terça-feira, 3 de dezembro de 2024

OE 2025: que vida para além das contas certas?

 

Apesar do Orçamento do Estado para 2025 ter acabado por ser viabilizado pelos dois principais partidos (PSD e PS), isso não impediu os protagonistas de sublinhar o que os separa. Uma das frases com que o primeiro-ministro marcou o debate orçamental foi a de que “o equilíbrio das contas não é o fim da nossa política”. Luís Montenegro afirmou que “há vida para além do excedente orçamental”, numa tentativa clara de vincar a diferença face à estratégia dos governos de António Costa.

Este é um assunto que já vem de trás. Há um ano, na discussão do OE 2024, enquanto líder do PSD na oposição, Montenegro disse que o orçamento era “só aparência, […] parece que faz, mas não faz, apresenta objetivos, ideias, mas depois não concretiza nada” e limita-se a “desinvestir, desinvestir, desinvestir”. Montenegro criticou também o governo anterior por ir “à Europa exigir uma coisa que não faz em Portugal” e recorrer ao “maior instrumento de financiamento que tivemos desde que entrámos na União Europeia, o PRR, para suprir as lacunas de investimento público dos últimos oito anos de governos socialistas”.

Há poucas dúvidas de que o investimento público foi a principal vítima da estratégia das contas certas nos últimos anos. No entanto, assim que chegou ao governo, o PSD parece ter abandonado esta prioridade. Na análise que a Comissão publicou com a comparação dos planos de médio-prazo apresentados pelos vários países, Portugal surge na cauda da Europa: é o país que se compromete a financiar o menor nível de investimento público em toda a União Europeia.


A projeção do investimento público para os próximos anos é ainda mais problemática quando olhamos para o ponto de partida. Ao longo da última década, o país registou os níveis mais baixos de investimento público da sua história recente. O investimento público “líquido”, que representa o saldo entre a formação bruta de capital fixo (isto é, o valor investido em obras públicas, equipamentos, I&D, software, etc.) e o consumo de capital fixo (que mede o que se vai perdendo com o desgaste dessas obras públicas e equipamentos), tornou-se negativo neste período. Por outras palavras, o que o Estado investe nem chega para compensar o desgaste das infraestruturas.


Se olharmos para a última década, Portugal foi o segundo país da União Europeia em que o Estado menos investiu em percentagem do PIB (sendo que o único país que regista uma percentagem de investimento público inferior – a Irlanda – tem o PIB manifestamente inflacionado, o que torna a leitura deste indicador menos clara).


Os níveis de investimento público nunca recuperaram verdadeiramente desde o programa de ajustamento da Troika, apesar das sucessivas promessas de investimento que nunca saíram da gaveta. Isso traduziu-se na deterioração da qualidade dos serviços públicos, que têm perdido credibilidade como consequência das opções orçamentais. E os sinais que o atual governo tem dado não são menos preocupantes.

No Serviço Nacional de Saúde, a opção passa por promover ainda mais o recurso aos privados e canalizar o dinheiro público para este negócio com medidas como os vouchers-cirurgia. Em relação aos transportes, depois de décadas a encerrar linhas ferroviárias, o governo anunciou a intenção de… reduzir significativamente o investimento previsto da CP para a alta velocidade, com a justificação de que “é saudável para o mercado [o Estado] não investir tanto em comboios”. Na habitação, temos um dos mais reduzidos parques habitacionais públicos da União Europeia e há falhas significativas na manutenção da pouca habitação social existente, mas a grande bandeira do governo tem sido a descida de impostos.

A verdade é que é difícil perceber que vida é que existe além das contas certas. Como explicou o ministro das Finanças, o “compromisso” do governo é o de “continuar a manter as contas públicas equilibradas e continuar a reduzir a dívida pública”, para que “ninguém duvide do nosso compromisso com o rigor orçamental”. Só que não há uma contradição entre a promoção do investimento público e a sustentabilidade das contas do Estado. A maioria dos estudos sobre o efeito multiplicador – isto é, o impacto que a política orçamental tem no funcionamento da economia – conclui que este é superior a 1: por cada aumento de 1 euro na despesa (e, sobretudo, no investimento) do setor público, o PIB cresce mais do que 1 euro. Ou seja, os benefícios que o investimento gera para a economia não só compensam, como tendem a superar os seus custos iniciais.

O investimento do Estado não se limita a melhorar a qualidade dos serviços públicos. É também um instrumento que permite reorganizar o território e promover mudanças estruturais no país, para lá da lógica do mercado. Por exemplo: um plano abrangente de investimento na ferrovia não serve apenas para melhorar a mobilidade e a qualidade de vida de quem se desloca diariamente para o trabalho, mas também permite promover um desenvolvimento mais equilibrado em termos territoriais, reduzindo a pressão sobre os preços da habitação no centro das grandes cidades, que tem afastado não apenas as pessoas, mas também muitas atividades económicas, enquanto se expandem o turismo e outros serviços de baixo valor acrescentado. Além disso, é uma forma de reduzir as emissões de carbono através da substituição dos automóveis privados, o que diminui a dependência energética do país face ao exterior.

Adiar os investimentos necessários é uma escolha que tem saído cara para a maioria das pessoas. O desinvestimento traduz-se não apenas na perda de qualidade dos serviços públicos, mas também na ausência de uma estratégia de desenvolvimento económico e territorial que não responda apenas aos incentivos do mercado.

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