pelo facto de não se terem registado alterações em termos demográficos (procura) e do parque habitacional (oferta) que justifiquem o aumento vertiginoso dos preços. Por outro, porque a própria lógica de funcionamento do mercado, quando encarada com um desprezo olímpico pelas novas procuras de habitação, não colhe: se os rendimentos estagnam, não deveria o preço das casas diminuir?
Aludindo à relevância decisiva das novas procuras, sem as quais não é sequer possível interpretar, de forma adequada, a génese da atual crise habitacional (e, portanto, adotar as respostas que contribuem para a superar), o estudo da Causa Pública assinala ainda uma dimensão essencial que tem sido negligenciada. Isto é, o facto de não estarmos apenas perante uma crise circunscrita à incapacidade de assegurar o acesso generalizado a um alojamento, mas antes perante uma crise que transborda para lá dessa questão, já de si fundamental.
De facto, a crise de habitação que estamos a viver atravessa a própria economia, não só pela relevância que as atividades ligadas ao setor imobiliário e ao turismo adquiriram, mas também pelas dificuldades criadas na capacidade para atrair e fixar trabalhadores do setor público e privado, sobretudo nas áreas onde a subida de preços - e o desfasamento face aos salários - é mais pronunciada. Por outras palavras, já não é só a questão da habitação que está em causa, mas sim, também, o próprio modelo de desenvolvimento económico e social do país.
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