quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

A nebulosa de números e um banho de realidade

Aqui chegados, sobrou a confusão total. Com a contabilidade criativa e a manipulação de dados para simular os resultados pretendidos, o ministério da Educação chega ao final do 1º período sem ser capaz de responder, de forma clara, a duas coisas simples: quantos alunos terminaram este período sem aulas a pelo menos uma disciplina e, nesse universo, quantos deles não têm aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano letivo.

Quer isto dizer que não há números? Não. A questão é que são valores sempre colados a um «mas», a um detalhe difuso, a um qualquer «mormente» que impede comparações consistentes. No último debate quinzenal, por exemplo, Luís Montenegro afirmou, em resposta a Pedro Nuno Santos, que eram 26 mil os alunos sem aulas a uma disciplina «de forma não permanente». Isto é, «que se confrontaram com a circunstância de não ter professor a uma disciplina», em algum momento desde o início do ano letivo.

Na mesma resposta, o Primeiro-Ministro disse serem 878 os alunos que, «de forma permanente», não tinham professor a uma disciplina desde o início do ano, contando-se «o aluno tantas vezes quantas as disciplinas a que não tem professor». Logo aqui, erro grosseiro: quando se conta o aluno «tantas vezes quantas as disciplinas a que não tem professor», a unidade da medida deixa de ser o número de «alunos» e passa a ser o número de «disciplinas». Que alguém como Fernando Alexandre, vindo «da academia», não perceba isto, é um mistério.


Apesar da dificuldade atual em estabelecer comparações, dada a nebulosa de critérios e valores que o governo criou - da inflação de alunos sem aulas em setembro de 2023 às contas feitas com universos diferentes (ponderando alunos sem aulas num dado momento com alunos sem aulas desde o início do ano), pode fazer-se uma aproximação. Como sugere o gráfico aqui em cima, a situação pouco ou nada se alterou face ao ano passado, havendo mais alunos sem aulas e, eventualmente, um menor número de alunos sem aulas desde o início do ano letivo.

Sendo que, porém, as estimativas da Fenprof e da Missão Escola Pública convergem num valor: são cerca de 2 mil os alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano letivo. Ou seja, em linha com o valor do ano passado e bem acima dos 878 referidos pelo Primeiro-Ministro (com a agravante de esse valor contabilizar disciplinas, e não alunos, sem professor). Eis pois que, mesmo sem assumir o fracasso das medidas e do objetivo que fixou, Fernando Alexandre reconhece, finalmente, que o problema é estrutural, não se resolvendo com a simples mudança de governo, como chegou a sugerir Luís Montenegro, em setembro do ano passado. Nada como um banho de realidade.

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